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sexta-feira, 9 de março de 2018

Um gênio do futebol mundial (I)

Alfredo Di Stéfano Laulhé, ou simplesmente Di Stéfano foi um dos maiores jogadores de futebol de todos os tempos. Era argentino, de Buenos Aires, nascido em 4 de julho de 1926, no bairro portenho de Barracas, e falecido em Madrid, Espanha, em 7 de julho de 2014.

Cresceu jogando futebol com os meninos do bairro em terrenos baldios, a chamada "academia da rua", com bolas de borracha que custavam poucos centavos. Sua primeira equipe organizada se chamava “Unidos y Venceremos”.

Em 1940, sua família se mudou para Los Cardales. Seu pai era agricultor e trabalhava na zona rural. Alfredo deixou os estudos e começou a trabalhar para ajudar a economia familiar.

Aos domingos pela manhã jogava futebol com seu irmão Tulio, no “Club Unión Progresista”, o mais antigo de Los Cardales. E a tarde acompanhava seu pai nos jogos do River Plate, clube do qual era sócio desde os sete anos de idade.

O primeiro campeonato ganho pela “La "Saeta Rubia" foi defendendo o "CSD Unión Progresista", em meados de 1940.

Di Stéfano e José Manuel Moreno, estrela do River Plate, são considerados os maiores jogadores argentinos do século XX, ao lado de Diego Maradona.

Além de brilhante jogador foi também excelente técnico. Jogou por três seleções, da Argentina, Colômbia e Espanha. Recebeu da imprensa espanhola o apelido de “La Saeta Rubia” (A Flexa Loira”), devido a sua velocidade e a cor dos cabelos.

Além de extremamente veloz, combatia, desarmava, tinha grande inteligência para criar jogadas, habilidade para receber, tratar, conduzir, cabecear e passar a bola, além de precisão nos arremates.

Quando criança, não pensava em ser jogador de futebol. Sua vontade era seguir a carreira de aviador. Seu pai o incentivava a ser futebolista. Mas Di Stéfano só se decidiu pelos caminhos da bola, depois de marcar três gols quando, aos 17 anos, foi chamado às pressas para completar o time do bairro.

Aos 12 anos integrou os juvenis do Los Cardales, aos 15 transferiu-se para o River Plate e aos 16 estreou na equipe principal.

Seu pai havia sido jogador do River Plate, o que facilitou sua ida para o clube. Foi levado à equipe por um ex-jogador que, em visita casual a sua casa, ouviu da mãe de Di Stéfano que o garoto tinha talento.

Passou no teste e foi convidado pelo ex-jogador Carlos Peucelle a entrar na quarta categoria do clube, não demorando para subir até a terceira, depois de ter sido visto por outro antigo atleta do River, Renato Cesarini. Depois que o observou, indagou a Peucelle: "diga-me, é um center-forward"? No que foi respondido: "Não, senhor, não é. É um fenômeno".

De 2000 a 2014 foi o presidente honorário do Real Madrid, clube cuja história de sucesso confunde-se com a dele. Com Di Stéfano em campo o clube madrilheno tornou-se o maior vencedor da cidade de Madrid, da Espanha e da Europa. Também era presidente honorário da UEFA, desde 2008.

Suas grandes atuações serviram para a alimentar a rivalidade com o Barcelona, que na época não tinha a mesma expressão do adversário.

Muitos jogadores que foram seus adversários, como por exemplo,  Joaquín Peiró, que jogava pelo Atlético de Madrid, destacou Di Stéfano como o número 1, dizendo que “aqueles que o viram jogar, viram um grande craque. E aqueles que não o viram, perderam".

Já Helenio Herrera, técnico do Barcelona, disse que "se Pelé foi o violinista principal, Di Stéfano foi a orquestra inteira". Gianni Rivera e Bobby Charlton, que no início de suas carreiras enfrentaram (e perderam) por seus respectivos clubes (Milan e Manchester United) para “La Saeta Rubia” e o Real Madrid na "Taça dos Campeões Europeus", nos anos 1950, disseram que "ele os enlouquecia" e "foi o jogador mais inteligente que viram jogar, transpirando esforço e coragem. Foi um líder inspirador e um exemplo perfeito para os outros jogadores".

Os torcedores mais entusiasmados do Real Madrid diziam que Di Stéfano fez a Espanha torcer para o clube "merengue". E graças as suas exuberantes atuações o Real Madrid se tornou conhecido além das fronteiras espanholas, disse o presidente Ramón Calderón, que hoje dá nome ao estádio do clube.

Para Emilio Butragueño, ex-jogador e depois membro da diretoria, "a história do Real Madrid começou de fato a ser contada com a vinda de Di Stéfano". O jogador, contudo, não gostava de entrar em polêmica e apontava Adolfo Pedernera, astro do River Plate nos anos 1940, como o melhor jogador que conheceu.

Di Stéfano guardou uma grande mágoa, não ter jogado uma Copa do Mundo, embora tenha atuado por três países - chegou a ir para a de 1962 pela Espanha, mas uma lesão o impediu de atuar.

Como treinador, obteve mais sucesso no Valência e também possui uma marca histórica na função: foi o único a ser campeão argentino treinando os arquirrivais Boca Juniors e River Plate.

No começo de carreira, ainda no futebol argentino, Di Stéfano mostrava uma grande fome de gol. Portava-se dentro de campo como um verdadeiro centroavante. Entre fazer um gol ou dar um passe para outro companheiro, não vacilava, ele fazia o gol. E dizia que não se arrependia disso, acrescentado que  “o goleador tem mesmo que ser um tanto egoísta.”

O seu grande ídolo na infância foi o paraguaio Arsênio Érico, jogador que até hoje se mantém como o maior artilheiro da história do futebol argentino, que defendeu o Independiente nos anos 30 e 40.

O seu aperfeiçoamento como jogador, porém, não se deu na Argentina. Fora de seu país aprendeu também a voltar da área adversária para buscar o jogo, atuando como ponta-de-lança. Para poder fazer isso, era dotado de excepcional preparo físico, o que lhe dava condições de correr todo o campo durante uma partida inteira mesmo depois dos 30 anos.

Di Stéfano conseguiu jogar em alto nível até os 40 anos, decidindo por encerrar a carreira apenas para atender a um pedido do filho, quando soube por este que seria avô.

Chegou ao River Plate em 1945, quando o clube era chamado de “La Máquina”, um time que contava com Pedernera, Juan Carlos Muñoz, José Manuel Moreno, Ángel Labruna e Félix Loustau, entre outros, que ganhou o campeonato argentino daquele.  

O craque jogou ainda com o goleiro Amadeo Carrizo, que estreou naquele ano de 1945. Na vitoriosa campanha, porém, ele participou de apenas uma partida, substituindo Muñoz.

Não era fácil ser titular naquele time, por isso acabou emprestado por um ano ao Huracán, curiosamente a mesma equipe contra a qual havia feito seu primeiro jogo. Ali, teve como treinador o ex-artilheiro Guillermo Stábile, que também era o técnico da Seleção Argentina.

Os primeiros dois gols que marcou na carreira, foram justamente no clássico frente o San Lorenzo, em uma vitória por 3 X 2, em pleno estádio do arquirrival, que se sagrou campeão argentino daquele ano de 1946.

Nem a sua ex-equipe, River Plate, escapu. Contra ela marcou o que é até hoje o gol mais rápido do futebol argentino, aos 11 segundos de jogo.

Mesmo com o Huracán terminando o campeonato em nono lugar, Di Stéfano fixou-se como centroavante e marcou 10 gols em 25 partidas, sendo um dos destaques do time e do campeonato. E foi no Huracán que ganhou o apelido de “Saeta” (flecha).

Para diferenciar de Llamil Simes, seu companheiro de equipe, que tinha o mesmo apelido, o de Di Stéfano recebeu o acréscimo “Rubia” (loira). O Huracán quis ficar com ele em definitivo, mas não teve condições de pagar os 80 mil pesos pedidos pelo River. Após um ano, voltou ao “Monumental de Núñez”, em 1947.

Dessa vez teve melhores condições de ser titular, pois Pedernera saíra para o Atlanta, Labruna estava com hepatite e Muñoz, lesionado. O jogo de sua reestreia foi apontado por ele mesmo como o melhor de sua carreira. A partir dai sempre carregava no bolso um pequeno distintivo gravado com a inscrição "River Plate-San Lorenzo de Almagro, 1947".

Em 1947 teve de prestar serviço militar, mas mesmo assim fez 27 gols pelo River, ajudando o clube a ganhar o campeonato argentino, o seu primeiro título como membro efetivo no grupo, e tendo terminado como artilheiro do certame.

A torcida reconheceu nele um novo ídolo, e o recepcionava em campo com gritos de “socorro, socorro, ahí viene la Saeta con su propulsión a chorro" ("Socorro, socorro, aí vem a Flecha com sua propulsão a jato").

Suas grandes atuações em 1947 o levaram a ser convocado para à Seleção Argentina. E o título de 1947 valeu ao River Plate um convite para disputar o Campeonato Sul-Americano de Campeões, torneio realizado em 1948 e reconhecido como o precursor da “Taça Libertadores da América”.

O River fez alguns jogos em São Paulo, em 1948, como preparativos para o torneio. O eterno rival Boca Juniors, mesmo não sendo participante da competição, foi também para São Paulo na mesma época.

Curiosamente foi marcado um jogo amistoso entre um combinado dos paulistas e outro dos rivais argentinos, que vestiram o uniforme do Palmeiras, visto que River e Boca não quiseram usar nenhum de seus uniformes. O torneio foi decidido entre River e Vasco da Gama, que, tendo a vantagem do empate, sagrou-se campeão ao segurar um 0 X 0.

Em 1949 os jogadores argentinos haviam realizado uma greve exigindo assistência médica para os familiares, um salário mínimo para a categoria e a extinção do passe, para serem livres para escolher onde gostariam de jogar.

Porém, não foram atendidos, o campeonato parou e muitos atletas foram jogar em outros países. Di Stéfano foi para o Millonários, da Colômbia  que lhe ofereceu proposta irrecusável. Deixou o River Plate com 49 gols em apenas 66 jogos.

Chegou ao clube de Bogotá em 1949. A liga colombiana havia se transformado em um verdadeiro Eldorado, tendo contratado além de Di Stéfano, outros craques sulamericanos, como os também argentinos Pedernera, e Nestor Rossi.

O dono do Millonarios, Alfredo Senior, havia resolvido lucrar com o esporte, aliciando os melhores atletas sul-americanos para jogar em sua equipe a fim de atrair grandes públicos, o que naturalmente repercutiu negativamente no exterior. Além disso, o clube era intimamente ligado ao poder local, sendo atraente para quem tivesse pretensões políticas.

Os outros clubes colombianos, para não ficarem por trás, tomaram medidas similares. Os jogadores peruanos, em geral, foram para as equipes de Cali e Medellín. Os paraguaios foram levados para Cúcuta, e alguns brasileiros como Heleno de Freitas e Tim, foram parar em Barranquilla.

Até mesmo jogadores britânicos, como Charlie Mitten, do Manchester United, que foi jogar no Independiente, de Santa Fé, foram atraídos para o mercado colombiano. O mesmo aconteceu com atletas iugoslavos, italianos e húngaros.

Os dirigentes locais queriam implantar o profissionalismo no futebol do país, enquanto a federação insistia com o amadorismo. Além disso, o futebol colombiano ainda vivia apenas de competições regionais. Muitos clubes se desfiliaram então de federação para organizar um campeonato nacional, que acabou banido pela FIFA.

Se isso foi ruim para um lado, foi bom para outro. Os clubes colombianos não precisaram mais pagar multas rescisórias às equipes estrangeiras onde buscavam jogadores, pois a liga pirata encontrava-se fora da jurisdição da FIFA. Bastava oferecer um salário melhor e uma passagem apenas de ida para a Colômbia. Isso irritou as outras federações sul-americanas.

Na liga pirata, Di Stéfano foi campeão em 1951 e 1953, integrando o chamado “Ballet Azul”. Na Colômbia, onde a liga vinha sendo um grande sucesso de público, ele aprimorava-se como jogador, passando também a defender e passar a bola com maestria.

Além de Pedernera e Rossi, Di Stéfano jogou ainda ao lado de Julio Cozzi, Antônio Báez, Reinaldo Mourín e Hugo Reyes, também argentinos expatriados, assim como o técnico Carlos Aldabe.

O time contava ainda com dois uruguaios de destaque: Schubert Gambetta, campeão da Copa do Mundo de 1950, e Héctor Scarone, também campeão mundial, mas da Copa de 1930, que foi outro treinador do elenco.

Aborrecidas com a contínua investida da liga colombiana sobre os jogadores do continente e sem nada receber pelas saídas deles, as federações vizinhas fizeram um acordo em 1951: permitiriam que tal situação perdurasse por mais dois anos, quando então os jogadores estrangeiros deveriam ser todos devolvidos a seus clubes de origem.

O Millonários decidiu aproveitar o tempo que tinha e lucrar o máximo com amistosos ao redor do mundo. Em um deles, em 1952, a equipe foi chamada para jogar uma partida contra o Real Madrid, que celebrava o aniversário de 50 anos deste clube.

Em pleno “Chamartín”, Di Stéfano marcou duas vezes na vitória por 4 X 2 dos sul-americanos. Foi imediatamente contratado pelo Barcelona, outra equipe espanhola.

O argentino deixou o Millonários como o maior artilheiro da história do time, totalizando 267 gols em 292 partidas. Além de títulos e artilharias na Colômbia, venceu com o clube também a “Pequena Taça do Mundo”, de 1953, chegando a marcar dois gols em um 5 X 1 sobre sua ex-equipe do River na competição.

Com Di Stéfano, o clube também abriu larga vantagem em títulos colombianos cujos efeitos ainda perduram, sendo a equipe mais vencedora do campeonato nacional mesmo não o conquistando desde 1988. Apenas em 2008 foi igualado pelo América de Cali.

O Barcelona negociou Di Stéfano com o clube que oficialmente detinha seu passe, o River Plate. O jogador já havia participado de três amistosos pelo Barcelona quando o Real Madrid entrou na disputa por ele. O clube da capital espanhola conversou diretamente com o Millonários e passou a considerar-se também dono da joia rara.

O ministro dos esportes, general Moscardo, apresentou uma solução: o argentino faria temporadas alternadas por cada equipe por quatro anos - começando pelo Real. O acordo foi rejeitado pelo Barcelona e Di Stéfano acabou ficando no Real.

A polêmica acirrou os ânimos entre os dois clubes, que até então não tinha tanta força. Outros ex-jogadores do clube, como Ricard Zamora e Josep Samitier, já haviam jogado sem maiores problemas na equipe madrilenha nos anos 1930.

Com o passar dos anos a rivalidade foi aumentando até tornar-se uma das principais do mundo, graças às conquistas em série que o Real conseguiu com Di Stéfano. Antes dele, o clube madrilhenho não era o maior vencedor do país, nem mesmo da cidade: tinha dois títulos no campeonato espanhol, conquistados a mais de 20 anos.

Com a chegada do argentino, o Real conquistou de cara seu terceiro título, muito por conta dos 29 gols que ele marcou e que lhe garantiram a artilharia do torneio. Um bicampeonato seguido veio na segunda temporada.

Em 1955, ele e o Real ganharam também a “Copa Latina”, o mais prestigiado torneio europeu de clubes na época, que reunia os campeões de Espanha, França, Itália e Portugal. Os espanhóis venceram os portugueses do Belenenses e, na final, os franceses do Stade de Reims. (Continua)