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segunda-feira, 1 de março de 2010

A lenda paraguaia

Arsenio Pastor Erico Martínez, considerado pela Fédération Internationale de Football Association (Fifa) o melhor jogador paraguaio de todos os tempos, nasceu em Asunción, no dia 30 de março de 1915. Começou a jogar futebol no Colégio Salesiano de Vista Alegre, e aos 11 anos de idade foi levado para o Nacional, tradicional clube de seu país. Aos 15 anos já era titular absoluto.

Sua agilidade e fino trato com a bola logo chamaram a atenção. Durante a guerra do Chaco, entre a Bolívia e o Paraguai, a Cruz Vermelha formou um time de futebol para jogar partidas beneficentes no Uruguai e Argentina, visando arrecadar fundos destinados a auxiliar os feridos de guerra. Arsenio Erico foi um dos convocados.

Quando de uma apresentação em gramados argentinos foi visto por dirigentes do River Plate e do Independiente, que ficaram encantados com seu vistoso futebol. O River tentou contratá-lo ainda no vestiário de “La Bombonera”, logo após o jogo beneficente contra o Boca Juniors.

Como Erico era menor de idade, um tenente-coronel paraguaio explicou aos dirigentes do River, que não estavam em condições de ceder o passe, porque o atleta poderia ser considerado desertor. Mas os do Independiente foram mais ágeis, prosseguiram nas negociações e acabaram por comprar seu passe ao Nacional do Paraguai, por 12 mil pesos.

Erico ingressou no clube vermelho da Argentina em 1934, com apenas 18 anos de idade, tomando conta da camisa número 9 por 12 temporadas, até 1946. Seu jogo de estréia aconteceu no dia 6 de maio de 1934, diante do Boca Juniors. Antes do jogo, Arsenio Erico disse a imprensa argentina: "Quiero darle al público el gol, que es lo que más se celebra". (quero oferecer ao público o gol, para que possa festejar). Uma semana depois, frente o Chacarita Juniors, cumpriu a promessa, marcando dois gols.

No Independiente tornou-se o maior artilheiro de todos os tempos no campeonato argentino, tendo marcado um total de 293 gols (um a mais que Angel Labruna) em 325 jogos, recorde que permanece até hoje. A média foi de 0,882 gol por partida.

Foi artilheiro do campeonato argentino nos campeonatos de 1937, 1938 e 1939. Em 1937, o Independiente, que foi campeão venceu os últimos 10 jogos do campeonato, superando o até então líder, River Plate. E num feito espetacular Erico marcou 45 gols. Ao final da competição foram 115.

Contam que no campeonato de 1938 a “Tabacalera Picardo”, que fabricava os cigarros 43, que depois mudaram o nome para 43/70, deu um prêmio a Arsenio Erico por ter somado 43 gols no campeonato. Quando faltavam duas rodadas para o término da competição, o paraguaio pedia aos companheiros Antonio Sastre e Vicente de la Mata, que não lhe passassem a bola, pois se marcasse mais um gol perderia o prêmio.

Em 1941, Erico pediu um aumento salarial. Como não foi atendido resolveu vestir a camisa da Seleção do Paraguai, em jogo contra a Argentina pela “Copa Chevallier Boutell”. Mas o Independiente apelou a Fifa e a partida foi suspensa. Ainda assim, os dirigentes tiveram que viajar até Asunción para convencê-lo a voltar. O que só aconteceu depois que lhe deram o aumento salarial solicitado.

Entre os seus 293 gols, um entrou definitivamente para a história: foi contra o Boca Juniors. Erico pulou para tentar cabecear um cruzamento, mas se passou da jogada. Antes de cair ao chão conseguiu bater com o calcanhar na bola e a mandou para a rede.

Erico não foi somente um goleador emérito. Era dono de uma técnica incomum, driblava com perfeição e adorava dar toques de calcanhar. Acrobático, Arsenio era um equilibrista que executava jogadas luxuosas e toques de calcanhar na confecção de seus gols. A sua impulsão era fatal para os goleiros, daí o apelido de “El Trampolin Invisible”.

Seu estilo era inigualável. Saltava mais que qualquer marcador e ganhava dos goleiros. Como bom paraguaio, o jogo aéreo era sua especialidade. Ninguém conseguia pará-lo quando se preparava para o cabeceio. Por sua elasticidade, o jogador recebeu elogios de antigos craques como Leônidas da Silva e Alfredo Di Stefano.

Outra virtude desse notável jogador foi o seu altruísmo e desapego ao dinheiro. “El Saltarín Rojo”, como também era chamado, não aceitava regalias e paparicos em hotéis e restaurantes. Na sua concepção, o jogador de futebol era uma pessoa comum, e não um astro.

Ídolo de Alfredo Di Stéfano, Arsenio Erico era o típico jogador de todas as torcidas, que com seu estilo espetacular fazia valer o ingresso do jogo. Segundo o jornalista Sindulfo Martínez, “ningún otro jugador hizo temblar tantas veces el duro cemento de los estadios ni la fibra apasionada de las muchedumbres”. (Nenhum outro jogador fez vibrar tantas vezes o duro cimento dos estádios, nem a fibra apaixonada das torcidas)

O célebre compositor argentino Ovidio Cátulo González Castillo, dedicou-lhe um tango que dizia: “Pasará un milénio sin que nadie repita tu proeza, del pase de taquito ou de cabeza”. (Passará mais de mil anos e ninguém repetirá tua proeza, do passe de calcanhar ou de cabeça)

Arsenio Erico saiu do Independiente em 1946, depois de sofrer sérios problemas nos meniscos. Como não conseguiu se recuperar bem, seu futebol caiu bastante. Antes de voltar ao Paraguai ainda jogou sete partidas pelo Huracán, porém não marcou nenhum gol. Encerrou a carreira no mesmo clube onde começou, o Nacional de Asunción.

Morreu em Buenos Aires, no dia 23 de julho de 1977, aos 62 anos, logo após ter amputado a perna esquerda. Um problema circulatório acabou em gangrena. Foi sepultado no Cemitério de Morón, na capital argentina. Porém, no dia 23 de fevereiro deste ano os seus restos mortais foram levados para o Paraguai e agora estão guardados no Mausoléu do “Estádio Defensores Del Chaco”, em Asunción.

Arsenio Erico, “El Malabarista", outro de seus apelidos, teve a imagem impressa em selos postais. O correio paraguaio, através de sua assessoria filatélica realizou recentemente no Salão Comendador, da Câmara dos Deputados, o lançamento de selos do afamado futebolista, como parte das homenagens alusivas a vinda de seus restos mortais para o país. (Pesquisa: Nilo Dias)

A vida de Arsenio Erico virou livro. (Foto: Divulgação)