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quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Os 100 anos do "Vingador"

O Alecrim Futebol Clube, chamado de “Periquito” em razão da cor verde de seu uniforme, é um dos clubes mais populares e tradicionais do Rio Grande do Norte. Comemorou os 100 anos de fundação no último dia 15 de agosto.

O clube nasceu graças a perseverança de um grupo de rapazes formado por Lauro Medeiros, Pedro Dantas, coronel Solon Andrade, José Firmino, Humberto Medeiros, Gentil de Oliveira, José Tinôco, Juvenal Pimentel e Miguel Firmino.

Também foi fundador do clube, João Augusto Fernandes Campos Café Filho, ex-Presidente da República e ex-goleiro do Alecrim. Isso torna o Alecrim o único clube de futebol do mundo, que viu um ex-jogador seu chegar à presidência de um país. Café Filho, governou o Brasil entre 1954 e 1955,

Na época, o jovem Café Filho tinha apenas 16 anos e estava longe de iniciar sua carreira política. Sem habilidade com a bola nos pés, restou ao garoto, que depois ficaria famoso, ser o goleiro da equipe em ocasiões eventuais entre 1918 e 1919.

Em sua autobiografia, publicada em 1966 e intitulada “Do Sindicato ao Catete: Memórias políticas e confissões humanas”, Café Filho tratou com ironia o fato de ter atuado na derrota do Alecrim para o América por 22 X 0.

“O arqueiro que certa vez me substituiu deixou que os adversários fizessem 12 gols, enquanto eu deixei a bola passar nas traves apenas 10 vezes”, escreveu.

Os fundadores do clube se reuniram na residência do coronel Solon Andrade, no bairro do Alecrim, próximo da atual Igreja São Pedro, onde hoje funciona o Instituto de Educação e Reabilitação de Cegos.

Naquela época, o espaço abrigava uma vila de moradores no bairro que deu nome ao clube. Era uma propriedade chamada Vila Maria; antigamente se morava em família dentro de vilas.

Então, Humberto Medeiros, que era o “cabeça” dessa família na Vila Maria, juntou os sobrinhos e os filhos para fundar o Alecrim. Ele foi o líder do movimento que criou o clube, um homem que enxergou a necessidade de fundar um novo time em Natal com uma essência mais popular.

Há quem diga que o Alecrim não foi fundado em 15 de agosto de 2015, sim em 15 de agosto de 1917. Mas essa possibilidade cai por terra em razão de uma notícia publicada pelo jornal “A República”, edição de 26 de setembro de 1916, na coluna “Várias”, que dizia o seguinte:

“No bairro do Alecrim, alguns moços fundaram o Alecrim Foot Ball Club que manterá uma escola nocturna gratuita para o ensino às creanças pobres daquelle bairro. Louvamos a iniciativa dos jovens daquella associação, que por esta forma esforçam-se para extinguir o analphabetismo que em grande escala se desenvolve no nosso paiz” (grafia da época).

O fato da notícia ter sido publicada em 1916, não quer dizer muita coisa. Naquela época era comum notícias serem publicadas até com um ano de atraso, de acordo com interesses da imprensa. Junte-se a isso a distância que o bairro do Alecrim ficava da zona considerada nobre.

A prova definitiva do ano de fundação do Alecrim encontra-se na própria Federação Norte-Riograndense de futebol: um papel timbrado da década de 40, que traz a data da fundação como 15 de agosto de 1915.

O Alecrim não foi sempre “verdão”. Quando nasceu, era, na verdade, tricolor. Além do verde e branco, o vermelho figurava no primeiro uniforme. A fim de se tornar único, a cor rubra logo foi excluída para evitar qualquer semelhança com o rival América.

Mas foi somente em 2003 que o escudo oficial, que era praticamente igual ao do rival, foi trocado pelo atual. Antes, quando os jornais eram impressos em preto e branco saía uma foto e ninguém sabia se era América ou Alecrim. O escudo oficial foi mudado justamente por isso.

Natal se concentrava praticamente na Ribeira, zona chique da cidade. O Alecrim era chamado de bairro novo e localizava-se na Zona Rural da capital. Na época, jogadores e torcedores de ABC e América, também clubes tradicionais de Natal, faziam parte da elite da cidade.

Já o Alecrim F.C. era formado basicamente de negros e descendentes de índios, o que os tornava vulneráveis a todo o tipo de preconceito, coisa bastante comum nos primórdios do futebol no Brasil.

A aceitação do Alecrim no futebol potiguar só aconteceu em 1924. Até aquele ano a equipe fazia apenas partidas amistosas, e por isso não há muitos registros sobre a participação do ex-presidente Café Filho debaixo dos três paus.

Em 1916, Café Filho tinha apenas 17 anos e já mostrava traços de liderança. Fanático por futebol, o adolescente que estava estudando em Pernambuco, negociou o primeiro duelo interestadual no Rio Grande do Norte, um amistoso do recém-fundado Santa Cruz contra o ABC.

Café Filho foi peça fundamental para a realização do primeiro Campeonato Potiguar da história em 1919. Como o reconhecimento do Alecrim demorava a acontecer, seria necessário mais um clube para disputar com ABC e América.

Então o jovem participou da fundação de mais um clube, o Centro Sportivo Natalense, que contou com o primeiro time feminino do Estado. Em 1921, aos 22 anos, entrou para a política, para nunca mais sair.

O Alecrim foi o primeiro time do Rio Grande do Norte a ter um técnico de futebol, Alexandre Kruze, em 1925. Nesse ano sagrou-se  também o primeiro campeão invicto do Estado. Porém, o título foi anulado pela Federação que não admitia time de subúrbio ser campeão.

Em que pese todos os problemas que enfrentou, ainda assim o Alecrim conseguiu se destacar no futebol do Rio Grande do Norte. É o único clube potiguar que nunca se licenciou.

Nos anos 60 os seus torcedores e a imprensa chegaram a chamá-lo de “Vingador”, visto que América e ABC quase sempre perdiam para times de outros Estados em visita a Natal, enquanto o Alecrim os derrotava.

Até hoje é lembrada a excursão do Rampla Juniors, do Uruguai, pelo Brasil. O time estava invicto, havia empatado em 0 X 0 com o Americano de Campos (RJ); ganhou do Democrata, de Governador Valadares (MG), por 2 X 1; bateu o Fortaleza, do Ceará por 2 X 0; empatou em 1 X 1, com o Treze de Campina Grande(PB); empatou com o Náutico, do Recife, por 2 X 2 e perdeu para o Alecrim por 1 X 0, gol de Rui.

Grandes desportistas ajudaram a construir a história centenária do Alecrim F.C., entre eles Bastos Santana, Severino Lopes, Humberto Medeiros, coronel Veiga, coronel Pedro Selva, Clóvis Mota, Walter Dore, Braz Nunes, Rubens Massud, Wober Lopes Pinheiro, Gabriel Sucar, coronel Solon Andrade, além do patrono monsenhor Walfredo Gurgel, que dá nome a atual sede campestre do clube.

Foi na gestão do governador Walfredo Gurgel que foi doado o terreno da avenida Alexandrino de Alencar, posteriormente vendido ao Ministério da Marinha que proporcionou recursos para a compra do terreno da atual sede campestre.

Nas décadas de 70 e 80, o Alecrim possuía um grande patrimônio: uma sede campestre, localizada na "Grande Natal". Era uma área valiosíssima entre Parnamirim e Macaíba.

O amplo espaço tinha cinco campos de futebol e era utilizado para o lazer de milhares de sócios. O clube tinha uns seis ou sete mil sócios. Todas as pessoas com cerca de 40 anos, hoje em dia, com certeza uma vez ou outra, na infância, frequentaram a sede campestre do Alecrim.

Com o tempo, o esmeraldino perdeu grande parte do patrimônio cobrindo custos de ações trabalhistas e, atualmente, o único bem que restou foi a sede na Rua dos Caicós, no bairro do Alecrim.

O Alecrim foi o primeiro clube de Natal a possuir um Centro de Treinamento (CT), em 1978, que se localizava em Macaíba. Também foi a primeira agremiação do Rio Grande do Norte a adquirir um ônibus em 1968. É a equipe que tem a mais antiga, fiel e atuante torcida organizada do Estado a Fieis Esmeraldinos Radicais (FERA), criada em 1977.

Em sua história centenária o Alecrim participou da inauguração de alguns estádios, entre os quais o "Marizão", em Caicó, o "Maria Lamas Farache" (Frasqueirão) em Natal, o "Pascoal de Lima" na cidade da Esperança e o estádio da cidade de Areia Branca.

Muitos foram os jogadores que vestiram a camisa verde do Alecrim nestes 100 anos. Os que mais se destacaram foram Pindaró, Foster, Caçula, Veiga, Mundico, Gentil, Sansão, Manuelzinho, Perequeté,  Zezé, Berilo, Miltinho, Orlando, Miro, João Paulo, Capiba, Sileno, Anchieta, Vasconcelos (ex-jogador do Náutico, Palmeiras, Internacional e Colo-Colo do Chile), Odilon, Alberí, Baíca, Curió, Valter Cardoso, Saraiva,Ticão, Icário, Burunga, entre outros.

Em 2001, alguns jornalistas, pesquisadores e torcedores elegeram o Alecrim do século, que escolheu Manuelzinho – Saraiva – Miro - Berilo e Anchieta. Valdomiro - Pedrinho e Vasconcelos. Zezé - Odilon e Icário. Técnico: Pedrinho Teixeira, o “Pedro 40”.

Em 2006 o Alecrim voltou a ser destaque, agora como autor do primeiro gol de um estádio particular. O do “Frasqueirão”, do ABC. Da Cunha, foi o autor do feito num jogo amistoso, que terminou empatado em 1 X 1.

Em sua trajetória centenária, o Alecrim coleciona muitas histórias. Esta, por exemplo, é bastante interessante e ao mesmo tempo curiosa. Num jogo contra o São Gonçalo, o árbitro deu um pênalti contra o Alecrim depois do zagueiro do time ter confundido o barulho de um apito vindo das arquibancadas com o apito do juiz do jogo.

Isso tornou o Alecrim, talvez o único time do mundo a ter um pênalti marcado contra si, por intervenção de um torcedor seu. Pensando que o jogo estava parado, o jogador pegou a bola com a mão. E aí foi marcado o pênalti. Isso aconteceu no então estádio “Alçapão do Touro”, que anos depois se tornou a casa do próprio alviverde, com o nome de “Ninho do Periquito”.

Mas a “tragédia” não parou por ai. Inconformado com o lance, José Erivan de Azevêdo, o famoso “Pastel (torcedor símbolo da equipe que faleceu em 2011) tomou o apito do juiz e o quebrou com raiva.

O São Gonçalo, em 2007, apareceu de novo na vida do Alecrim. Foi na última rodada do Campeonato Potiguar. O alviverde precisava ganhar por quatro gols de diferença para não ser rebaixado para a segunda divisão. E conseguiu a proeza, para a alegria de sua torcida, que não conteve a emoção.

O Alecrim nunca havia vencido o São Gonçalo antes desse dia. Aqueles 4 X 0 garantiram o time na Primeira Divisão. Quem esteve no estádio não esquece até hoje aquele momento impar: “Era tanto homem chorando, que até parecia velório”, dizem os saudosistas.

Títulos conquistados. Campeão potiguar (1924, 1925, 1963, 1964, 1968, 1985 e 1986; Torneio Início (1926, 1961, 1966 e 1972); Taça Cidade do Natal (1979, 1982 e 1986); Torneio Incentivo (1976, 1977 e 1978).

Outras conquistas. Vice-Campeonato Potiguar (1928, 1953, 1962, 1965, 1966, 1970, 1972 e 1982); 3º Colocado do Campeonato Potiguar (1990 e  2014); Categorias de base. Campeão Potiguar Sub-20. (2006 e 2013); Campeão Potiguar Sub-15 (2006).

O Alecrim, como vimos acima, já ganhou por sete vezes o Campeonato Estadual. Isso lhe garante o terceiro lugar entre os clubes campeões do Rio Grande do Norte, ficando atrás somente de ABC e América.

Sua última conquista aconteceu em 1986, quando se sagrou bicampeão. O técnico era Ferdinando Teixeira, chamado de “papa títulos”. O time “periquito” tinha bons jogadores, com destaques para Freitas, Curió, Edmo, Didi Duarte, Saraiva e Odilon, este o maior artilheiro da história dos Campeonatos Estaduais e principal artilheiro do Alecrim em todos os tempos, com 68 gols marcados. 

Graças ao título conquistado, o Alecrim ganhou uma vaga na Série A do Campeonato Brasileiro. Foi a primeira e única vez que isso aconteceu. Depois disso o alviverde alcançou classificação em 2009 para à Série C do Campeonato Brasileiro, após ser quarto colocado no campeonato potiguar. O time participou este ano da Copa do Brasil, junto de América e Globo F.C. Foi eliminado na primeira fase pelo Tupi, de Minas Gerais.

O Alecrim orgulha-se de Garrincha, um dos maiores jogadores que o futebol brasileiro conheceu em todos os tempos, ter vestido a camisa do clube. Foi no dia 4 de fevereiro de 1968, num amistoso contra o Sport, de Recife, disputado no Estádio Juvenal Lamartine. O time pernambucano venceu por 1 X 0, gol de Duda.

Mais de seis mil pessoas pagaram ingresso, para ver o “craque das pernas tortas”. A renda somou Cr$ 21.980.00. O Alecrim mandou a campo Augusto – Pirangi – Gaspar - Cândido e Luizinho. Estorlando e João Paulo. Garrincha (Zezé) – Icário - Capiba (Tarciso) e Burunga.

A Assembleia Legislativa do Estado homenageou o Alecrim F.C., pela passagem de seu centenário, em sessão especial realizada dia 20 de agosto, atendendo pedido dos deputados Ricardo Motta (PROS) e Kelps Lima (SDD).

Na ocasião foram homenageadas personalidades que fizeram parte da história do clube. Os ex-jogadores Odilon e Edmo Sinedino e o ex-treinador Ferdinando Teixeira, campeões pela equipe esmeraldina, assim como os representantes da “Torcida Fera” e familiares do falecido José Erivan de Azevêdo, o conhecido "Pastel", torcedor símbolo da equipe.

O centenário teve outras atrações. Dirigentes e torcedores se encontraram frente ao tradicional “Relógio do Alecrim” para a realização de ações sociais e panfletagem e houve uma Missa em Ação de Graças na igreja de São Sebastião.

Além disso, houve o lançamento de um livro contando grandes momentos da história do “Periquito”, de autoria do desportista Alberto Pinheiro de Medeiros.  (Pesquisa: Nilo Dias)

Alecrim, bi-campeão potiguar em 1985. (Foto: Revista "Placar")