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segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Um clube amador de muita história

O E.C. Bujuru é uma agremiação tradicional no futebol de São José do Norte, município localizado no litoral sul do Rio Grande do Sul, banhada pelo Oceano Atlântico e pela Lagoa dos Patos.

O município compreende uma extensão de 1.118,104 km² de terra, cuja população é de, aproximadamente, 25.503 habitantes, distribuída em três distritos: São José do Norte, Estreito e Bujuru.

O E.C. Bujuru encontra-se no 3º distrito, mais especificamente na localidade chamada "Vila de Bujuru", localizada cerca de 72 km ao norte de São José do Norte.

Nela, vivem aproximadamente 2.500 moradores que dependem economicamente das produções de cebola e arroz, além do extrativismo vegetal.

O clube foi fundado em 12 de abril de 1942, tendo as cores vermelho e preto, sendo, portanto, rubro negro. Nesta questão há narrativas distintas que explicam a escolha.

Uma é relatada pelo torcedor Mari Veiga, em que ele afirma ter ouvido de seu pai, quando criança, que o vermelho seria em homenagem aos maragatos, revolucionários, também conhecidos como "lenços vermelhos", que lutavam contra os chimangos, "lenços brancos", que representavam as forças do Estado na "Revolução de 1923", ocorrida no Rio Grande do Sul.

A "Revolução de 1923" é pouco lembrada porque foi a menos heroica, menos sangrenta, mais curta e não teve participação popular. Na verdade, não era uma disputa pelo poder político e sim por razões econômicas e sociais localizadas no Rio Grande do Sul.

Uma segunda narrativa foi trazida por outro morador do local, João Saraiva, em que o mesmo acredita que as cores do E.C. Bujuru tenham sido copiadas de algum clube de muita tradição, provavelmente o Flamengo (RJ), que, assim como o E.C. Bujuru, também é rubro-negro.

O mais provável, porem, é que a cor rubro-negra característica do E.C. Bujuru se deu em virtude da admiração de muitos dos fundadores pelo Grêmio Esportivo Brasil, da cidade de Pelotas (RS).

Desde a fundação, a Diretoria do clube é constituída dos seguintes membros: presidente, vice-presidente, tesoureiro, secretário, guarda esporte e Conselho Deliberativo, composto pelos 10 sócios mais votados, com cinco suplentes.

O presidente é eleito pelo Conselho e, posteriormente, ele escolhe os membros para comporem o restante da Diretoria. No entanto, nos primeiros tempos, nem sempre apenas a Diretoria trabalhava para o clube.

Era comum os sócios participarem das reuniões e assumirem diferentes compromissos em termos de sustentação, tais como limpar a sede, o campo de jogo e lavar o uniforme. Além de atuarem como torcedores, eram requisitados para dividir trabalhos voluntários, dentro do clube.

Por volta da década de 1930 até o início de 1940, a comunidade de Bujuru era constituída por poucas casas que se localizavam ao redor da Igreja.

Nesta época, existiam muitos terrenos vazios e poucas opções de divertimento. O futebol não era praticado pelos moradores e a vida acabava se dividindo entre trabalho, festas católicas e carreiras, corridas de cavalos em cancha reta, onde o percurso geralmente varia de 200 a 400 metros.

Na comunidade residia um médico conhecido por doutor Bigóes. Este era casado com a irmã de Bolivar Roig, um fazendeiro de família tradicional e com grande quantidade de terras na região.

Certo dia, o doutor Bigóes trouxe uma bola para a comunidade e, dentre os inúmeros terrenos da "Vila de Bujuru", escolheu a frente da Igreja para reunir alguns jovens e apresentar o futebol para eles.

Chamou a garotada toda para o meio do campo. Era tudo aberto naquela época. Não tinha casa de família por perto, só a Igreja. O doutor Bigóes, então, pediu que todos os jovens ali presentes tirassem os casacos e montou o campo no local.

Usou os casacos como trave, separou duas equipes e explicou como funcionava o jogo. Mas nem todos entenderam direito e alguns empurravam a bola para frente, para trás e para os lados.

Depois desse dia, os jovens da época começaram a se interessar pelo futebol. E o morador Bolivar Roig tomou a iniciativa e convocou a comunidade para uma reunião.

A partir daí constituíram uma espécie de Conselho entre fazendeiros e pessoas com maior poder aquisitivo, na época, com a intenção de fundarem um clube de futebol, o que acabou acontecendo em 12 de abril de 1942, data tida como oficial do E.C. Bujuru.

Com a localização do clube definida – frente da Igreja – e suas cores escolhidas começou se a montar os primeiros planteis da equipe. Em seus anos iniciais de existência ocorreu uma exclusão racial e social, ou seja, negros e pobres não podiam jogar.

Apenas as famílias mais tradicionais da época, que eram basicamente constituídas por pessoas com grandes propriedades rurais e muitas cabeças de gado garantiam acesso ao time.

Esta segregação não perdurou por muito tempo e, três anos após a fundação do clube, mais especificamente em 1945, os negros começaram a participar, uma vez que houve um interesse da comunidade pela melhora técnica do futebol jogado.

Em termos de divertimento, o futebol ganhou lugar de destaque, junto das festas religiosas e Centros de Tradições Gaúchas. Tanto é verdade que a localidade ganhou gosto pelo futebol amador, existindo lá dois clubes, o E.C. Bujuruense e o E.C. Bujuru, sendo este o mais antigo do lugar.

O inicio do E.C. Bujuru não foi fácil. Como não existia um campeonato municipal, havia a necessidade de disputar jogos com outras equipes e o clube passou a visitar seus adversários, que retribuíam e também jogavam na "Vila de Bujuru".

Os jogos eram aos domingos e quando a localização do clube a ser visitado era muito distante, as saídas ocorriam pela manhã e ao chegar fazia-se um almoço perto do campo de futebol.

A torcida do clube, que era composta basicamente por familiares de
jogadores, acompanhava o time, dividindo espaço nos poucos caminhões de carga que existiam na época.

A parte financeira, ainda que importante, não era o maior problema naquele tempo. As grandes dificuldades para disputar os jogos e as competições acabavam sendo o transporte e a comunicação entre as localidades.

O transporte era pelo motivo das estradas de terra ficarem inviáveis, tanto em dias de chuva quanto em secas de longo período. Já a comunicação, gerava contratempos. Uma vez o time foi lá no campo do Oriente, time mais distante na região, saiu de noite e chegou às 9 horas da manhã. O campo estava cheio d’água, não deu jogo não tinha telefone, não tinha nada.

Nesses jogos, fora de casa, o time era acompanhado por alguns torcedores. Não saíam em maior quantidade porque os meios de transporte da época eram limitados e, normalmente, o clube partia para o jogo em apenas um caminhão.

Os privilegiados acabavam sendo familiares de jogadores, pais, filhos, esposas, membros da diretoria e, quando sobrava lugar, alguém da torcida acompanhava.

Os clubes que se situavam mais próximos à "Vila de Bujuru" eram o E.C. Guarani e o E.C. Divisa, e a maior parte das visitas se destinavam a estes locais. Muito raramente, o clube saía para jogar em outros lugares.

No início dos anos 1950, o E. C. Bujuru passou por uma situação de abandono total, a ponto de cair às traves do campo de futebol e ninguém mais se interessar em jogar ou administrar.

Essa desmotivação ocorreu muito provavelmente pela falta de competições oficiais, o que ocasionava jogos repetidos com os clubes da região em forma de amistosos. Outra pista que ajuda a entender a queda, está localizada na relação entre o trabalho e o tempo livre.

Naquela época, as pessoas quase não tinham tempo para o lazer, era trabalhar, sempre trabalhar. Tinha até crianças de 7 anos trabalhando na roça.

A situação foi revertida a partir da chegada na "Vila de Bojuru", em meados da década de 1950, de Alfredo Lisboa, que era de Tavares, cidade vizinha à localidade. O mesmo alugou uma casa na Vila com o objetivo de colocar um hotel e foi fazendo amizades.

Certo dia tratou de fazer um treino e comunicou a sua vontade de levantar o E.C. Bujuru novamente. Botou o chapéu embaixo do braço, assim, e foi nas casas dos moradores pedir ajuda.

E nessa mesma semana, Édson Palladino, que foi um dos maiores incentivadores e patrocinadores do clube e que, mais tarde, ganhou o título de patrono do E.C. Bujuru, pegou o dinheiro arrecadado por Alfredo Lisboa, levantou mais um montante, foi na cidade e trouxe um fardamento novo, bola e chuteiras.

Após a reativação do clube, Édson Palladino, juntamente com seu irmão Mari Palladino, fizeram uma Diretoria e reorganizaram o clube, levando, num tempo curto, ao que pode ser considerado o auge do clube.

Como os valores arrecadados com os sócios não eram suficientes para manter as despesas do clube, por isso, promoviam outros eventos, como bailes e algumas rifas, já que naquele tempo não existia bingo.

Nos domingos em que o jogo acontecia na própria sede, a movimentação começava dois dias antes, tornando-se uma festividade com a ida das pessoas que moravam mais afastadas da "Vila de Bujuru", para reuniões nas casas de amigos e parentes lá residentes.

Era um evento muito comentado, antes e depois de ocorrido. As pessoas tinham mais gosto pelo esporte. Chegava a tarde e o campo não cabia de tanta gente. Ninguém pagava nada, tudo só no amor.

Mesmo não sendo sócio, o torcedor podia assistir aos jogos do clube, gratuitamente, até porque não existiam cercas ao redor do campo. Mas quem gostava de jogar futebol, então tinha que ser sócio.

Com o tempo, Mari Palladino, presidente na época, liberou os jogadores de pagarem as mensalidades, pois além de representarem e lutarem pelo clube, dentro de campo, já arcavam com a compra de chuteiras.

Quanto aos jogadores, nas décadas de 1960 e 1970, já se percebia uma preocupação com a preparação física no clube, pois, segundo o torcedor João Saraiva, os treinos aconteciam duas vezes por semana.

Como muitos que integravam a equipe trabalhavam noite e dia, acabavam ganhando liberação dos pais para treinarem. Tinham que lavrar até às três horas para saírem a pé, não podendo abandonar o serviço. Tinham que sair naquela hora a pé, correndo. O treino começava às 15h30min. Os jogadores eram todos da comunidade.

Além disso, existia certo controle dos jogadores exercido pela direção e outra parte pela própria comunidade, pois tinha gente que cuidava para ver se algum atleta estava tomando uns "tragos" de noite. Se confirmado, o cara era cortado e botava outro. Era um mínimo de organização do clube.

Da metade da década de 1960 até o início de 1970 foram surgindo novos clubes, tanto nas regiões que ficavam aos arredores quanto na própria Vila. E assim, a torcida do E.C. Bujuru começou a se dividir. E também alguns jogadores foram para outros times.

Entre esses outros times fundados estava o E.C. Bujuruense, cuja dissidência produziu uma rivalidade constante com o Bujuru. Enquanto que o segundo foi fundado pela família dos Ferreira e Costa, pessoas com mais posses na localidade, a família que fundou o E.C. Bujuruense era de origem mais humilde, tido por muitos como o "time dos pobres".

Em meados da década de 1970, o E.C. Bujuru passou a se situar em um novo campo, onde aos poucos foi sendo construído o patrimônio que o clube possui até os dias atuais.

As primeiras obras foram patrocinadas por Édson Costa Palladino, o vestiário e o fechamento do campo com tela. Gastou em torno de 80% das obras, com recursos dele mesmo.

O ano de 1983 acabou se tornando um dos mais importantes da história do E.C. Bujuru, já que além de iniciar a construção da sede social, o clube tornou-se campeão municipal após 14 anos.

O clube ainda se mantinha financeiramente mediante as mensalidades, pagas pelos sócios, e contava com o auxílio de promoções que eram realizadas esporadicamente, tanto pela Diretoria como por voluntários.

Além disso, o reforço do caixa advinha, também, de um grupo de resistentes, que eram torcedores com maior poder aquisitivo convocados para ajudar em momentos de baixa financeira.

A sede social, por sinal, foi concluída em 1984 devido ao somatório das mensalidades e promoções, mas, sobretudo, com o auxílio da lista de resistentes.

É bom ponderar que a finalização da obra, também contou com o apoio de indivíduos de fora da comunidade, mostrando uma mobilização geral em torno da manutenção do clube e, consequentemente, da localidade a partir do futebol.

Pessoas de outros clubes ajudaram na época com caminhão de areia, caminhão de pedra, cimento, pessoas que nem da localidade eram.

A mudança de localização do clube, segundo os depoentes, proporcionou algumas vantagens. Primeiro, porque no campo de origem, o espaço era limitado e aberto.

Afora isso, comprar uma chácara com mais de 5 hectares e construir um campo de primeira linha em um local fechado, possibilitaria melhor exploração financeira.

Fechar o campo e vender ingressos era uma estratégia que alguns clubes já vinham fazendo no início da década de 1980 no município. Essa prática permitia uma maior arrecadação financeira e, consequentemente, a possibilidade de reforçar a equipe, trazendo jogadores mais qualificados.

Esse procedimento começou, primeiramente, nas equipes localizadas dentro da cidade. Liberal e Ferrari tinham jogadores que vinham de times profissionais, como de Pelotas e Rio Grande que eram pagos.

Chegou um ponto que outros times começaram a pagar também e começou a encarecer o futebol. Quando os clubes da cidade começaram a pagar jogadores, o E.C. Bujuru se viu obrigado a fazer o mesmo, já que não tinha como medir força com eles.

E foram buscar reforços em Tavares, Mostardas. Em 1983, ano que o clube sagrou-se campeão municipal, o então presidente João Luís Martins trouxe de Tavares, Geraldino, o primeiro jogador a ser remunerado pelo E.C. Bujuru.

Desse ano em diante, o clube passou a pagar grande parte de seu elenco, compensando seus atletas tanto em dinheiro quanto em outros tipos de benefícios, como materiais de construção.

Com a crescente valorização dos jogadores, ficou cada vez mais difícil equilibrar os gastos na montagem da equipe, apenas com as arrecadações de vendas de ingressos. Até por que os gastos não eram apenas com jogadores, mas, sim, com arbitragem, transporte e fardamentos.

Essa falta de recursos começou a se agravar no fim dos anos 1990, quando o clube cancelou o programa de sócios que mantinha, devido o baixo número de pagantes, que caiu de 84 em dia, no ano de 1985, para apenas 8, em 1997.

Essa carência financeira foi consequência da soma de uma série de fatores que vinham, há algum tempo, causando a diminuição do número de torcedores do clube. O primeiro motivo começou já nas décadas de 1960 e 1970, com o surgimento de novas equipes em localidades próximas à "Vila de Bujuru".

No início, o Bujuru convergia, o pessoal de Capão da Areia, Curral Velho, várias localidades que  torciam para o time. Com o passar dos anos, os moradores dessas localidades foram fundando suas próprias equipes, consequentemente, diminuindo a torcida do clube.

Um segundo motivo foi o envelhecimento e falecimento dos principais responsáveis pela organização da agremiação em décadas anteriores. Os que ainda estão vivos, apenas torcem, mas não se envolvem com a vida diária do clube na parte organizativa.

O retorno dessas pessoas mais experientes para trabalhar junto com os mais jovens, é tido pela comunidade como uma maneira de estancar o declínio dessa falta de envolvimento.

Além de aumentar o número de colaboradores, essas figuras mais experientes dariam a credibilidade para conquistar apoio dos torcedores e retomar o crescimento estrutural e futebolístico.

Em terceiro lugar, há o diagnóstico de que em 2016, a torcida do clube já era 30 por cento do que era. E parte disso se deve a proliferação de igrejas evangélicas, o que tira muita gente do futebol, pois os crentes dizem que o esporte “é coisa do diabo”.

Assim, muitas pessoas que antes colaboravam com o clube, acabaram escolhendo a religião e deixando de jogar e assistir aos jogos.

O desejo dos clubes em ter os melhores jogadores em seus planteis acabou gerando disputas que valorizaram os mesmos e encareceram o futebol amador no município.

O problema é que, com o tempo, ao invés de remunerar dois ou três jogadores, os clubes passaram a recompensar grande parte do plantel.

Essa queda começou pela precarização do clube, já que ao invés de investir na manutenção e ampliação do patrimônio, se viram obrigados a formar equipes bem remuneradas para ter alguma chance de conquistar títulos.

Ultimamente, além das promoções e venda de ingressos, os clubes detentores dos melhores planteis são patrocinados por empresários, que não lucram financeiramente com seus investimentos. Apenas apoiam o time para o qual torcem, “pois não se tem qualquer garantia de que haverá retorno para o investidor.

Deparamo-nos com um clube surgido a partir do desejo de um grupo de amigos em proporcionar mais uma forma de lazer para seus familiares, entre as poucas opções de divertimento existentes na localidade.

Orlando Paladino Costa (Orlandinho), é considerado o jogador mais vitorioso na história do clube, sagrando-se campeão municipal em 1965, 1969 e 1983. O primeiro campeonato de São José do Norte foi disputado em 1959, e o Bujuru dele participou.

Também são figuras destacadas na entidade, João Luís Martins da Silva (João Luís), que foi presidente e tesoureiro; Januário Salvador Xavier (Salvador), que exerceu diversas funções no clube; João Brasil Saraiva, reconhecido no clube como jogador e, também, como treinador, sagrando-se campeão municipal em 1965 e 1969 e Lucir Ladir da Rosa (Mari Veiga), que teve seu primeiro contato com o E.C. Bujuru aos 17 anos, quando iniciou como atleta na categoria do segundo quadro. (Pesquisa: Nilo Dias)

E.C. Bujuru, campeão de 1965.