Boa parte de um vasto material recolhido em muitos anos de pesquisas está disponível nesta página para todos os que se interessam em conhecer o futebol e outros esportes a fundo.

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

O lavador de pratos que virou herói (Final)

Joseph Édouard Gaetjens, mais conhecido como Joe Gaetjens, nasceu em Porto Príncipe, no dia 19 de Março de 1924 e faleceu (provavelmente) no dia 8 de Julho de 1964. Filho de um belga com uma haitiana, começou cedo no futebol. Aos 14 anos, já atuava pelo L'Etoile, clube da capital do Haiti.

Em 1947, Gaetjens viajou para Nova York para estudar contabilidade na Universidade de Columbia. Lavou pratos num restaurante cujo dono arrumou para ele uma vaga no time do Brookhatten, que disputava a Liga Americana de "soccer".

Gaetjens se firmou na equipe e foi artilheiro do campeonato norte-americano em 1949. Porém, só foi chamado para a seleção dos Estados Unidos semanas antes da Copa. As normas da época permitiam que ele jogasse sem se naturalizar.

Além de duas partidas contra combinados, Gaetjens só disputou três jogos oficiais pelos Estados Unidos - exatamente os três da Copa de 1950. Era o único negro na equipe estadunidense, e se tornou o primeiro jogador a marcar gol contra a seleção inglesa, em Copas do Mundo. Em 1953, ele ainda defendeu a seleção do Haiti em uma oportunidade.

Logo após a Copa de 1950, Gaetjens se mudou para a França para jogar pelo Racing Club de Paris e, depois, pelo Troyes, da 2ª divisão. Voltou para o Haiti em 1954 para trabalhar nos negócios de sua família.

Joe nunca se envolveu com política, mas sua família era ligada a Louis Dejoie, rival de François "Papa Doc" Duvalier nas eleições presidenciais de 1957. "Papa Doc" venceu, implantou uma ditadura brutal e perseguiu os parentes do ex-jogador.

A família preferiu deixar o país, mas Joe quis ficar, já que não era engajado e achava que não teria problemas. Ele se enganou: em 8 de julho de 1964, dois "tonton macoute", a violenta equipe de repressão do ditador Duvalier prenderam Gaetjens e o levaram para a delegacia central de Porto Príncipe.

Gaetjens nunca mais foi visto com vida e sua família estima que ele tenha sido executado três ou quatro dias depois de sua detenção clandestina. Em 1976, época em que Pelé brilhava no novaiorquino Cosmos, Gaetjens foi incluído no Hall da Fama do futebol estadunidense. Em 1997, o Haiti, já livre das ditaduras de "Papa Doc" e de seu filho e sucessor "Baby Doc", lançou um selo em homenagem ao ex-jogador.

Naquela memorável noite, o time semi-profissional americano tinha na sua formação, além de um lavador de pratos, representantes de outras profissões que nada tinham a ver com o futebol. O goleiro Frank Borghi, por exemplo, era motorista de carro funerário. E havia também professores e carteiros. O único profissional da equipe era Ed Mcilvenny, que jogava pelo Philadelphia Nationals.

Quando, no dia 29 de junho de 1950, a redação do New York Times recebeu a notícia de que a seleção dos Estados Unidos havia vencido a Inglaterra em uma partida oficial da Copa do Mundo do Brasil, ninguém comemorou. Segundo Geoffrey Douglas, que escreveu o livro "The Game of Their Lives", sobre a partida histórica, ninguém sequer acreditou.

O despacho da agência de notícias chegou perto do horário de fechamento do jornal e o jogo, devido a desconfiança geral, acabou não sendo noticiado. Alguns jornais acreditaram haver um erro de digitação, e que o resultado deveria ser 10 X 1 para a Inglaterra, e não 1 X 0 para os EUA.

Naquela época o interesse pelo futebol nos Estados Unidos era quase nulo, e o “milagre na grama”, como ficou conhecida a partida, não ajudou a popularizar o esporte. Na verdade, os EUA passaram 40 anos sem ir para a Copa depois de 1950. Foram em 1990, sediaram o evento em 1994 e disputaram em 1998, 2002, 2006 e 2010.

Walter Alfred Bahr, que deu o passe para o gol de Gaetgens, hoje com 84 anos, foi o primeiro norte-americano na seleção oficial dos melhores jogadores de uma Copa. Depois dele, só Claudio Reyna, na Copa de 2002. Os outros ex-jogadores, remanescentes daquela memorável jornada são: Borghi Frank, 86 anos, Harry Keough, 84 anos e John Souza, 91 anos.

A vitória americana sobre a Inglaterra motivou o filme “Duelo de Campeões” (The Game of Their Lives), produzido em 2005, pelo diretor David Anspaugh. O filme conta a história de um grupo de jovens americanos, na maioria, ex-soldados, praticantes do “soccer”.

Esses rapazes recebem a notícia de um teste para a Seleção de Futebol dos Estados Unidos. Os jogadores escolhidos irão para o Brasil participar da Copa do Mundo de 1950. A seletiva é feita em Saint Louis, cidade onde é forte a presença de imigrantes e o “soccer” se destaca bastante. Participam dessa seletiva os rapazes de Saint Louis e os da Costa Leste.

A fragilidade do time é grande, todos os jogadores são amadores, isso acaba causando desânimo em alguns atletas da própria seleção antes da seletiva. Os jogadores, após a escalação, percebem a importância que tem para seu país. Nesse contexto entra a Inglaterra, que é considerada uma das melhores seleções do mundo além de ter inventado o futebol. A partir de então, os ingleses passam a ser o grande desafio dos americanos.

Inglaterra a grande rival é destacada, principalmente, por intermédio do jogador Stanley Mortenson, que é o craque inglês, e o maior temor americano na seleção inglesa.

Na seleção americana os jogadores que se destacam mais são o goleiro Frank Borghi, que faz grandes defesas, além de ser um dos líderes do time. Walter Bahr, o mais empenhado em unir os jogadores e fazer da seleção americana uma grande equipe.

Importantes jogadores como Pee Wee Wallace, Gino Pariani, Gaetjens, são também destacados no filme e que exercem um papel fundamental no decorrer da trama.

O filme se baseia nessa única partida da Copa filmada no Brasil no Estádio das Laranjeiras (o jogo verdadeiro foi no Estádio Independência, em Belo Horizonte), onde os Estados Unidos ganharam de 1 X 0. O gol de Gaetjens, um negro, deu a vitória aos norte-americanos. Neste período os Estados Unidos era palco de sangrentos conflitos racistas no sul do país.

Esse jogo para os americanos foi como a final da Copa do Mundo. O filme não precisaria de mais nada, afinal se fossem falar das outras partidas contra Chile e Espanha, apenas estariam danificando uma boa trama. Após a vitória contra a Inglaterra, os americanos, que antes foram derrotados pelos espanhóis, depois perderam para os chilenos e ficaram em último lugar no grupo.

O filme mostra que mesmo em dificuldades e diferenças de cada jogador, com a união e a força de vontade eles conseguiram alcançar o seu objetivo. Mostraram quem era a seleção americana, um time que buscou algo mais do que uma simples vitória dentro de campo.

No final do longa-metragem os jogadores da seleção americana de 1950 são homenageados. Os jogadores Gino Pariani (falecido em 09-05-2007), Walter Bahr, Frank Borghi, John Souza e Harry Keough ganham destaque pelo bom desempenho apresentado na partida.

Destacam-se no filme a grande aproximação da realidade feita pelo diretor, além dos jogos e treinos serem muito bem caracterizados. A caracterização do Brasil da década de 50 foi bem realizada, mostrando nos botecos da Lapa, um samba sendo tocado sem a sensualidade presente na cultura de hoje.

O jogo principal não possui uma grande valorização dos Estados Unidos, se for levado em conta aquele jogo foi considerado uma das maiores “zebras” da história das Copas. Em contra partida, já que o filme é baseado nesse jogo contra a Inglaterra, o diretor deveria ter dado um destaque maior ao gol de Gaetjens, o que daria mais emoção ao filme. (Pesquisa: Nilo Dias)

Joe Gaetgens carregado por torcedores brasileiros, após a vitória contra a Inglaterra.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

O lavador de pratos que virou herói (1)

Na Copa do Mundo de 1950, disputada no Brasil, aconteceu o jogo que até hoje é apontado como a “mãe de todas as zebras”: a vitória impensável dos Estados Unidos sobre a toda poderosa Inglaterra, inventora do futebol. Passaram-se 62 anos desse jogo, que a maioria das pessoas nem ouviu falar. E nem existia o termo zebra, inventado pelo técnico Gentil Cardoso, em 1964.

Foi num jogo em que a modesta Portuguesa Carioca derrotou o grande Vasco da Gama, por 2 X 1, pelo Campeonato Carioca, em partida disputada no Estádio das Laranjeiras. Antes do jogo Gentil comentou: “Se meu time vencer hoje vai ser como dar "zebra" na cabeça no jogo do bicho”, sabendo que ela não existe na loteria zoológica.

Com o surgimento da Loteria Esportiva em 1970, a expressão “zebra” se tornou popular e passou a designar todo e qualquer resultado que não fosse a vitória dos favoritos, evitando que as pessoas fizessem os tão sonhados 13 pontos e ficassem milionárias.

A Inglaterra até 1950 nunca havia participado de uma Copa do Mundo. Foram disputadas três, no Uruguai, na Itália e na França. Prepotentes, achavam que eram os melhores do mundo. Nas eliminatórias, não tomaram conhecimento dos vizinhos Escócia, Irlanda do Norte e Gales e carimbaram o passaporte para o Brasil, certos de que a Copa seria uma barbada. Como treino golearam a Seleção da Europa por 6 X 1.

A Chave em que caíram foi tipo "mamão com mel": Espanha, Chile e os Estados Unidos. Estes disputaram as eliminatórias contra o México, e levaram duas surras, 6 x 0 e 6 x 2, mas ganharam de Cuba por 5 X 2 e empataram em 1 X 1. O Canadá não participou. De última hora alguns países desistiram e acabou sobrando uma vaguinha para os americanos.

O time deles nem parecia americano, pois em sua formação tinham nomes como Barghi, Maca, Colombo, Pariani e João Souza. Naquele tempo não havia futebol profissional nos Estados Unidos, nem mesmo campeonatos nacionais. Por isso um time, na maioria, só de esforçados imigrantes.

Os Estados Unidos tinham participado das Olimpíadas de 1948 em Londres, quando tiveram desastrosa atuação. Perderam de 9 X 0 para a Itália na primeira rodada. Depois levaram 11 X 0 da Noruega e 5 X 0 da Irlanda do Norte.

Pensando em evitar nova humilhação no Brasil, a Federação dos Estados Unidos foi buscar novos e melhores jogadores de fora da tradicional St. Louis. Da equipe olímpica de 1948 alguns foram selecionados para a equipe de 1949, e desta havia cinco ou seis que foram selecionados para jogar em 1950.

Formar o time não foi tarefa simples. Ninguém vivia só do futebol, todos tinham um emprego. Bahr, um dos remanescentes da equipe olímpica de 48, por exemplo, era professor de ginásio na Filadélfia. Mas nem todos os empregadores foram compreensivos, caso de Ben McLaughlin, da Filadélfia, que teve de se retirar da equipe, porque não foi possível deixar o seu trabalho. Os jogadores receberiam US$ 100 por semana na Copa do Mundo.

Cinco ou seis eram de St. Louis e dois rapazes da Filadélfia. A equipe tinha alguns jogadores muito bons, mas sem experiência. Não houve nenhum treinamento ou qualquer tipo de preparação, antes da viagem para o Brasil. Um dia antes de sair para o Brasil, três jogadores foram adicionados ao grupo: Joseph Maca, que nasceu na Bélgica; Ed McIlvenny, um escocês; e Joe Gaetjens, haitiano.

Todos os jogadores praticamente se conheceram durante a viagem e no período que antecedeu o jogo contra a Espanha, em Curitiba. Os “americanos” estrearam na Copa no dia 25 de junho de 1950, no Estádio Dorival de Brito e Silva, em Curitiba, quando perderam de 3 X 0 para a Espanha. O resultado foi festejado quase que como uma vitória.

O jogo seguinte, no Estádio Independência, em Belo Horizonte, seria no dia 29, contra a Inglaterra. E nem por isso o jogo foi tratado de maneira diferente. Já os ingleses começaram a Copa no Maracanã, no Rio de Janeiro, ganhando do Chile sem maiores dificuldades, por 2 X 0.

O Jogo Inglaterra X Estados Unidos estava sendo tratado pela imprensa mundial como um combate entre Davi e Golias. O próprio técnico americano, Bill Jeffrey, estava conformado e dizia que sua equipe era como "ovelhas prontas para serem abatidas”. As apostas na Bolsa de Londres eram de 500 por 1.

No estádio havia um público calculado em 10 mil expectadores, a maioria de brasileiros que torceram para os Estados Unidos, porque não queriam uma final contra os ingleses. Americanos mesmo, tinham poucos, vindos de uma base da Marinha ou força aérea. Uma rádio brasileira transmitiu o jogo.

Como era esperado, a Inglaterra dominou todo o jogo e teve a maior parte das chances, que redundaram em nada. Aos 37 minutos do primeiro tempo, um lançamento do lateral McIlvenny foi recebido no lado direito por Bahr. Este tentou um tiro diagonal de longa distância. O goleiro inglês Bert Williams correu em busca do que parecia ser uma bola fácil, quando surgiu Gaetjens, que de cabeça marcou o gol que deu a vitória aos americanos.

Depois a Inglaterra perdeu de 1 X 0 para a Espanha e não avançou à fase final. Os Estados Unidos perderam seu último jogo para o Chile, por 5 X 2 e terminaram em último lugar no grupo 2.

O zagueiro americano Colombo, que usava luvas com dedos cortados em todos os jogos que participou, não importando se estava quente ou não, teria recebido proposta para contrato profissional com um clube brasileiro um dia após o jogo. Ele recusou e voltou para St. Louis.

Os serviços de telégrafo publicaram com precisão o resultado de 1 X 0 para os Estados Unidos. Mas muita gente, mundo afora pensou, que o operador de telex tinha cometido um erro, e que o resultado seria 10 X 0 ou 10 X 1 para os ingleses. Um punhado de fotógrafos tinha assistido o jogo, mas não há nenhuma imagem conhecida do gol de cabeça de Gaetjens. Os fotógrafos tinham passado a maior parte do jogo atrás do gol dos Estados Unidos. (Pesquisa: Nilo Dias)

Time americano que derrotou a Inglaterra, na Copa de 1950. Em pé: Jack Lyons - Joe Maca - Charlie Colombo - Frank Borghi - Harry Keough - Walter Bahr - Bill Jeffrey.Agachados: Frank Wallace - Ed McIlvenny - Gino Pariani - Joe Gaetjens - John Clarkie Souza e Ed Souza.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

A lenda mineira

Mário de Castro foi um dos melhores jogadores surgidos no futebol mineiro, em todos os tempos. Natural da cidade interiorana de Formiga, onde nasceu no dia 30 de junho de 1905, Mário de Castro era de uma família rica e tradicional do oeste mineiro. Seu pai, Lindolfo Rodrigues de Castro, era um senhor de vastas terras e muito influente e poderoso na cidade de Formiga.

Quando o Senhor Lindolfo morreu prematuramente, foi sua esposa e mãe de Mário de Castro que assumiu o comando da família. Em 1925, dona Regina enviou seu filho a nova capital para que o mesmo estudasse medicina. Em BH Mário logo procurou uma equipe para jogar.

E primeiro foi ao América que abriu as portas imediatamente. Afinal, Mario de Castro era rico e estudante de medicina, dois atributos essenciais para se ingressar no América que só exigia um ou outro. Só que Mário de Castro tinha os dois e mais um, era um craque de bola.

No América participou de alguns treinos e de repente sumiu para aparecer alguns dias depois no Atlético. Numa época em que o futebol ainda começava a se profissionalizar, o time do Atlético era composto, basicamente, por estudantes.

Mário de Castro começou o seu "reinado" em 1926 em um jogo válido pela decisão do campeonato mineiro daquele ano. O jogo era entre Atlético X América e o endiabrado Mário de Castro fez 3 gols da vitória atleticana por 6 X 3 e impediu que o “Coelho” conquistasse o seu décimo primeiro título consecutivo. Só isso já bastou para que Mário de Castro conquistasse o coração da Massa. Mas o artilheiro não se contentou e marcou mais 192 gols totalizando 195 em sua curta passagem de cinco anos pelo “Glorioso”.

Não foi fácil para Mário driblar a vigilância implacável de sua mãe, dona Regina Oliveira, que não queria ver o filho trocar as aulas de Medicina pelos campos de futebol. Por isso ele teve de apelar para a criatividade, achando uma forma de vencer a resistência materna. Em vez de Mário, passou a chamar-se Oiram, seu nome invertido, para que a mãe não descobrisse a falseta, ouvindo as partidas pelo rádio. Algumas vezes na hora da foto, cobria o rosto com a mão ou se escondia.

Mário por durante 2 anos conseguiu manter seu verdadeiro nome preservado. Mas a notícia de que o filho de dona Regina andava correndo atrás de uma bola na capital chegou a cidade de Formiga. Indignada, dona Regina resolveu ir até BH. Ia impor ao filho uma escolha. A bola ou os estudos.

O futebol ao contrário do começo do século já não era muito bem visto pela alta sociedade. Visão que piorou quando veladamente os jogadores de futebol passaram a receber dinheiro para jogar. Em BH em conversa com o filho, dona Regina viu que Mário ia bem na faculdade e que financeiramente poderia se manter na capital sem a ajuda da família.

Sem como impor suas condições, a mãe de Mário de Castro acabou por aceitar que o filho ficasse com a bola e os livros. Voltou para Formiga convencida que o futebol não era tão nocivo assim. E Oiram, ou melhor agora Mário de Castro continuou no Atlético.

Naquele tempo o Campeonato Mineiro era o campeonato de Belo Horizonte, que tinha o América como principal campeão, tendo vencido a competição por 10 vezes consecutivas, feito só igualado pelo ABC, de Natal (RN).

A mudança dos rumos do futebol da capital mineira começou a acontecer após a chegada de Mário de Castro no Atlético. Com ele, o “Galo” foi bicampeão em 1926 e 1927, e ele o artilheiro nas duas conquistas, com 21 e 28 gols respectivamente. Em ambos os campeonatos, somente não marcou na última partida, quando o time já era campeão.

Mário de Castro foi um craque fenomenal, chutava com os dois pés e os seus tiros tinham a precisão e a força que só os grandes jogadores têm. Foi um dos maiores artilheiros do futebol mineiro. Seus números são impressionantes. Nos 100 jogos em que comandou o ataque atleticano entre 1926 e 1931 - jogava-se pouco, naquele tempo - balançou as redes 195 vezes, o que dá uma média de 1,95 gols por partida, a maior conhecida entre atletas de futebol do Brasil e do mundo em todos os tempos.

Foi o terceiro maior artilheiro da história atleticana, atrás apenas de Reinaldo e Dario, que fizeram 255 e 211 gols, respectivamente. Sua melhor temporada foi a de 1927, quando marcou 44 gols, 28 deles pelo Campeonato Mineiro.

Diz a lenda que fez gols em todos os jogos em que atuou com a camisa atleticana. Isso, com certeza, é verdade. Ele mesmo dizia: “Eu marcava meus gols quase sempre no segundo tempo e não me lembro de ter passado uma partida sem marcar um gol". Quem o viu jogar garante que era incapaz de errar um chute a gol. Ou a bola entrava ou era defendida pelo goleiro. Para fora, ela nunca ia. Batia na pelota com elegância, tinha senso de colocação e era voluntarioso.

José Secundino, antigo torcedor do Atlético afirmava que além da precisão no chute, nunca viu outro atleta possuir tanta habilidade com os pés. E considerava Mário de Castro muito melhor do que Pelé. Secundino nasceu em 19 de agosto de 1904 e faleceu em 2005, pouco antes de completar 101 anos. Era o sócio de número 1130 do clube. Assistiu, "in loco", à inauguração do Estádio Antônio Carlos, no bairro de Lourdes, em 1929, e, durante 76 anos nunca deixou de assistir sequer uma partida. Nunca torceu para outro time.

A precisão do tiro era apenas um dos detalhes do talento daquele gênio. "Ele dava um chute forte e a bola pegava um efeito tão impressionante que voltava para seus pés", recorda Fileto de Oliveira Sobrinho, que jogou no Atlético em 1923 e 1924. "Os outros tentavam fazer igual, mas ninguém conseguia". Mário transformou-se em verdadeira lenda, capaz de escrever o próprio nome no campo com a bola, ao driblar os adversários!

No dia 27 de novembro de 1927 aconteceu um esperado clássico entre Atlético X América, no antigo campo da Avenida Paraopeba. O primeiro tempo terminou com o placar de 2 X 1 para o Atlético. Veio a segunda etapa e os gols foram saindo num ritmo alucinante: três, quatro, cinco... nove tentos para o “Galo”. Todo o ataque atleticano teve participação na goleada de 9 X 2. Os gols mais bonitos – dois – e quase todas as jogadas que resultaram naquela goleada histórica, saíram dos pés de um jogador esguio e elegante identificado pelos jornais da época pelo nome de Oiram.

A partida em que, ao lado de seus companheiros de ataque, ajudou a trucidar o America foi apenas uma entre os diversos confrontos memoráveis em que defendeu as cores alvinegras. Em 1929, o “Fabuloso”, como era conhecido, fez nova proeza ao assinalar dois gols na vitória do Atlético por 4 X 2 sobre o Corinthians. Essa partida marcou a inauguração do estádio Presidente Antônio Carlos Ribeiro de Andrada.

Sua última partida foi uma exibição de gala. Em 27 de setembro de 1931, no “Alçapão do Bonfim”, em Nova Lima o Atlético perdia do Villa Nova por 4 x 1, ainda na primeira etapa. De ressaca, Mário de Castro "andava" em campo. Insultado pela torcida do Villa, Mário de Castro foi para o intervalo, limpou o estômago (vomitou) e voltou para a segunda etapa e acordou: em apenas 15 minutos, ele marcou quatro gols seguidos.

O Atlético virou o jogo para 5 X 4 e conquistou o campeonato de forma inesquecível. Aí, o clima fechou no estadinho do Villa. Com o fim do jogo a delegação atleticana teve que fugir correndo da cidade com a torcida do “Leão” atrás. Até tiros foram dados e um torcedor do Villa Nova foi morto por um diretor atleticano. Para Mário de Castro esse fato foi um aviso que já era hora de parar e parou , aos 26 anos.

Assim era Mário de Castro, artilheiro de um tempo em que se jogava com amor à camisa, com o coração nas chuteiras e com o orgulho de se defender as tradições de seu clube. Era genial e genioso: de personalidade forte, não admitia que ninguém falasse mal do Atlético. E rejeitava a glória fácil em nome do respeito que ele e seu clube mereciam.

Mário formou com Said e Jairo, aquele que é considerado por muitos o melhor ataque do futebol mineiro em todos os tempos. O "Trio Maldito", como eram conhecidos os três atletas, foi responsável por 459 gols para o Atlético. Este trio, que imortalizou o seu nome no futebol mineiro, somente se reuniu novamente em 1998, após o falecimento de Mário de Castro. O craque foi enterrado no cemitério do Bonfim, em um túmulo próximo ao dos dois amigos.

Em 1929, o Fluminense do Rio veio a Belo Horizonte para contratar Mário de Castro, oferecendo-lhe cem contos de réis de luvas e dois contos de ordenados, para seguir com o clube carioca e se transformar em profissional. Mário não aceitou, encerrando as conversações. Mas os dirigentes do Fluminense não desistiram, pediram a Mário que desse o seu preço. Mário o fez: queria duzentos contos de réis depositados em um banco, e mais quinhentos mil réis por gol assinalado. Além disso, Mário fazia outra exigência: a de voltar do Rio quando bem entendesse. Diante destas exigências, o Fluminense acabou por desistir.

Em 1930, Mário de Castro foi convocado para participar da disputa da Copa do Mundo pela Seleção Brasileira. Foi o primeiro jogador de um time mineiro, e o primeiro jogador fora do eixo Rio-São Paulo a ser chamado para a Seleção Brasileira de futebol.

O jogo de inauguração do estádio de Lourdes, cuja grama ele ajudou a plantar, foi visto por um diretor da Confederação Brasileira de Desportos (CBD), Horácio Werner, e por um representante da Associação dos Cronistas Desportivos do Rio de Janeiro, Aloysio de Hollanda Távora. Os dois ficaram estupefatos com o futebol do craque.

Dias depois, Mário de Castro recebeu o comunicado. Ele deveria se apresentar no Rio de Janeiro para integrar a Seleção. Seria o reserva de Carvalho Leite, atacante do Botafogo do Rio. Respondeu que só vestia a camisa do Atlético. Décadas mais tarde admitiu que talvez tivesse ido, se fosse na condição de titular. E, assim, o Atlético não teve representantes na primeira Copa do Mundo, a de 1930.

Após a Copa, a diretoria do Atlético desafiou o Botafogo para um jogo em Belo Horizonte, disputado em 30 de agosto de 1930. O time mineiro venceu por 3 X 2, e Mário de Castro marcou os três gols de sua equipe. Na revanche, na festa de inauguração dos refletores do estádio do Botafogo, no Rio de Janeiro, em 1º de outubro do mesmo ano, o Botafogo deu o troco: 6 x 3. Carvalho Leite, que não marcou no confronto em Belo Horizonte, fez três. Mário de Castro, dois. No final, o artilheiro do Atlético venceu o duelo por 5 X 3. Estava provado: Mário era o melhor.

O Atlético Mineiro foi sua única equipe oficial, entre os anos de 1925 e 1931, quando se formou em Medicina, deixando os gramados de Belo Horizonte. Não sem antes conquistar mais um título de campeão mineiro pelo Atlético, naquele que foi o último campeonato antes do profissionalismo. Com a camisa do “Galo” foi campeão mineiro em 1926, 1927 e 1931.

Voltou para Formiga, onde trabalhou como médico durante 22 anos, até se aposentar, prestando grandes serviços à população. Nunca largou o futebol. Continuou a atuar no time local enquanto teve condições físicas.

Fez sua despedida do Atlético Mineiro em um jogo no ano de 1940, contra o Madureira, do Rio de Janeiro. E Mário de Castro marcou a sua despedida com o seu gol de número 195. Encerrava-se ali, uma das mais marcantes carreiras de futebol em Minas Gerais.

Mário casou-se com uma das primeiras mulheres a se formar em odontologia no país, a doutora Maria de Lourdes Cavalcanti de Castro, que exerceu sua profissão até aposentar-se, mantendo seu próprio consultório. Tiveram dois filhos, Wander Mário, médico ainda em exercício e Vanda Maria, contabilista aposentada, e adotaram Antônio Rosa, já falecido.

Ainda acompanhava as partidas do Galo pela TV, em seus últimos anos de vida, irritando-se profundamente quando percebia que um jogador não dava tudo de si. Em 1998, Mário de Castro faleceu com 90 anos, em Lavras, na casa de seu filho. (Pesquisa: Nilo Dias)

Mário de Castro, em 1929.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

O criador da camisa canarinho

Eu conheci o jornalista Aldyr Garcia Schlee, que em 1953, aos 19 anos de idade, ganhou o concurso nacional promovido pela então Confederação Brasileira de Desportos (CBD) e pelo jornal carioca “Correio da Manhã, para desenhar um novo uniforme para a Seleção Brasileira de Futebol, diferente daquele da tragédia de 1950 no Maracanã. O uniforme da derrota para os uruguaios tinha camisas brancas com colarinho azul. A seleção usaria o projeto vencedor na Copa do Mundo de 1954, na Suíça.

Para participar do concurso existia uma única regra: o uniforme devia contemplar as quatro cores da nossa bandeira. Aldyr, que era desenhista e caricaturista, ganhou dos outros 201 concorrentes, colocando o verde e amarelo nas camisas e o azul e branco nos calções.

O modelo vencedor era assim: camisa amarela com colarinho e punhos verdes; calções azuis com uma faixa vertical branca; meias brancas com detalhes em verde e amarelo. Como não tinha o tom correto de azul celeste da bandeira, Aldyr usou o azul cobalto, que foi fielmente reproduzido e continua no uniforme até hoje. O Brasil estreou o novo uniforme no Maracanã, no dia 14 de Março de 1954, numa vitória de 1x0 sobre o Chile.

Nna final da Copa de 58 o Brasil enfrentou a Suécia, que também jogava de amarelo. Não tendo preparado um uniforme reserva, o Brasil recortou os escudos de suas camisas amarelas e os costurou sobre um jogo de camisas azuis compradas de última hora em uma feira livre de Estocolmo. Nasceu assim o uniforme de número dois da seleção brasileira.

Como prêmio, Aldyr ganhou o equivalente a vinte mil reais e um estágio no Correio da Manhã, no Rio de Janeiro, onde pode conhecer e conviver com figuras expoentes do jornalismo da época como Nélson Rodrigues, Antonio Calado, Millor fernandes e Samuel Wayner.

A primeira vez que eu vi Aldyr Garcia Schlle, ele trabalhava no vespertino “Opinião Pública”, de Pelotas, fundado em 1896 e eu na Rádio Tupancy, que ficava em frente ao jornal. Quando cheguei ao matutino “Diário Popular”, no início dos anos 60, a “Opinião Pública” vivia seus últimos momentos, tendo fechado definitivamente em 1962.

Também trabalhou na “Opinião Pública” o jornalista e advogado Carlos Alberto Chiarelli, que tempos depois se elegeu deputado federal e senador. O editor de esportes era Salimen Júnior, que tempos depois brilhou na imprensa de Porto Alegre. Não lembro dos outros jornalistas, mas sei que era uma redação das mais qualificadas.

Aldyr Garcia Schlee nasceu em Jaguarão (RS), no dia 22 de novembro de 1934 e viveu sempre entre o Rio Grande do Sul e o Uruguai. Além de jornalista é renomado escritor, tradutor, desenhista e professor universitário. As suas especialidades são a criação literária, a literatura uruguaia e gaúcha, a identidade cultural e as relações fronteiriças.

Doutor em Ciências Humanas, publicou vários livros de contos e participou de antologias, de contos e de ensaios. Alguns livros seus foram primeiramente publicados no Uruguai pela editora Banda Oriental. Traduziu a importante obra "Facundo", do escritor argentino Domingos Sarmiento, fez a edição crítica da obra do escritor pelotense João Simões Lopes Neto, quando estabeleceu a linguagem. Foi planejador gráfico do jornal “Última Hora”, repórter e redator.

Criou o jornal “Gazeta Pelotense”, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, foi fundador da Faculdade de Jornalismo da Universidade Católica de Pelotas (UCPel), de onde foi expulso após o golpe militar de 1964, quando foi preso e respondeu a vários IPMs; foi professor de Direito Internacional da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), por mais de 30 anos, onde foi também pró-reitor de Extensão e Cultura. É torcedor do Brasil, de Pelotas, clube que chegou a ser tema do conto "Empate", publicado em "Contos de futebol" e também da Seleção Uruguaia.

Há uma explicação para o fato dele torcer para os uruguaios: Aldyr nasceu em Jaguarão a 200 metros do Uruguai e 600 km de Porto Alegre. Sua formação como torcedor foi baseada no futebol platino. Toda segunda chegavam em sua casa jornais de Buenos Aires e Montevidéu, com os craques e os jogos.

Recebeu duas vezes o prêmio da Bienal Nestlé de Literatura Brasileira e foi cinco vezes premiado com o Prêmio Açorianos de Literatura. Em novembro de 2009 pubicou "Os limites do impossível, os contos gardelianos", pela editora ARdoTEmpo e em 2010, pela mesma editora, o romance "Don Frutos", ano em que foi também destacado com o Prêmio Fato Literário de 2010.

Atualmente vive em um sítio no município de Capão do Leão. Tem três filhos, três netos e seu passatempo é o futebol de botão, cujo time "veste" a camiseta do Esporte Clube Cruzeiro, de Porto Alegre, com a escalação dos anos 60.Em Jaguarão, sua terra natal, existe uma rua chamada “Uma Terra Só,” em homenagem à obra e à história do escritor. (Pesquisa: Nilo Dias)

Aldyr Garcia Schlle e os três desenhos que criou para o concurso.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Historinhas de juizes

Em 1974, na decisão do último campeonato amador de Brasília, jogavam CEUB X Ministério das Relações Exteriores, no antigo Estádio Pelezão. O juiz do jogo era Édson Rezende de Oliveira, que anos mais tarde foi presidente da Comissão de Arbitragem da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Naquele tempo era comum acontecer de tudo no certame brasiliense, inclusive jogadores atuarem dopados.

Foi o caso de um zagueiro do Relações Exteriores, um tipo de altura descomunal, forte como um touro. Era daqueles jogadores que costumavam chamar de armários. Sob os efeitos das “bolinhas” milagrosas, o zagueirão estava com os olhos esbugalhados e derramando saliva pelos cantos da boca. Logo em seu primeiro lance no jogo, quase abriu ao meio um atacante do CEUB. Levou cartão amarelo.

Minutos depois outra entrada, ainda mais dura que a primeira. Precavido, para evitar ser agredido pelo violento jogador, o juiz discretamente chamou os dois únicos policiais presentes ao estádio. Assim que o “homão” foi seguro pelos PMs, Edson Rezende de Oliveira mostrou o cartão vermelho.

Foi então que o jogador completamente fora de si, tentou de todas as maneiras se desvencilhar dos PMs para sair em busca do juiz. Chegou a jogar um policial longe, acertou socos nos próprios colegas de time e gritava: “Eu quero achar ele. Cadê? Vou dividir este filho da p... em dois!”Finalmente algemado, foi levado ao distrito policial.

Em outubro de 1994, o Clube do Remo, de Belém do Pará, precisava vencer o Bragantino, de São Paulo, por 3 X 0, para escapar do rebaixamento para a Segundona do Brasileiro. O árbitro carioca Léo Feldman, preocupado com a hostilidade da fanática torcida local, sai do estádio de táxi, rumo ao hotel. No caminho, o motorista passa por um grupo de torcedores do Remo e grita:

“Ei pessoal, eu estou levando o juiz do jogo!”. Feldman, desesperado com a possibilidade de ser linchado, desce do táxi, correndo e consegue entrar em outro carro, livrando-se dos torcedores que corriam atrás dele.

Em 1997 as seleções do Paraguai e Colômbia jogavam no Defensores Del Chaco, em Assunció, pelas eliminatórias da Copa do Mundo de 1998. O juiz era o brasileiro Wilson de Souza Mendonça. No gol paraguaio o polêmico goleiro Chilavert. Achando que o árbitro não estava olhando, deu uma cusparada em Asprilla. O colombiano passou a mão no rosto e revidou com um soco. Incontinente, Wilson foi até o local expulsou o agressor que saiu sem falar nada.

Caído, Chilavert recebeu o atendimento medico e após um bom tempo levantou- se meio zonzo. “ Tem condições de jogo?”, perguntou Mendonça. “Sim”, respondeu o goleiro. “Não, o senhor não pode. Está expulso!”. “O quê? Mas eu não fiz nada?”. “Eu sei o que vi e o senhor sabe o que fez “, completou Mendonça.

O estádio veio abaixo. Impassível, o árbitro esperou os ânimos serenarem, pegou a bola e apontou para a área do Paraguai: Pênalti! Nova confusão, mas a partida prosseguiu e a Colômbia marcou o gol. No final, o jogo terminou empatado e Wilson recebeu do inspetor de árbitros da FIFA uma das maiores notas da história da entidade: nove e meio.

Este fato eu contei no meu livro “100 anos de futebol em São Gabriel (RS). Segundo os jornais da época, no dia 8 de junho de 1935 foi disputada em São Gabriel, no “ground” existente no local onde hoje se acha o Ginásio São Gabriel e o Colégio Menna Barreto, “a mais sensacional, encardida e discutida partida de futebol já vista naquela cidade”.

Foram degladiantes as equipes do Artilharia F.B.C., que reunia militares do 6º Grupo de Artilharia de Campanha e G.S. Militar, formado por integrantes do 9º Regimento de Cavalaria independente. Os dois rivais eram considerados os “maiorais” do futebol gabrielense na época.

Antes do jogo o ambiente estava bastante carregado. Na cidade só se falava na possibilidade de haver uma grande briga entre os jogadores. Ninguém queria apitar o jogo. Por essa razão o prélio estava no sai não sai. Até que apareceu o salvador da pátria, o desportista Adair Menna Barreto de Abreu, considerado o melhor árbitro da cidade por muitos anos. “Competente, enérgico e rigorosamente imparcial”. Adair teve uma atuação sensacional, do principio ao fim, sem que houvesse um único lance de deslealdade entre os litigantes.

O pesquisador esportivo Celso Unzelte conta que certa vez, o Bangu foi jogar um amistoso em Barbacena, interior de Minas Gerais. A maior atração era Zizinho, o craque do time e da própria Seleção Brasileira vice-campeã mundial em 1950. Junto com a delegação, foi o juiz Eunápio de Queiroz, na época também apelidado pelos torcedores de “Larápio” de Queiroz, que dirigiu a partida.

Começa o jogo, Eunápio erra uma marcação e logo toma uma bronca de Zizinho: “Puxa, Eunápio, até em amistoso?” Eunápio não gostou e expulsou o Mestre Ziza. O jogador já ia saindo quando entram no campo os promotores do amistoso: “O que houve?” “Fui expulso.” “Nada disso. Volta já pro campo, porque nós pagamos um dinheirão foi pra ver você jogar, não pra ver esse cara aí apitar”. E quem acabou expulso foi o juiz.

Outra ótima historinha: nos anos 40, o São Paulo de Leônidas da Silva teria ido ao Recife jogar contra o Sport. E o juiz não deixava Leônidas avançar. Era só o “Diamante Negro” pegar na bola e lá vinha um apito, marcando falta, toque, impedimento, qualquer coisa que o impedisse de continuar a jogada.

Lá pelo segundo tempo, ainda 0 X 0, o juiz perdeu o apito, que sumiu na grama. Enquanto tateava o gramado na busca de seu instrumento de trabalho, o árbitro via Leônidas receber a bola e partir driblando para dentro da área. Então, desesperado, desistiu de procurar o apito e saiu gritando: “Perdi meu apito! Agarrem esse crioulo que ele vai fazer o gol!”

E para encerrar, a oração de Carlito Rocha, o histórico e folclórico presidente do Botafogo, destinada à arbitragem antes dos clássicos mais importantes: “Minha Nossa Senhora Aparecida, fazei com que esse ladrão roube hoje para nós!” (Pesquisa: Nilo Dias)

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

O lendário "Canhão 420"

Pedro Grané, um dos mais completos laterais direitos surgidos no futebol brasileiro, nasceu em São Paulo no dia 10 de novembro de1987 e morreu em São Paulo em 1985. Grané jogou de 1924 a 1932 no S.C. Corinthians Paulista. A simples menção de seu nome, fazia os goleiros de sua época e os meninos de uma década depois de ele ter pendurado as chuteiras tremerem de medo. Alto, forte, possuía, segundo os antigos, um petardo tão letal em seu pé direito, que logo foi apelidado de 420, o sinistro canhão do Kaiser utilizado na Primeira Grande Guerra Mundial.

Iniciou sua carreira no Ypiranga, que naquela época tinha um dos times de futebol mais fortes do cenário nacional, até se transferir para o Corinthians em 1924. Com a camisa do alvinegro do Parque São Jorge, Grané fez 51 gols em 179 partidas, o que lhe garante até hoje o título de defensor com maior números de gols na História do clube. Foram 113 vitórias, 30 empates e 36 derrotas.

No dia 22 de maio de 1932, na vitória por 5 X 1 diante do Atlético Santista, na Fazendinha, Grané cobrou um pênalti e marcou seu 50 gol com a camisa do Corinthians. Formou o mais famoso trio final do futebol paulista em todos os tempos, com o goleiro Tuffy e o zagueiro Del Debbio nos anos 20 e 30.

O sucesso do trio, chamado de “Divina Trindade”, foi tão grande, que o lateral-direito chegou a defender a Seleção Brasileira em seis oportunidades, marcando dois gols. Os principais títulos conquistados pelo Corinthians foram os Campeonatos Paulistas de 1924, 1928, 1929 e 1930.

Muitas lendas se criaram em torno de seu chute poderoso. Diziam que todas as vezes que Grané ia cobrar um tiro de meta os companheiros pediam para que chutasse devagar, senão a bola se perderia pela linha de fundo do gol adversário.

A mais célebre foi a de que Grané, num jogo decisivo viu-se na marca do pênalti diante de seu irmão Lara, goleiro do Ypiranga. Bem que Grané implorou várias vezes para o irmão sair da frente. Não saiu. Fez mais: saltou e agarrou o míssil com as duas mãos. E não mais se levantou. Estava mortinho da silva.

Num encontro entre Paulistas x Cariocas no Parque São Jorge, a "Casa Murano" oferecia uma vitrola ao jogador que marcasse o primeiro tento da partida. O juiz marcou uma penalidade contra os cariocas, e Grané que era o encarregado de bater as faltas, pois possuia o chute mais violento do Brasil, correu para a marca da cal, vibrando de alegria por dois motivos: a penalidade que na certa daria um tento para os paulistas, e pelo régio presente que iria abiscoitar. A torcida ficou apavorada e das arquibancadas pedia para Grané chutar devagar e não matar Jaguaré.

E antes do chute, gozava os companheiros: "amanhã apareçam em casa para ouvir discos em minha nova vitrola". Afastou quatro jardas e remeteu um violento chute contra o arco de Jaguaré, que era considerado o maior goleiro do Brasil na época (Jogou no Timão já no final de sua carreira em 1934).

Jaguaré que momentos antes disse "olha aqui, seu mastodonte.Vou tirar o seu chutinho com um soco. Tá ouvindo?" defendeu, mas largou a bola e foi cair meio desacordado e com um braço fraturado no fundo das redes! De Maria correu e consignou o tento! Depois, entre abraços e risos falou "amanhã vocês apareçam em casa para ouvir discos em minha nova vitrola" Grané ficou uma fera de tão brabo!

Grané seria presença certa na Seleção Brasileira que participou em 1930, no Uruguai, da primeira Copa do Mundo.Mão não foi convocado, porque naquela época, o "bairrismo" era muito presente no futebol brasileiro. Esse fator acabou prejudicando a campanha do país no Mundial, que não passou da primeira fase. A Associação Paulista de Esportes Atléticos (Apea) recusou-se a ceder à Confederação Brasileira de Desportos (CBD) os jogadores do Estado de São Paulo. O pretexto foi a recusa da CBD em admitir na comissão técnica um integrante da Apea. (Pesquisa: Nilo Dias)