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segunda-feira, 1 de junho de 2015

“Mocinho”, o quebrador de canelas

Antônio Bezerra, o “Mocinho”, foi um dos primeiros vilões do futebol catarinense. Natural de São Francisco do Sul (SC), onde por tradição os moradores costumam ser mais conhecidos por seus apelidos, que mesmo pelos nomes, ganhou fama de homem mau nos campos de futebol.

“Mocinho” deu inicio a carreira de futebolista no Ypiranga Futebol Clube, de sua cidade natal, em 1924, atuando como ponta-esquerda. Era um jogador que tinha na velocidade a sua principal virtude.

Entre os anos de 1925 e 1928 destacou-se em diversos jogos amistosos, tendo inclusive marcado gols diante dos poderosos América, de Joinville e Hercílio Luz, de Tubarão, que foram derrotados por 3 X 0 e 3 X 2, respectivamente, em jogos bastante tumultuados.

O Ypiranga, de São Francisco do Sul era um clube de origem humilde, composto basicamente por trabalhadores do porto, e seus jogadores não tinham a polidez dos clubes da elite. Por isso “Mocinho” sentia-se a vontade para jogar pesado, sem ser repreendido.

Neste cenário, os jogos entre Ypiranga e clubes como América e Caxias, de Joinville, geralmente acabavam em confusão, e o pivô delas era sempre o mesmo: “Mocinho”, mais conhecido por “quebra-canelas”.

Em 1928 ele resolveu trocar de posição, deixando de ser ponteiro-esquerdo e passando a atuar no meio-campo. Com isso começou a arrumar ainda mais encrencas, pois agora tinha a função de marcar.

Em 8 de Setembro, num jogo em que o Ypiranga venceu o Britânia, de Curitiba por 1 X 0, depois de incomodar tanto o jogador Basani, acabou levando um pontapé e uma bofetada.

Ao revidar na mesma intensidade, deu inicio a uma batalha campal que só terminou após a intervenção dos presidentes dos clubes e da Policia, que com muito custo, conseguiram fazer com o que o jogo fosse terminado, bem como as festividades que o sucederam.

Ainda nesse ano integrou a Seleção Catarinense, que em 4 de Novembro perdeu para os paranaense por 8 X 0, em jogo valido pelo Campeonato Brasileiro de Seleções.

Em 1929 “Mocinho” quase não apareceu no cenário futebolístico catarinense, com discretas atuações nos gramados. Mas em 1930 descontou o tempo perdido, despontando com força total, dessa feita vestindo a camisa do Lauro Muller Futebol Clube, de Itajaí, clube que reunia operários de uma fábrica de tecidos e que era respeitado em razão da hostilidade com que recebia seus adversários no campo da Vila Operária.

Em 23 de fevereiro de 1930, quando derrotou o Caxias por 3 X 2, em jogo amistoso, o Lauro Muller conseguiu uma proeza quase inacreditável, machucar sete jogadores adversários e não ser punido com nenhuma expulsão. O “Jornal de Joinville” narrou bem o que aconteceu:

“Os laurenses organizaram um ataque, mas o Caxias defendeu. Cylo atacou e Eurico defendeu, quando “Mocinho” lhe deu uma violenta entrada. Mesmo contundido jogou até o fim. Dorotávio chutou forte e Chiquito, ao tentar defender fez gol contra, Lauro 1 X 0. O Caxias foi ao ataque e Lemos empatou, 1 X 1.

“Mocinho”, com raiva, machucou Lemos que teve de ser substituído por Andrade. Este jogou apenas cinco minutos e saiu machucado, também por “Mocinho”. O Lauro Muller teve um escanteio, Paulo cobrou, Candinho defendeu, mas Dorotávio fez Lauro 2 X 1.

“Mocinho”, que nem touro enfurecido, atacou de raiva, violentíssimo e o alvejado pela sua ferocidade foi Raul Schmidlin, que levou duas pancadas na boca do estômago. Na segunda, Schmidlin revidou e foi agredido por alguns brutamontes.

“Mocinho” mostrou ser um elemento sem caráter e sem educação esportiva. Serenados os ânimos, Dario fez penalti e "Marinheiro" empatou em 2 X 2. “Mocinho” e sua sinistra sina de machucar, deu seguidas entradas violentas. Começou o segundo tempo, o Caxias atacou e o Lauro defendeu.

O jogo perdia em beleza devido a “Mocinho”, que machucou José, mas este continuou em campo. Em seguida “Mocinho” agrediu Cyrillo que se lesionou. O jogo virou uma verdadeira tourada.

Vendo em “Marinheiro” a principal estrela da defesa caxiense, “Mocinho”, depois de várias tentativas o machucou, sendo que este foi levado a uma pharmácia ondedepois de medicado regressou ao Hotel.

Depois de bons lances ocorreu um penalty de Chiquito que Dario cobrou e errou. Foi quando começou uma chuva torrencial. Em um ataque o Lauro fez 3 X 2, e pouco depois o jogo acabou.

Apesar de tudo, o juíz Emilio Sada foi muito criterioso e imparcial. Esperamos que o Lauro Muller não apoie o jogo violento de “Mocinho”. O Caxias agradeceu a Pharmácia Santha Terezinha por ter tratado de “Marinheiro”.

Mas nada aconteceu com “Mocinho”, que seguiu atuando normalmente pelo Lauro Muller, pois se tratava de um de seus principais jogadores. Já havia se tornado famoso em todo o Estado. 

Naqueles tempos o Lauro Muller enfrentava em igualdade de condições os principais clubes de Joinville, Florianópolis e Blumenau, a quem vencia com frequência.

Em Outubro de 1930, a desgraça marcou encontro com “Mocinho”. Convocado pelo Exército para lutar no “Movimento Libertador”, que conduziu o ditador Getúlio Vargas á presidência do Brasil, quando servia em Florianópolis foi atingido por uma granada que lhe arrancou o braço direito.

A população de Itajaí se comoveu com o ocorrido. O Clube Náutico Marcilio Dias e o Lauro Muller Futebol Clube organizaram jogos para arrecadar fundos, para ajuda-lo na recuperação. Talvez para qualquer outro, a perda de um braço significasse o fim de uma carreira futebolística.

Mas para “Mocinho” não foi assim. No inicio de 1931, ele estava de volta ao posto de titular do meio-campo do Lauro Muller. E da mesma maneira de antes, não dispensando uma boa briga, estivesse ou não dentro de campo.

Prova disso, que em 14 de junho de 1931, quando assistia a um jogo entre Brusquense e Lauro Muller, em Brusque, se envolveu em uma confusão que por muito pouco não terminou em tragédia, conforme noticiou o jornal “O Libertador”:

“No final, quando os nossos rapazes preparavam-se para o regresso, houve uma desavença entre o "chauffer" João Pereira e um dos rapazes visitantes. Houve a intervenção de três outros presentes que o referido "chauffeur" tentou agredir a faca, tendo conseguido ferir de leve o nariz de um deles.

Foi quando surgiu Antônio Bezerra, mais conhecido por “Mocinho”, que foi em socorro de um irmão, a quem Pereira também tentava ferir. “Mocinho”, que só tem o braço esquerdo, pois que o direito perdeu durante a revolução com a explosão de uma granada, entrara em luta armado de bengala, sendo esfaqueado pelo alludido "hauffer", recebendo dois ferimentos, sendo um no braço esquerdo e outro no ventre.

O criminoso refugiou-se num hotel, sendo afinal preso, bem como o seu primeiro contendor. “Mocinho”, cujo estado não é grave, que ahi fora assistir o match, acha-se internado no Hospital de Azambuja, daquella cidade”.

Em Julho, mesmo ainda machucado pelas facadas, “Mocinho” voltou a jogar no time principal do Lauro Muller, que nesta ocasião, preparava-se para a disputa do Estadual de 1931, campeonato este, que após muita confusão por parte da Federação, terminou somente em janeiro de 1932, com o titulo sendo homologado a ele, devido a desistência do Athletico Catharinense.

Embora não fosse mais titular do time, “Mocinho” fazia parte do grupo. Deste modo, colocou o seu nome no rol dos jogadores campeões do Estado.

A partir de 1933 seu nome deixou de figurar no noticiário esportivo. O que fez de sua vida dai para frente não se sabe com certeza, embora existam evidencias que tenha iniciado a carreira de Delegado de Policia na cidade de Penha. (Pesquisa: Nilo Dias)

"Mocinho" topava qualquer parada.  (Foto: Cacellain)