Boa parte de um vasto material recolhido em muitos anos de pesquisas está disponível nesta página para todos os que se interessam em conhecer o futebol e outros esportes a fundo.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Um goleiro espetacular

Bernhard Carl Trautmann, ou simplesmente Bert Trautmann, futebolista e treinador, nasceu em Bremen, Alemanha, no dia 22 de outubro de 1923. Era o filho mais velho de um carregador químico das docas. Desde a juventude foi seduzido – igual a outros milhões de jovens alemães – pelo discurso nacional socialista de Adolf Hitler, se engajando na Juventude Hitlerista.

Quando a guerra teve início, não titubeou em alistar-se na “Luftwaffe”, sendo enviado para a recém invadida Polônia, onde desempenhou a função de operador de rádio. Depois, como paraquedista, foi transferido para a Frente Oriental e teve que lutar contra o Exército russo, conseguindo sobreviver a essa experiência, fazendo jus a cinco medalhas, entre as quais a “Cruz de Ferro”, por seus méritos no campo de batalha.

Trautmann ainda combateu na Frente Ocidental, tendo sobrevivido a um bombardeio dos Aliados na cidade de Kleve, onde foi feito prisioneiro por dois soldados americanos, mas milagrosamente escapou da prisão.  Ele ficou enterrado vivo por três dias, quando os aliados bombardearam uma escola onde sua unidade estava alojada; a maioria de seus companheiros foram mortos.

Ele foi um dos 90 soldados de um regimento de 1000 homens, que conseguiram sobreviver. Depois de passar algum tempo na prisão belga, Trautmann foi transferido para outro campo de prisioneiros em Malbury Hall, na Inglaterra.

Pouco tempo depois, quando a guerra estava próxima do fim, ele foi preso novamente, dessa vez por um esquadrão britânico, que o levou para um campo de prisioneiros na Bélgica. 

No momento da prisão os soldados ingleses teriam dito: "Olá Fritz, você gostaria de uma xícara de chá?" Sua história de amor eterno com a Grã-Bretanha começou naquele momento. Nessa prisão, para aliviar o tédio, eram organizadas partidas de futebol entre os soldados britânicos e um grupo de prisioneiros.

Quando a guerra terminou, ele não quis ser deportado para a Alemanha, pois tinha plena consciência de que seu país estava em ruínas, decidindo, por isso, começar uma vida nova em solo inglês. Para sobreviver, não recusava nenhum tipo de trabalho, muitas vezes em granjas, outras em fábricas. Nas horas de folga se dedicava à sua paixão: o futebol.

Mesmo com 25 anos de idade, ganhou chance em um clube amador chamado St. Helens Town, nas cercanias da cidade de Wigan. Mesmo jogando em um time sem a menor importância, sua estatura e a agilidade como goleiro chamaram a atenção dos grandes times ingleses. O Manchester City levou a melhor e o contratou para a temporada 1949 – 1950, para substituir seu grande número 1, Frank Swift.

A torcida não gostou nem um pouco dessa contratação, e a imprensa inglesa também, pois não esqueciam que Trautmann fora um paraquedista da “Luftwaffe”. Até mesmo entre os jogadores do clube, cujo capitão, Eric Westwood, era um veterano do desembarque na Normandia, a presença de um "kraut" na equipe não era bem vinda.

Até uma lista com 20 mil assinaturas foi feita contra sua contratação. Os torcedores iam aos treinos e aos jogos do Manchester carregando faixas que diziam: "Fora Alemão". Mas como o tempo é o melhor remédio para curar todas as mágoas, os torcedores acabaram por aceita-lo, mesmo tendo jogado apenas cinco das 250 partidas realizadas pelo clube na temporada.

Somente os torcedores rivais ainda o insultavam das arquibancadas, quando o time jogava fora de casa. E foi num jogo fora de casa que o goleiro começou a se converter em um mito. Em janeiro de 1950, o Manchester City foi a Londres enfrentar o Fulham.

Essa foi a primeira vez que Trautmann iria jogar em Londres , desde sua chegada a Grã-Bretanha. O Manchester passava por um momento difícil e o adversário era o favorito, com a imprensa achando que haveria uma goleada.

Foi quando surgiu a figura colossal de Trautmann, que realizou defesas impossíveis, fechando o gol. A torcida adversária o xingava de todos os palavrões possíveis. O Manchester City ganhou por 1 X 0, e o goleiro foi aplaudido de pé pelos torcedores rivais e até pelos próprios jogadores do Fulham.

Em 1956, já como titular absoluto, foi escolhido o melhor jogador do campeonato inglês. Sua atuação na final da Copa da Inglaterra do mesmo ano foi o coroamento de um ano espetacular. Quando faltavam 17 minutos para o término do jogo, Trautmann sofreu uma grave lesão, depois de "mergulhar" nos pés do jogador Peter Murphy.

Ele conseguiu segurar a bola, mas não conseguiu impedir a cabeça de colidir com a perna de Murphy. Trautmann ficou tonto e cambaleando, mas estava determinado a jogar. Mesmo gravemente lesionado ele continuou em campo, sendo fundamental para que o escore favorável ao seu time se mantivesse nos 3 X 1.

Ao receber a medalha de campeão, seu pescoço estava visivelmente torto. Três dias depois, um raio-x mostrou que havia cinco vértebras deslocadas, sendo que uma delas estava partida em dois. A gravíssima lesão o afastou dos gramados por um ano.

No final do jogo, Trautmann foi ajudado a subir os degraus para receber sua medalha de vencedor, o tempo todo esfregando a "rigidez do pescoço". Ele foi forçado a passar cinco meses envolto em gesso da cabeça aos quadris.

Um mês depois de seu heroísmo na final da Taça, o seu filho de seis anos de idade, foi morto ao atravessar a estrada. Trautmann lutou muito para superar o trauma causado com sua perda, que com o tempo levou ao rompimento de seu casamento.

Trautmann jogou no Manchester City até 1964, com um saldo de incríveis 545 partidas disputadas, durante 15 temporadas na “Football League”. Encerrou a carreira no mesmo ano, depois de jogar duas partidas pelo Wellington Town, atual Telford United. Em 2005 ele entrou para o “The English Football Hall of Fame”, sendo um dos poucos jogadores não britânicos a receber essa honraria.

Partiu para tentar uma carreira de treinador, inicialmente em equipes de divisões inferiores da Inglaterra e Alemanha. Ainda foi treinador das Seleções da Birmânia, Libéria, Tanzânia, Iêmen do Norte e Paquistão.

Trautmann viveu por um tempo na Alemanha, e em seguida mudou-se para a Espanha, onde possuía uma vinha perto de Valência. Bert Trautmann casou com Margaret Friar, em 1950. Seu segundo casamento, com Ursula von der Heyde, também não durou muito tempo.

Depois de aposentado mudou-se para a Espanha com sua terceira esposa, Marlis. Ele tinha outros dois filhos de seu primeiro casamento, e uma filha de um relacionamento anterior com Marion Greenhall.

Em 2000, Trautmann foi escolhido um dos 100 jogadores do século. Em 2004 foi apresentado à rainha e ao duque de Edimburgo no "Berlin Sinfonia", onde 66 anos antes, ele havia sido homenageado pelo ministro dos Esportes de Hitler por ter sido segundo lugar no atletismo em todo o "Reich".

Trautmann faleceu em 13 de julho de 2013, em La Lossa, Espanha aos 89 anos. Ele sofreu dois ataques cardíacos no inicio do ano.

Títulos conquistados. Manchester City: FA Cup (1956). Prêmios individuais: Futebolista Inglês do Ano pela FWA. (1956) e Membro do Hall da Fama do Futebol Inglês. (Pesquisa: Nilo Dias)