Boa parte de um vasto material recolhido em muitos anos de pesquisas está disponível nesta página para todos os que se interessam em conhecer o futebol e outros esportes a fundo.

terça-feira, 8 de julho de 2014

A morte do “Flecha Loira”

Morreu ontem aos 88 anos de idade, no Hospital Gregório Marañon, em Madrid, onde se encontrava internado desde o último dia 5, após ter sofrido um infarto, o ex-jogador de futebol Alfredo Estéfano Di Stéfano Laulhé, nascido em Buenos Aires, Argentina, no dia 4 de julho de 1926. Di Stefano, como era mais conhecido, foi um dos mais brilhantes jogadores de futebol de todos os tempos. Em razão de sua velocidade e da cor dos cabelos, ganhou o apelido de “Flecha Loira".

Di Stefano quando criança não mostrava muita vocação para ser jogador de futebol. Mesmo sendo incentivado pelo pai, um ex-jogador do River Plate, também de nome Alfredo Di Stéfano, seu sonho era ser aviador. Ele tinha dois irmãos, Tulio, que também jogou futebol, e Norma, que preferiu o basquetebol.

O interesse pelo esporte surgiu em 1943, quando tinha 17 anos e foi chamado as pressas para completar o time do bairro. Saiu-se tão bem, que marcou três gols. A partir daí nunca mais abandionou os gramados.

Quis o destino que seguisse o mesmo caminho de seu pai. Um ex-jogador do clube, em visita casual a sua casa, ficou sabendo pela mãe que o garoto tinha talento.

Fez teste e recebeu convite do ex-atleta Carlos Peucelle para entrar na quarta categoria do clube. Não demorou para ser elevado a terceira, depois de ser observado por outro antigo atleta do River, Renato Cesarini, que o definiu como “fenômeno”.

Jogou sua primeira partida pelo River em 1945, quando o clube possuía um time poderoso, chamado de “La Máquina”, que contava com jogadores extremamente hábeis, como Pedernera, Juan Carlos Muñoz, José Manuel Moreno, Ángel Labruna e Félix Loustau.

No mesmo ano sagrou-se campeão argentino. O goleiro Amadeo Carrizo, outro celebrado jogador do clube, também estreou naquele ano, mas só jogou uma partida, substituindo o titular Munõz.

Sem muito espaço no onze principal do River Plate, acabou emprestado ao Huracán, em 1946, clube que enfrentou pela primeira vez como profissional. Ali, foi treinado pelo ex-artilheiro Guillermo Stábile, que também era o técnico da Seleção Argentina.

Di Stéfano marcou os dois primeiros gols de sua carreira numa vitória de 3 X 2 sobre o San Lorenzo, de Almagro, em pleno estádio do rival, que se sagraria campeão argentino daquele ano. No jogo contra o seu clube, River Plate, marcou um gol aos 11 segundos, que até hoje é o mais rápido da história do futebol argentino.

No Huracán foi fixado como centroavante e marcou 10 gols em 25 partidas. Graças a sua velocidade, recebeu dos torcedores o apelido de “La Saeta” (flecha). Como outro jogador da equipe, Llamil Simes também era chamado pelo mesmo apelido, acrescentaram o “Rubia”, por causa de seus cabelos loiros, ficando então “La Saeta Rubia” (“A Flecha Loira”).

Além de estonteante velocidade, combatia, desarmava, tinha grande inteligência para criar jogadas, habilidade para receber, tratar, conduzir, cabecear e passar a bola e ainda precisão nos arremates.

O Huracán fez de tudo para ficar com Di Stéfano em definitivo, mas não conseguiu juntar os 80 mil pesos pedidos pelo River, por isso retornou ao antigo clube em 1947.

No retorno encontrou uma equipe bem diferente. Pedernera saíra para o Atlanta, Labruna estava com hepatite e Muñoz, lesionado. Em vista disso ganhou mais oportunidades. Na sua reestréia, fez uma das melhores atuações com a camisa do River, frente o San Lorenzo de Almagro.

Nesse ano de 1947 Di Stéfano teve que prestar serviço militar, mas ainda assim, intercalando jogos, marcou 27 gols, conduzindo o clube a um novo título nacional, o primeiro dele como titular.

Terminou o campeonato como artilheiro do certame e ídolo da torcida, que costumava cantar em sua homenagem: "Socorro, socorro, ahí viene la Saeta con su propulsión a chorro" . ("Socorro, socorro, aí vem a Flecha com sua propulsão a jato").

Seu futebol vistoso e veloz, o levou á Seleção Argentina naquele ano de 1947. Jogou poucas partidas pelo scratch nacional, apenas seis, e fez seis gols, todos no Campeonato Sul-Americano, precursor da “Copa América”. Em 1948 disputou pelo River Plate o Campeonato Sul-Americano de Campeões, embrião da Taça Libertadores da América.

Seu time veio ao Brasil se preparar para a competição. O rival Boca Juniors, que não participaria do torneio, veio na mesma época para São Paulo. Aproveitando uma folga na competição, os dois times argentinos formaram um “Combinado”, para enfrentar um “scratch” paulista.

Os argentinos usaram as camisas do Palmeiras, pois a rivalidade não permitia que usassem o uniforme de um dos dois clubes. Já o “Torneio dos Campeões”, foi decidido entre River e Vasco da Gama, que, tendo a vantagem do empate, sagrou-se campeão ao segurar um 0 X 0.

Em 1949, depois de uma greve de jogadores argentinos, que exigiam assistência médica para os familiares, um salário mínimo para a categoria e a extinção do passe, para serem livres para escolher onde gostariam de jogar, Di Stéfano foi parar no “Millonários”, de Bogotá. O atacante deixou o River Plate depois de ter marcado 49 gols em 66 jogos.

Junto dele foram para clube colombiano o ídolo Pedernera e seu ex-colega de River Plate, Néstor Rossi. A liga colombiana havia se transformado em um verdeiro “Eldorado”, atraindo os jogadores do continente que, embora fossem atletas profissionais, não costumavam ser bem pagos em seus países.

O Millonarios tinha dono, Alfredo Senior que havia resolvido lucrar com o esporte, aliciando os melhores atletas sul-americanos para jogar em sua equipe.

Os demais clubes colombianos agiam da mesma forma. Os jogadores peruanos foram para as equipes de Cali e Medellín; os paraguaios em Cúcuta, alguns brasileiros - como Heleno de Freitas e Tim -, em Barranquilla. Havia até jogadores britânicos, um deles, Charlie Mitten, deixou o Manchester United, para jogar no Independiente, de Santa Fe.

Por lá foram parar também, iugoslavos, italianos e húngaros. Na liga pirata, Di Stéfano foi campeão em 1951 e 1953, integrando o chamado “Ballet Azul”. A FIFA acabou com a festa, pois a Liga desrespeitava regulamentos da entidade.

Em 1952, o time do Millonários jogou uma partida amistosa com o Real Madrid, que celebrava o aniversário de 50 anos. Em pleno Estádio Chamartín (antigo estádio do Real Madrid), Di Stéfano marcou duas vezes na vitória por 4 X 2 dos sul-americanos e foi imediatamente contratado pelo Barcelona, outra equipe espanhola.

O argentino deixou o Millonarios como o maior artilheiro da história do time, totalizando 267 gols em 292 partidas. Além de títulos e artilharias na Colômbia, venceu com o clube também a “Pequena Taça do Mundo”, de 1953, chegando a marcar dois gols em um 5 X 1 sobre sua ex-equipe do River na competição.

Com Di Stéfano, o clube também abriu larga vantagem em títulos colombianos, cujos efeitos ainda perduram, sendo a equipe mais vencedora do campeonato nacional, mesmo não o conquistando desde 1988. Apenas em 2008 foi igualado pelo América, de Cali.

O Barcelona havia negociado a transferência com o River Plate, oficialmente o dono de seu passe. Já o Real Madrid, que também queria o jogador, negociou diretamente com o Millonários. Di Stéfano já havia participado de três amistosos pelo Barcelona, quando o Real Madrid passou a se considerar como dono da “joia rara”.

O ministro dos esportes, General Moscardo, quis ser mediador da situação, sugerindo que Di Stéfano jogasse por temporadas alternadas nos dois clubes, por quatro anos, começando pelo Real. O Barceliona não aceitou e o jogador ficou no Real Madrid. A partir daí acirrou-se a rivalidade entre os dois clubes.

Com Di Stéfano no time, o Real, que até então não era o maior vencedor do país, nem mesmo da cidade, tinha apenas dois títulos espanhóis, passou a conhecer novos tempos. Na primeira temporada com o argentino, o Real conquistou seu terceiro título nacional. Di Stéfano foi o artilheiro com 29 gols.

Depois o bi-campeonato e em 1955 a “Copa Latina”, o mais prestigiado torneio europeu de clubes na época, que reunia os campeões de Espanha, França, Itália e Portugal. Os espanhóis venceram os portugueses do Belenenses e, na final, os franceses do Stade de Reims.

Foi de 2000 a 2014 o presidente honorário do Real Madrid, clube cuja história de sucesso confunde-se com a dele: foi com ele em campo que o Real tornou-se o maior vencedor da cidade de Madrid, da Espanha e da Europa.

Foi responsável também por alimentar a rivalidade com o Barcelona, que não tinha a mesma expressão. Ele era presidente honorário também da UEFA, desde 2008.

Muitos jornalistas e torcedores, especialmente argentinos e espanhóis, consideram Di Stéfano o melhor jogador do século XX, melhor que Pelé e Diego Maradona. Entre eles, Joaquín Peiró, que jogou pelo Atlético de Madrid e dizia ser Di Stéfano o número 1. “Aqueles que o viram, viram. Aqueles que não o viram, perderam".  

Já Helenio Herrera, técnico do Barcelona, declarou que "se Pelé foi o violinista principal, Di Stéfano foi a orquestra inteira". O ex-presidente Ramón Calderón costumava dizer: "Ele fez a Espanha torcer pelo Real Madrid. E também foi ele que levou o nome do clube além das fronteiras".

O editor de esportes do jornal “As”, escreveu que "Para as crianças dos anos 1950, Di Stéfano era, acima de tudo, o som da vitória que se ouvia nas rádios. Seu nome ecoava como uma batida do coração associada sempre a uma sensação de vitória, transportando-nos ao Parc des Princes, San Siro ou Hampden Park".

Para Emilio Butragueño, ex-jogador e atualmente membro da diretoria, "a história do Real Madrid começa de fato com a vinda de Di Stéfano".

Já o próprio Di Stéfano esquivava-se de polêmicas e dizia que o melhor jogador que viu atuar, foi Adolfo Pedernera, astro do River Plate nos anos 1940.

Mas o seu grande ídolo na infância foi justamente aquele que ainda é o maior artilheiro da história do futebol argentino, o paraguaio Arsenio Erico, jogador do Independiente nos anos 30 e 40.

E salientava que uma das poucas mágoas na carreira foi não ter jogado uma Copa do Mundo, embora tenha atuado por seleções de três países. Pela Seleção Argentina atuou em seis partidas e marcou seis gols. Pela Colômbia jogou quatro vezes e não marcou nenhum gol. Em 1962 ia jogar pela Espanha, mas uma lesão o impediu de atuar.

Pela Seleção da Espanha, jogou 31 vezes, marcando 23 gols, sendo o seu maior artilheiro até 1990, quando foi superado por Emilio Butragueño.

Em 1963, ele chegou a atuar também pela “Seleção do Resto do Mundo”, que jogou um amistoso contra a Inglaterra, celebrativo do centenário da fundação da Football Association.

Mesmo com a falta de marcas mais expressivas pela Espanha, foi eleito o melhor jogador do país nos “Prêmios do Jubileu da UEFA”, nas comemorações dos 50 anos da entidade, em 2004.

Di Stéfano jogou no Real Madrid ao lado de craques como os hungaros Puskas e Kopa e os brasileiros Didi e Canário. Ele deixou o clube em 1964, insatisfeito após ser deixado no banco de reservas, depois que o clube perdeu a final da Copa dos Campeões para a Internazionale, de Milão.

Foi para o Español, de Barcelona. Lá, atuou ao lado de outro húngaro, László Kubala, curiosamente, outro jogador que tornou-se célebre por defender três países.

Di Stéfano jogou duas temporadas pelo Español, até encerrar a carreira, aos 40 anos, com mais de 800 gols marcados e uma incrivel coleção de troféus. Decidiu por deixar os gramados apenas por pedido do filho, quando soube por este que seria avô.

Em 1966, voltou a vestir a camisa do Real Madrid para um jogo de despedida, em amistoso contra os escoceses do Celtic.

Depois de um ano fora dos gramados, Di Stéfano resolveu se tornar técnico. Começou pelo pequeno Elche. Seu primeiro título na nova fuinção foi no Boca Juniors, em 1969. O clube também ganhou naquele ano a Copa Argentina.

Dois anos depois, em 1971, seria campeão nacional novamente, agora na liga espanhola, pelo Valencia. Foi nesse clube que Di Stéfano teve mais sucesso como treinador.

Treinou ainda o Espanhol , Sporting, de Lisboa, Rayo Vallecano, Castellón, sem conseguir títulos, River Plate e Real Madrid. Até hoje é o único técnico campeão argentino tanto com o Boca quanto com o River.

Até 2009, quando foi superado por Raúl, Di Stéfano era o maior artilheiro da história do Real Madrid, em jogos oficiais, com 307 gols. O novo recordista precisou de 685 jogos para atingir a marca, enquanto o argentino necessitou de apenas 371 jogos.

Em 2006, o clube, que o nomeara seu presidente de honra em 2000, voltaria a homenageá-lo, batizando de “Estádio Alfredo Di Stéfano” o campo multiuso da “Ciudad Real Madrid”, o centro de treinamento da equipe.

A inauguração do estádio, utilizado pelo Real Madrid Castilla (a equipe B do Real), ocorreu em amistoso contra o Stade de Reims, a equipe batida pelos blancos com Di Stéfano em três finais internacionais na década de 1950. O Real também colocou o nome de “La Saeta” ao avião particular usado por sua delegação.

Di Stéfano foi casado com Sara Freites Varela, com quem viveu por 55 anos até a morte desta, em 2005, e com ela teve seus seis filhos: Nanette, Silvana, Alfredo, Elena, Ignacio e Sofía. Ele esteve perto de falecer no mesmo ano, tendo sofrido um ataque cardíaco. Afirmou que desde então passou a cuidar melhor da saúde; já havia parado de fumar em 2000 e a única bebida alcóolica de consome era o vinho, socialmente.

Também bebia uma cerveja sem álcool da qual tornou-se garoto propaganda e evitava doces. Em 2013, aos 86 anos, manifestou sua intenção de casar-se novamente, com uma moça 50 anos mais jovem: sua secretária Gina González, uma costa-riquenha de 36 anos. A respeito, declarou não se importar com eventual oposição dos filhos, e desejava que o presidente do Real Madrid, Florentino Pérez, fosse um padrinho da cerimônia.

Um tribunal decidiu que os filhos do ex-jogador ficariam responsáveis pela gestão do património. Desde esse dia a noiva não apareceu mais.

Títulos conquistados como jogador: River Plate. Campeão Argentino (1945 e 1947); Millonarios. Campeão Colombiano ( 1949, 1951, 1952 e 1953); Copa Colômbia (1953); Pequena Taça do Mundo (1953); Real Madrid. Campeão Espanhol (1954, 1955, 1957, 1958, 1961, 1962, 1963 e 1964); Copa Latina (1955 e 1957); Liga dos Campeões da UEFA (1956, 1957, 1958, 1959 e 1960); Pequena Taça do Mundo (1956); Copa Intercontinental (1960); Copa da Espanha (1962). Seleção Argentina. Campeão Sul-Americano (1947).

Como treinador. Boca Juniors. Campeão Argentino (1969); Campeão Nacional (1970); Copa Argentina (1969); Valência. Campeão Espanhol (1971); Campeão Espanhol da Segunda Divisão (1987); Recopa Europeia (1980); Supercopa Europeia (1980); River Plate. Campeão Argentino (1981); Real Madrid. Supercopa da Espanha (1990).

Individuais; Artilheiro do Campeonato Argentino (1947, com 27 gols), Artilheiro do Campeonato Colombiano (1951, com 31 gols)(e em 1952, com 19 gols); Artilheiro do Campeonato Espanhol (1954, com 27 gols – 1956, com 24 gols – 1957, com 31 gols – 1958, com 19 gols e 1959, com 23 gols); Artilheiro da Copa Europeia (1958, com 10 gols); Ballon d'Or (1957 e  1959); Prêmios do Jubileu da UEFA; FIFA 100; 3º Maior jogador Sulamericano do século XX pela IFFHS (1999); 4º Maior jogador do Mundo do Século XX pela IFFHS (1999); 4º Maior jogador do século XX pela revista - France football (1999) e 2º Maior Jogador do Século XX pelo Grande Júri FIFA (2000). (Pesquisa: Nilo Dias)

Di Stéfano, com a camisa do River Plate.