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terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

A morte do "Monstro Sagrado"

O futebol português recebeu mais um duro golpe, com o falecimento ocorrido hoje de Mário Esteves Coluna, 78 anos, que foi o capitão da Seleção de Portugal, em seu maior momento na história, quando conquistou a inédita terceira colocação no Mundial de 1966, disputado na Inglaterra.

Desde domingo o ex-jogador estava internado no Instituto do Coração, em Maputo, antiga Lourenço Marques, capital e maior cidade de Moçambique, em coma e com respiração assistida, e não resistiu a uma parada cardíaca. Em 2012, o jogador moçambicano foi internado no mesmo hospital, depois de ter sofrido um ataque cardíaco.

Em janeiro já havia morrido o atacante Euzébio, outro ídolo do futebol português e também moçambicano de nascimento. Quando em dezembro de 1960, Eusébio da Silva Ferreira chegou a Lisboa, proveniente de Moçambique trazia consigo uma carta da sua mãe para entregar a Mário Coluna.

A carta de Dona Elisa pedia ao senhor Coluna para tomar conta do filho. E o então capitão do Benfica cumpriu a promessa que fez a Dona Elisa e tratou Eusébio como um filho.

Natural da Ilha de Inhaca, em Moçambique, Coluna nasceu no dia 6 de agosto de 1935. Embora o Benfica tenha sido a sua casa durante longos 16 anos, foi no Grupo Desportivo Lourenço Marques, da cidade moçambicana de igual nome, que ele iniciou a brilhante carreira.

Foi no bairro do Alto Mahé, na antiga Lourenço Marques, que Coluna se mostrou para o futebol. A localidade já havia revelado outros nomes ilustres do futebol lusitano, como Matateu, Vicente e Hilário.

Seu primeiro time foi o João Albasini. Mas depois seguiu os passos do pai, que foi fundador e antigo goleiro do Desportivo. Com apenas 17 anos já era titular absoluto da equipe.

Carlos Mesquita, treinador do Desportivo e antigo jogador do F.C. do Porto, tentou levá-lo para o seu ex-clube, que chegou a oferecer 90 contos por sua transferência por três temporadas. O Sporting também mostrou interesse e quis pagar 100 contos, mas por duas temporadas.

Mas foi o Benfica, clube do qual o Desportivo era filial, quem assegurou a contratação. No dia 22 de Agosto de 1954, com 19 anos de idade, Coluna chegou a Lisboa.

Não demorou a querer voltar para casa, pois a saudade da família era grande. Com a chegada do técnico Otto Glória, acabou por se resignar e ficar no clube. Era tido como um goleador, mas foi o treinador, um profundo conhecedor do futebol, que descobriu sua verdadeira posição, a de médio ofensivo, na qual se consagrou mundialmente, nas décadas de 1950 e 1960.

A sua estreia pelo Benfica foi num clássico contra o Porto. A temporada terminou com o seu primeiro título e ele reconhecido como um grande artilheiro, pois em 32 jogos marcou 17 gols, divididos entre o Campeonato Nacional e a Taça de Portugal.

E no plano internacional recebeu o apelido de "Didi Português", uma alusão ao notável craque brasileiro campeão mundial em 1958 e 1962, e campeão europeu no Real Madrid, em 1959/1960. Tempos depois a torcida do Benfica o apelidou de “Monstro Sagrado”.

A partir daí firmou-se como uma das referências do time, ao longo de 16 temporadas, de 1954 ate 1970, tendo participado das duas conquistas europeias, em 1960/1961, quando bateu na final ao Barcelona por 3 X 2, e em 1961/1962, quando goleou o Real Madrid por 5 X 3.

No primeiro título, conquistado em Berna, Suíça, Coluna marcou o terceiro gol do Benfica, com um chute forte de fora de área. O capitão José Águas, angolano de nascimento, levantou a taça. Na segunda conquista, em Amsterdã, Holanda, fez outra vez o terceiro gol de sua equipe, com um petardo de fora da área. Dessa feita coube a ele, já como capitão da equipe, erguer o valioso troféu.

O Benfica poderia ter ganho pela terceira vez a Copa Europeia, em final contra o Milan, da Itália. Mas perdeu em Wembley, na Inglaterra. Esse jogo ficou marcado por uma falta, ainda antes do intervalo, que deixou Coluna com lesão grave num pé. Como naquela competição não havia substituições, foi como se o Benfica ficasse reduzido a 10 homens em campo.

Como capitão ainda jogou e perdeu outras duas finais, contra Inter, de Milão e Manchester United, da Inglaterra. Mas nunca deixou de manifestar uma convicção face à forma como decorreram esses jogos: "Em qualquer deles poderíamos ter ganho".

A maioria dos jogadores chamava Coluna de "capitão", inclusive Eusébio, que lhe tratava também como "o mais velho". Mas ele, tímido e sossegado, não precisava da braçadeira para ser respeitado, muito menos de levantar a voz.

Impunha-se com naturalidade e foi assim que capitaneou o Benfica durante sete anos, a seleção portuguesa e a do resto do mundo. Marcou gols nas finais europeias em que venceu e só não repetiu a proeza em 1963, por ter sido posto a “nocaute” por Pivatelli.

A 27 de Setembro de 1967 viveu um dos seus momentos mais memoráveis: em Madrid, no Estádio do Real, foi o líder da seleção do Resto do Mundo, na homenagem ao imortal goleiro Ricardo Zamora. Como aconteceu outras tantas vezes, Eusébio estava em campo ao seu lado e marcou um gol nos 3 X 0 sobre à Espanha.

No dia 8 de dezembro de 1970, quando o técnico do Benfica já era José Augusto, seu ex-companheiro de equipe, Coluna despediu-se do clube que defendeu por longos anos. A festa de despedida, no Estádio da Luz, teve casa cheia e convidados especiais como Cruijff, Bobby Moore e Luís Suárez.

Coluna conquistou 24 títulos pelo Sport Lisboa e Benfica: duas Taças dos Campeões Europeus (1960/1961 e 1961/1962; 10 campeonatos nacionais (1954/1955, 1956/1957, 1959/1960, 1960/1961, 1962/1963, 1963/1964, 1964/1965, 1966/1967, 1967/1968 e 1968/1969); sete Taças de Portugal (1954/1955, 1956/1957, 1958/1959, 1961/1962, 1963/1964, 1968/1969 e 1969/1970) e cinco Taças de Honra da Associação de futebol de Lisboa.

No final de carreira jogou pelo Lyon, da França, na temporada 1970/1971. Voltou a Portugal para ser jogador e treinador do Estrela, de Portalegre, na temporada 1971/1972. Mas em seguida parou de jogar. Seguiram-se passagens pelos Juniores do Benfica, de Huambo, Angola, Textáfrica, de Moçambique e Ferroviário.

O “Monstro Sagrado” teve igualmente percurso notável na Seleção Portuguesa, tendo sido capitão do time na campanha do Mundial de 1966, quando Portugal foi terceiro colocado, tendo eliminado a Seleção Brasileira da competição. Coluna jogou 57 vezes pela Seleção entre 1955 e 1968, tendo marcado oito gols.

A primeira vez que vestiu a camisa da Seleção de Portugal foi aos 19 anos, em 4 de maio de 1955, num amistoso contra a Escócia, em que a equipa lusa perdeu por 3 X 0.

Coluna está entre os 100 melhores jogadores do século XX segundo a FIFA.  O regresso a Moçambique, após a sua independência, garantiu-lhe lugar de relevo na sociedade. Primeiro como deputado, mais tarde na qualidade de membro de um dos governos de Samora Machel, como ministro dos Esportes entre 1994 e 1999.

Enfim, no topo da estrutura do futebol moçambicano como presidente federativo, enquanto as forças o ajudaram. Antes de ser eleito para a FMF, criou uma Academia de Futebol na vila da Namaacha, para formação de jovens atletas. (Pesquisa: Nilo Dias)

Mário Coluna foi um dos maiores símbolos do futebol português. (Foto: Jornal "A Bola")