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sexta-feira, 1 de julho de 2011

Um técnico a frente do seu tempo

Cláudio Pêcego de Moraes Coutinho, ou simplesmente Cláudio Coutinho foi um dos maiores estrategistas que o futebol brasileiro conheceu em todos os tempos. Era meu conterrâneo, nasceu na cidade gaúcha de Dom Pedrito, em 5 de janeiro de 1939. Filho de militar, aos quatro anos de idade foi para o Rio de Janeiro, onde ingressou na Escola Militar e seguiu carreira, alcançando o posto de Capitão de Artilharia.

Coutinho gostava muito de esportes, por isso se graduou na Escola de Educação Física do Exército. Em 1968, foi indicado para representar a Escola em um Congresso Mundial, realizado nos Estados Unidos. E lá conheceu o professor norte-americano Kenneth Cooper, criador do famoso método de avaliação física que leva o seu nome. Convidado por ele, Coutinho freqüentou o Laboratório de Estresse Humano da NASA. Depois, defendeu tese de mestrado na Universidade de Fontainbleau, na França.

Em 1970, durante o regime militar foi chamado para ser o preparador físico da Seleção Brasileira, que se sagrou tricampeã do Mundo, no México. Coutinho inovou na preparação, introduzindo o Método de Cooper. Depois do Mundial resolveu ser treinador, tendo dirigido a Seleção do Peru, foi coordenador da Seleção do Brasil na Copa do Mundo de 1974, treinou o Olympique, de Marselha, França, a Seleção Brasileira Olímpica em 1976 e o Flamengo, pelo qual foi tricampeão carioca e campeão brasileiro.

O bom trabalho realizado até então, o credenciou a ser chamado para o comando da Seleção Brasileira que se preparava para disputar as eliminatórias para o Mundial da Argentina. A imprensa foi surpreendida com a indicação de Coutinho, considerado ainda imaturo para tão importante cargo. Sem se importar com as criticas, o treinador foi logo imprimindo sua filosofia de trabalho.

Ardoroso defensor da europeização dos métodos, Coutinho acreditava que os jogadores brasileiros já não eram os craques intocáveis de antes, que a seleção brasileira não podia mais ficar a mercê de craques chamados “foras de série”, mas sim de um esquema em grupo, com disciplina tática.

Teórico, seu nome ficou ligado a algumas expressões até então desconhecidas no Brasil, mas muito usadas na Europa, como “overlaping”, ou “ponto futuro”, quando o atleta faz uma jogada com um companheiro e já se posiciona para receber a bola na seqüência. E a "polivalência", em que cada jogador passava a exercer mais de uma função em campo.

A classificação para o Mundial veio sem maiores problemas. Nos amistosos preparatórios para o campeonato, as convicções do técnico foram colocadas em xeque. No empate em 1 x 1 com a Inglaterra, o esquema tático deixou a desejar. Às vésperas da Copa, Coutinho passou a rever seus conceitos, mas era tarde.

E pior, errou feio na convocação dos jogadores. Não chamou Falcão, do Internacional, considerado na época o melhor armador do futebol brasileiro, para levar o truculento Chicão, do São Paulo, em nome de uma questão da obediência tática. No primeiro jogo da Copa, contra a Suécia o resultado foi um desastroso empate em 1 X 1. Depois, um novo empate contra a Espanha, dessa feita em 0 X 0.

Passou a ser chamado de retranqueiro. Coutinho se defendia dizendo que a Seleção ainda não tinha entrosamento, especialmente no ataque, com Zico e Reinaldo, dois craques, mas que estavam rendendo abaixo do esperado. Veio a minguada vitória frente à Áustria por 1 X 0, que não serviu para acalmar os ânimos.

Foi quando o presidente da CBD, almirante Heleno Nunes, acabou por intervir. Mandou que o técnico Coutinho escalasse Roberto Dinamite e Jorge Mendonça e substituísse o zagueiro improvisado na lateral esquerda Edinho, por um jogador da posição, Rodrigues Neto. O resultado veio no jogo seguinte, uma goleada de 3 X 0 sobre o Peru.

Depois a nossa Seleção enfrentou o jogo mais tenso da competição, contra a Argentina, que depois se sagraria campeã. Um empate de 0 X 0, A decisão para ver qual dos dois rivais iria para a final, ficou para a última rodada. O Brasil enfrentou a Polônia, e a Argentina o Peru. Os dois jogos estavam marcados para o mesmo dia e horário. Mas surpreendentemente a FIFA decidiu adiar o jogo da Argentina, para depois do compromisso brasileiro.

O Brasil ganhou por 3 X 1. A Argentina entrou em campo sabendo quantos gols necessitaria fazer, para chegar a classificação no saldo, primeiro critério de desempate. Em um jogo que ficou marcado pela suspeita de irregularidade, os argentinos fizeram 6 X 0, com uma visível colaboração do adversário.

Com isso, sobrou para a nossa seleção disputar o terceiro lugar com à Itália, partida ganha por 2 X 1. O Brasil, embora não chegasse à final, foi o único time invicto da competição, o que levou Cláudio Coutinho a dizer uma frase que se tornou celebre: “Fomos os campeões morais dessa Copa".

Mesmo com tudo de irregular que ocorreu na Copa, a imprensa e o público não perdoaram e Cláudio Coutinho foi considerado o grande culpado pela não conquista do título mundial. Depois da Copa, o treinador voltou ao Flamengo, deu a volta por cima e montou o time que chegou a ser considerado o melhor do mundo. No rubro-negro ganhou o tricampeonato estadual (1978-1979-1979, Especial) e foi Campeão Brasileiro em 1980.

Mesmo com grandes conquistas, Coutinho resolveu deixar o clube, magoado com a direção. Foi trabalhar nos Estados Unidos, mas deixou pronto para seu sucessor, Paulo Cesar Carpegiani, um super time, que em 1981, depois de vencer a Taça Libertadores da América, chegou ao título mundial de clubes.

Escaldado pela experiência e decepção da Copa na Argentina, ele reviu algumas idéias e realmente mudou todo o futebol brasileiro. No Flamengo, Coutinho conseguiu mostrar que era possível misturar seus avançados conhecimentos táticos com o talento individual, o que resultou em um uma equipe completa, um dos melhores esquadrões da história do futebol mundial em todos os tempos. Essa equipe, que jogava por música e com três ou quatro passes chegava ao gol adversário, durou até 1983, quando Zico foi vendido para a Udinese, da Itália.

Coutinho confidenciou a amigos que devia tudo o que era no futebol a Zagalo, a quem chamava de “mestre dos mestres”. Mas ainda assim teve que rever alguns conceitos, e talvez o tenha feito muito tarde. O treinador dizia que “se fosse hoje, ganhava fácil a Copa da Argentina. Talvez por inexperiência ou bobeira - sei lá - perdi o título”.

Em uma excursão do Flamengo por gramados da Hungria, Coutinho mostrou toda a sua inteligência. O time adversário costumava marcar homem a homem, pelo número da camisa. Esperto, o treinador brasileiro mandou o atacante Cláudio Adão entrar com a 2 e o Toninho com a 9. Na hora de começar o jogo, lá estava o Adão na lateral direita, e o Toninho junto do Zico. Todos acharam que o técnico havia pirado.

Mal a bola rolou e os dois trocaram de posição. Os gringos colaram nos jogadores errados. Quando eles viram a mancada, era tarde, o Flamengo já vencia por 2 X 0.
Claudio Coutinho dirigiu a Seleção Brasileira em 45 jogos, conquistando 27 vitórias, 15 empates e sofrendo apenas três derrotas. Já no Flamengo comandou o time em 76 jogos, com 47 vitórias, 20 empates e nove derrotas.

Seu sonho era voltar a dirigir a Seleção Brasileira, na Copa da Espanha. Mas a fatalidade não deixou. No dia 27 de novembro de 1981, quando se encontrava em férias no Rio de Janeiro, esperando o momento de ir trabalhar no futebol árabe, Coutinho, que era exímio mergulhador, praticava um de seus hobbies, a pesca submarina nas Ilhas Cagarras, arquipélago próximo a Praia de Ipanema, quando morreu afogado, aos 42 anos. Até hoje Claudio Coutinho é lembrado como um técnico que esteve a frente de seu tempo. (Pesquisa: Nilo Dias)

Claudio Coutinho, quando treinava o Flamengo.