Boa parte de um vasto material recolhido em muitos anos de pesquisas está disponível nesta página para todos os que se interessam em conhecer o futebol e outros esportes a fundo.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

O torcedor maldito (Final)

Samuel Wainer, dono do jornal “Última Hora” tinha algo em comum com Nelson: a tuberculose. Propôs a Nelson que escrevesse, com pagamento extra, uma coluna diária sobre um fato real. Poderia se chamar "Atire a primeira pedra". Nelson sugeriu "A vida como ela é..." e, sugestão aceita, foi para a máquina escrever a primeira coluna. O sucesso foi estrondoso. Em 1951 relançou “Suzana Flag”, em "O homem proibido".

Carlos Lacerda queria derrubar o presidente Getúlio e, para tanto, batia firme em Samuel Wainer e no jornal “Última Hora”. Nelson não escapou da pancadaria e era chamado de "tarado" por ele. Outro que também o atacava era o católico Gustavo Corção, da “Tribuna da Imprensa”.

Em março de 1955 a família Rodrigues ganhou uma ação contra o governo de indenização pela destruição do jornal "Crítica". Em 1956 receberam o equivalente a US$1.800.000,00. A parte que coube a Nelson foi utilizada na compra de um apartamento em Teresópolis, em nome dos filhos e de um carro para Elza. O que sobrou, investiu no teatro.

Apresentado por sua irmã Helena, Nelson conheceu Lúcia Cruz Lima, que logo passou a ser sua namorada. Só que desta vez a coisa era séria. Casada e bem casada, mãe de três filhos, ela logo se apaixonou, deixou o marido e voltou a viver com os pais. Ele demorou dois anos para se separar de Elza.

Nos primeiros meses de 1963 nada impedia a separação de Nelson. Já havia alugado um pequeno apartamento e Lúcia estava grávida. Após um almoço de despedida, após o qual Elza tentou suicidar-se, ele partiu de malas e bagagens para o apartamento de sua mãe. Ia ficar lá uns tempos até acertar tudo.

Lúcia deu um trato na aparência do escritor, já que ele participava desde 1960 do programa esportivo "Grande Resenha Facit" na TV Rio, por obra e graça de Walter Clark, e era, portanto, um artista. Ela teve uma gravidez nada normal e um parto difícil. Daniela, a filha, nasceu com 1,5 quilo, e não conseguia respirar. Perdeu minutos de oxigenação no cérebro até que seus pulmões funcionassem.

Daniela passou o primeiro ano de vida numa tenda de oxigênio, tinha má circulação nas pernas, chorava sem parar em virtude das dores que sentia. Devido à paralisia cerebral nunca conseguiu andar ou articular um movimento e era irreversivelmente cega.

Nelson escreveu sobre futebol em diversas publicações, como “O Globo” e “Manchete Esportiva”, onde tinha o costume de destacar o personagem da semana, não necessariamente o que melhor jogou, mas o que tinha a história mais interessante.

Ele era um cara diferente da época, não tinha compromisso com o politicamente correto que hoje preocupa muita gente. Ele falava o que pensava e com frases que viraram verdadeiras pérolas.

Nelson Rodrigues nunca aproveitou suas credenciais de jornalista e escritor famoso para ter contato com os jogadores do clube ou acompanhar treinamentos, mas recebeu de um setorista, jornalista que trabalha cobrindo o dia a dia dos clubes, as informações sobre uma das primeiras atividades do craque Mário Sérgio e perguntou em sua coluna: "Será que está nascendo um craque?".

Ele era um cronista tão perfeito que nem precisava ver o jogo. O resultado da partida, as escaramuças dos jogadores, os esquemas táticos, tudo isso não passava de detalhes secundários aos seus olhos. Pouco lhe interessava a distribuição de beques ou atacantes no gramado. Dizia que o relato dessas banalidades cabia aos “idiotas da objetividade”. A missão que Nélson Rodrigues outorgou a si mesmo era outra: traduzir em palavras a dimensão épica da maior paixão brasileira – o futebol. E costumava dizer, que no futebol, o pior cego é o que só vê a bola.

Nelson teve sério problema de vesícula e, após a operação de alto risco ficou três meses sem publicar sua coluna no jornal de Wainer. Sua coluna em "A Manchete Esportiva" também deixou de ser publicada de novembro de 1958 a março de 1959.

Os anos 70 marcaram o início dos anos duros da ditadura militar no Brasil. Nelson, conhecido e admirado pelos militares, lutou para tirar da prisão os amigos Hélio Pellegrino e Zuenir Ventura. Com mais de 57 anos, ele se sentia desgastado, sem espaço — seu apartamento vivia lotado de enfermeiras por causa de sua filha, enfim, era chegada a hora de se separar de Lúcia, o que ocorreu sem traumas.

Logo em seguida foi morar com Helena Maria, que era 35 anos mais nova que ele, e que trabalhava no jornal. Em 1972 começou nova luta: seu filho, Nelsinho era um dos terroristas mais procurados pelas forças armadas. "Prancha", seu codinome, foi preso em 30 de março de 1972. Dois anos antes, quando seu filho já vivia na clandestinidade, Nelson conseguiu com o presidente da República, general Médici, que ele saísse do país. Nelsinho não aceitou o privilégio.

O drama de Nelsinho se desenrolou longe dos olhos de Nelson. Apesar disso, face ao seu prestígio e contatos com os militares, era muito procurado para ajudar pessoas em apuros com o regime militar. De 1969 a 1973 ele teve participação ativa na localização, libertação ou fuga de diversos suspeitos de crimes políticos. Após a prisão de Nelsinho, começou a luta para localizá-lo e procurar mantê-lo vivo, pois a tortura corria solta.

Nelson escreveu "Anti-Nelson Rodrigues", no final de 1973. Em 1974, a peça fazia bela carreira no teatro do Serviço Nacional do Teatro. O autor faz alguns exames e foi levado de imediato para São Paulo para ser operado de um aneurisma da aorta. Passou por duas operações, quase morreu, retornou ao Rio e, apesar de terminantemente proibido pelo médico, voltou a fumar. Em abril de 1977 foi internado com uma arritmia ventricular grave e nova insuficiência respiratória. Elza voltou para casa e passaram a viver juntos outra vez.

Na verdade, já se encontravam há tempos quase todas as noites no restaurante "O bigode do meu tio", em Vila Isabel, de propriedade de Joffre.

O autor escreveu sua grande e última peça — "A Serpente" — em meados de 1979, pouco antes de seu filho Nelsinho iniciar greve de fome com 13 companheiros, os últimos presos políticos cariocas, com a finalidade de transformar a anistia ampla em anistia total e irrestrita. Finalmente, no dia 23 de agosto, dia do aniversário de seu pai, Nelsinho foi autorizado a deixar a prisão e assistir ao nascimento da filha Cristiana. No dia 16 de outubro Nelsinho recebeu a liberdade condicional, mas não pode ver seu pai: ele estava inconsciente no hospital Pró-Cardíaco.

Nelson Rodrigues faleceu na manhã do domingo 21 de dezembro de 1980, aos 68 anos de idade, deixando seis filhos: Jofre, Nelson, Maria Lucia, Paulo César, Sonia e Daniela. No fim da tarde daquele dia ele faria 13 pontos na Loteria Esportiva, num "bolo" com seu irmão Augusto e alguns amigos de "O Globo". Dois meses depois, Elza cumpriu o seu pedido — de, ainda em vida, gravar o seu nome ao lado do dele na lápide, sob a inscrição: "Unidos para além da vida e da morte. É só". Nelson foi enterrado no Cemitério São João Batista, em Botafogo.

Nelson Rodrigues morreu 21 dias depois de o zagueiro Edinho marcar o gol do título carioca do Fluminense contra o Vasco, no Maracanã. Com a saúde muito debilitada, não poderia ter grandes emoções e estava proibido de assistir aos jogos do clube do seu coração.

O seu filho Nelsinho contou que Nelson acompanhou a partida pelo rádio. E ele teve todo o cuidado do mundo para contar ao pai que o Fluminense era campeão estadual pela 24ª vez na história. Nelson comemorou sentando novamente em sua máquina de escrever, e tentando digitar a última coluna da vida. Eventualmente desistiu e a ditou para o filho.

No texto que teve o título "Fluminense campeão demais", publicado no jornal “O Globo”, o escritor disse que o elenco do seu time era "fabuloso do goleiro ao ponta-esquerda" e apenas os "lorpas e pascácios não viam que o futebol brasileiro estava encarnado nos craques tricolores”. Acreditou até o fim que o Fluminense era o melhor time do mundo, apesar de os fatos provarem o contrário.

Nelson ainda fez história na televisão brasileira. Participou de mesas-redondas com comentaristas como Luis Mendes e João Saldanha. Foi pioneiro na teledramaturgia brasileira, ao escrever para a TV Rio a novela "A Morta Sem Espelho". Acompanhou a adaptação de sua obra para o cinema e chegou a colaborar com o roteiro de "A Dama do Lotação", de Neville D’Almeida, "Bonitinha, mas ordinária" e "Álbum de Família", de Braz Chediak. Escreveu, também, os diálogos para dois filmes: "Somos Dois", de Milton Rodrigues, e "Como ganhar na loteria sem perder a esportiva", de J. B. Tanko. (Pesquisa: Nilo Dias)