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sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

O eterno "luto" do Colo-Colo do Chile

O Club Social y Deportivo Colo-Colo, da cidade de Santiago, é o time de futebol mais popular do Chile. Foi fundado em 19 de Abril de 1925, por um grupo de ex-jogadores do Club Social y Deportivo Magallanes, liderados por David Arellano. Desde 2005, é administrado pela sociedade anônima Blanco y Negro S.A. sob um sistema de concessão.

Em 1925, Arellano e um grupo de jogadores tiveram um desentendimento com a diretoria do Magallanes. Esse grupo deixou a equipe albiceleste, e decidiu criar um novo clube. Essa decisão mudou a história do futebol chileno, afinal, nascia ali o Colo-Colo, hoje a equipe mais popular do país.

Na recém formada agremiação, Arellano seguiu marcando gols e ajudou na conquista de dois títulos: a “Segunda Divisão da Liga Metropolitana de Deportes” e a “Copa dos Campeões de Santiago.”

O Colo-Colo tem como cores o preto e o branco as quais utiliza em seu uniforme desde a fundação. O nome é uma homenagem ao cacique “Colo-Colo”, herói indígena da tribo “Mapuche” na luta contra os espanhóis durante o século XVI e que era conhecido por sua grande inteligência. Por isso, alguns chamam o time de “El Cacique”.

Uma curiosidade acompanha o Colo-Colo, está em luto eterno pela morte trágica de seu fundador, David Alfonso Arellano Moraga que foi também o seu primeiro capitão. E tem seu nome cantado na letra do hino do clube.

“Es Colo Colo como el gran araucano
que va a la lucha jamás sin descansar
porque el recuerdo de David Arellano
siempre lo guía por la senda triunfa”

A cada vez que o Colo-Colo entra em campo, está acompanhado de David Arellano, que aparece na forma de uma enlutada faixa retangular pouco acima do escudo que leva o cacique “mapuche”.

Fora do Chile, Arellano é lembrado apenas por ser um dos precursores da "bicicleta", ou da "chilena", como é conhecida a jogada acrobática na maior parte dos países de língua espanhola. Foi ele quem levou a jogada ao futebol chileno, depois de vê-la na Europa

Em 1927, o Colo-Colo decidiu dar um passo importante em sua história, fazendo sua primeira grande excursão internacional, partindo inicialmente pelas Américas e posteriormente pela Europa, entre janeiro e julho daquele ano, sendo o primeiro clube chileno a jogar em solo europeu.

Na primeira escala no Equador, foram duas partidas, duas goleadas por 7 X 0, e cinco gols de Arellano. Em Cuba, uma vitória e uma derrota. No México, onde a equipe ficou por dois meses, foram disputados 12 jogos, com 10 vitórias chilenas, um empate e uma derrota.

No início de abril, realizaram três jogos em La Coruña, na Espanha. Depois, uma rápida passagem por Portugal, com duas derrotas e uma vitória sobre um combinado de jogadores de Sporting e Benfica. Na volta à Espanha, em 24 de abril, o Colo-Colo perdeu para o Atlético de Madrid por 3 X 1. No dia 1º de maio, Arellano abriu a goleada de 6 X 2 em cima do Real Unión Deportiva (futuro Real Valadollid). O que ninguém poderia imaginar, é que nesse marcaria seu último gol.

No dia seguinte, Colo-Colo e Real Unión se enfrentariam novamente e empataram por 3 X 3. Em um lance banal, durante uma disputa de bola aérea, Arellano, então com 24 anos, acabou vendo o zagueiro David Hornia, cair com o joelho sobre seu estômago. Mais tarde, foi constatada uma inflamação traumática no peritônio, uma membrana que reveste parte do abdômen, e que acabou causando sua morte na tarde do dia 3 de maio.

Algo que, provavelmente, pudesse ser facilmente revertido nos dias de hoje. Inicialmente, o corpo de Arellano foi velado e enterrado em solo espanhol. No Chile, chorava também uma jovem garota, de nome Berta, que havia tido um filho com Arellano, chamado Omar Alfonso. Em 1929, seus restos mortais foram trazidos ao Chile e deixados no “Mausoléu dos Velhos Craques do Colo-Colo”, no “Cemitério Geral de Santiago”.

Com jogos já marcados, o Colo-Colo ficou na Espanha até o dia 14 de junho. Em julho, ainda fez outras três partidas no Uruguai e uma na Argentina antes de regressar ao Chile. Dali em diante, o clube decidiu carregar eternamente no peito a lembrança de Arellano, que viveu e, literalmente, morreu pelo clube que ajudou a criar.

David Alfonso Arellano Moraga nasceu em 29 de julho de 1902, em Santiago. Desde os tempos escolares foi destaque nos jogos de futebol. Aos 17 anos já estava na equipe do Magallanes. Em 1919, estreou na “Primera División”, competição organizada pela “Asociación de Fútbol de Santiago”.

Um ano depois já era o principal artilheiro do time, que ganhou os títulos da “Copa Félix Alegría”, da “Copa Alberto Downe”, da “Copa 12 de Octubre” e da “Copa República de la Asociación de Santiago.”

Em 1921, já atuando como ponta-esquerda, voltou a ser campeão da “Copa República”. Em 1924, foi convocado para defender a “Seleção Chilena” no “Campeonato Sul-Americano” disputado no Uruguai em que o Chile perdeu as três partidas que realizou, contra o time anfitrião, Argentina e Paraguai.

Ganhou prestígio como capitão, e diretor-técnico, tendo disputado élo “scratch” nacional o Sul-Americano de 1926, sediado no Chile. Esse foi o grande momento do atacante, que se sagrou artilheiro do certame, marcando sete gols.

Corria o ano de 1991, e o Chile havia acabado de sair de um governo ditatorial que durou 17 anos. Os resquícios de violência do período talvez tenham sido refletidos na semifinal da “Copa Libertadores”, no duelo entre Colo-Colo e Boca Juniors, onde foi deflagrada uma batalha campal, em que a equipe “mapuche” saiu vitoriosa.

A conquista do mais importante título da história do Colo-Colo teve contornos folclóricos. Na semifinal da edição de 1991 do torneio continental, depois de perder para o Boca Juniors por 1 X 0 na Argentina, o time chileno ganhou por 3 X 1 o jogo de volta, que foi marcado por uma verdadeira batalha campal no “Estádio David Arellano.”

O jogo aconteceu no dia 22 de maio de 1991. O árbitro foi o brasileiro Renato Marsiglia. O Colo-Colo precisava fazer uma diferença de dois gols para ir à final.

O jogo foi difícil. O Colo-Colo só abriu o placar aos 20 minutos do segundo tempo, através de Rubèn Martinez. Dois minutos depois Barticciotto fez 2 X 0. Os argentinos reagiram e LaTorre diminuiu,

O placar agregado de 2 X 2 indicava uma decisão por pênaltis. Mas aos 37 minutos, Patrício ''Pato'' Yañez surgiu na frente do goleiro Navarro Montoya e, com um toque de esquerda, fez o terceiro do Colo-Colo. Foi aí que começou a confusão.

Os argentinos reclamaram impedimento. Houve empurrões e pontapés. Até os repórteres de campo foram envolvidos na briga. Os soldados do “Corpo de Carabineros” entraram no gramado para colocar ordem na bagunça.

O cabo Veloso soltou o comando da correia que segurava o pastor alemão “Ron”. E o cão fez aquilo para o qual foi treinado. Avançou e mordeu a nádega esquerda de Montoya. A confusão parou. E a torcida do Colo-Colo aplaudiu a ação do cachorro.

O comandante da “Escola de Adestramento Canino de Santiago”, Guillermo Benitez deu entrevistas dizendo que “Ron” era um animal amistoso e brincalhão e que não havia motivo de orgulho na mordida no goleiro do Boca.

O cão ganhou tratamento de herói nos jornais do dia seguinte e mesmo nas edições noturnas. “Ron”, permaneceu a serviço da polícia. Ele morreu seis anos depois e está enterrado no cemitério canino da entidade, ao pé do monte San Cristóbal, com direito a lápide e tudo mais. O lugar foi convertido em ponto de peregrinação pelos torcedores do Colo-Colo.

Apesar da confusão da semifinal diante do Boca Juniors, o jogo decisivo contra o Olímpia foi mantido no estádio David Arellano. O policiamento redobrado, no entanto, não impediu que um garoto invadisse o gramado para entrar na história do Colo-Colo de maneira inusitada.

Com uma espécie de carrinho preciso, o menino deslizou pelo gramado e, instantes antes da foto oficial, se posicionou diante dos 11 jogadores que 90 minutos depois conquistariam pela única vez a “Copa Libertadores da América”, para o futebol chileno.

No dia seguinte os jornais publicavam a foto do time campeão, onde aparecia um garoto de tênis brancos, calça azul e blusa amarela, com uma bandeira amarrada ao pescoço.

Antes de se posicionar, o menino tocou o ombro de Luis Perez, que marcou dois gols na vitória por 3 X 0 contra os paraguaios. Intrigados, os torcedores passaram a considerar a misteriosa aparição do garoto, chamado de “hincha fantasma”, como motivo de sorte.

A imprensa local fez uma verdadeira caçada ao menino nos meses que se seguiram a conquista do time chileno, sem nada encontrar. Logo, a imagem passou a ser tratada como um amuleto, um fantasma que apareceu no Estádio Monumental para a eternidade.

Mas que diabos seria o garotinho? Todos queriam sabem quem ele era, mas ninguém o conhecia. Funcionários, torcedores organizados, jornalistas, e nada, a identidade do fantasma era um mistério. Anos depois um boato surgiu de que o intruso seria o atacante José Luis Villanueva, que inclusive teve discreta passagem pelo Vasco da Gama.

Villanueva, na época com cerca de 10 anos, acompanhou quase todas as partidas como "mascote" da equipe. Mas com a batalha campal da semifinal, a Conmebol exigiu que ninguém alheio ao jogo estivesse em campo. Além disso, Villanueva sequer foi ao estádio e assistiu a decisão pela TV, pois seu pai havia viajado.

Alguns anos depois, alguém na busca de notoriedade se apresentou como o “torcedor fantasma”. Um jornal de Santiago, de grande circulação, até publicou a história. Mas dias depois acabou desmentindo.

Demorou quase 20 anos, mas enfim se descobriu com certeza o paradeiro do garoto. Se descobriu que o verdadeiro “incha fantasma”, também chamado de “jogador número 12”, era Luis Mauricio Lopez Recabarren, conhecido por "Monito", por ser filho de um homem apelidado de "Mono". Luis Mauricio tinha problemas com a lei e por isso preferiu fugir do assédio da imprensa.

Ele morava nas imediações do Estádio Nacional. O pai do menino gostava de tirar fotos com jogadores famosos, entre eles “Pelé”, e o filho herdou o costume. Meses depois voltou a aparecer em um jogo da “Copa América”, entre Chile e Argentina. Se aposentou após levar uma "lição" da Polícia.

Polícia, que faria parte de sua vida como adulto. Desde pequeno, a rua era sua casa. Seu primeiro delito aconteceu com apenas seis anos, quando foi flagrado pelo pai pegando moedas de um ônibus. Mais velho, passou por vários reformatórios.

Vítima de leucemia sucumbiu à doença aos 23 anos de idade, em 30 de julho de 1999, quando se encontrava encarcerado no “Centro de Detenção Preventiva Santiago Sur.”

Em 2009, Luis Lopez, o pai de “Monito” concedeu entrevista ao jornal “El Mercurio”, sobre a meteórica vida de seu filho, e sua "partida de despedida". Disse que os jogadores possuem sua partida de despedida e seu filho a jogou no Estádio Nacional, como grande que foi.

Confirmou que a imprensa chilena entrou em contato para que ele desse entrevistas, tirasse fotos e saísse na TV, mas preferiu se esconder por medo de ser reconhecido, pois já tinha seus problemas com a lei.

Disse que na região onde moravam todos sabiam que era seu filho, porque era conhecido por se meter no campo desde pequeno. Luis Lopez fez primeiro e ele depois o imitou.

O mais curioso disso tudo é que ele não ia ao “Estádio Monumental”, sempre frequentava o “Nacional”, porque era mais perto e fácil de ir. Mas a única vez que foi ao “Monumental” entrou para a história.

O filho de Luis Lopes vivia na rua e não era muito controlado. Nunca se sabia o que ia fazer. Seus pais só se davam conta de que algo estava errado, quando chegava com uma foto ou era visto na televisão. Mas sabiam que ele queria estar entre os jogadores chilenos. Vários deles estavam também na foto com o Colo-Colo.

Foi o dia que o Chile enfrentou a Argentina, a primeira partida. Depois os policiais o pegaram e falaram a ele que o soltariam com uma condição, que nunca mais voltasse a pisar em um gramado de estádio. O filho aceitou e apesar de estar tão próximo, nunca mais quis voltar a um campo.

Depois se fez homem, teve mais problemas com a lei e morreu no cárcere. O que sobrou foram as lembranças. E Luis Lopes acredita que o mais importante é que o “Monito”, seu filho, segue vivo nessas fotos, ainda que seja como um “fantasma” para todos os outros. (Pesquisa: Nilo Dias)