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quinta-feira, 21 de novembro de 2013

O centenário do "Nho Quim" (I)

O Esporte Clube XV de Novembro, da cidade de Piracicaba (SP) foi fundado no dia 15 de novembro de 1913. A ideia de criar um clube de futebol na cidade nasceu bem antes. Em 1910 Piracicaba, com pouco mais de 40 mil habitantes, era conhecida como a “Pérola Paulista”, em razão do alto nível intelectual da sua população. A cidade também era importante produtora de café, cana de açúcar e aguardente.

Nessa época o futebol amador da cidade era comandado por duas das mais tradicionais famílias piracicabanas, “Pousa” e “Guerrini”. Os “Pousa” cuidavam da melhor maneira possível do Esporte Clube Vergueirense, enquanto o rival 12 de Outubro era a “menina dos olhos” dos “Guerrini”.

Mas a rivalidade existente não foi obstáculo para que as duas famílias se entendessem no sentido de formarem um único clube bem mais forte e estruturado na cidade. Aconteceu, então, uma reunião preliminar no dia 25 de outubro de 1913, quando foi convidado o cirurgião dentista e capitão da Guarda Nacional, Carlos Wingeter, para ser o primeiro presidente do clube.

Para aceitar o convite, Wingeter fez uma única exigência: que o nome da agremiação fosse XV de Novembro, para homenagear a data da “Proclamação da República”, o que não foi visto como qualquer empecilho. E em uma segunda reunião ocorrida dia 15 de novembro, finalmente foi fundado o Esporte Clube XV de Novembro.

Seguiram-se decisões de praxe, como a escolha dos demais dirigentes, cores do fardamento, exigências para angariar sócios, escolha de local para treinos e jogos e coisas do gênero. O clube continuou amador em seus primeiros anos de vida.

No ano de 1914, exatamente no dia 12 de outubro, o XV conquistou o título de campeão da cidade ao derrotar a Associação Esportiva Piracicaba, por 3 X 2. Cada vez ganhando maior prestigio, em 1918 filiou-se a Associação paulista de Esportes Atléticos,passando a disputar os campeonatos do Interior, obtendo os títulos de campeão regional e vice-campeão estadual em 1920.

No ano de 1932, jogando em São Paulo, no campo da extinta A.A. São Bento, na antiga “Floresta”, venceu o Cravinhos F.C. por 2 X 1 e conquistou o título de “Campeão do Interior” de 1931. O time formou com: Alcides Ferreira – Mônaco e Petrônio – Venerando – Moacir e Roque – Alcides Camargo – Nenzo Áureo –Godoizinho e Leme.

Anos depois, em 1948, já como clube profissional, o XV conquistou seu primeiro título na categoria, campeão da “Segunda Divisão do Campeonato Paulista”, que corresponde à atual Série A2. Com isso ganhou o direito de enfrentar no ano seguinte, às equipes da elite do futebol paulista.

No dia 12 de setembro de 1948 o XV de Novembro foi até a cidade de Campinas, como convidado para o jogo de inauguração do “Estádio Moisés Lucarelli”, da A.A. Ponte Preta, o seu mais tradicional rival. Mesmo com a expectativa criada pela torcida campineira de uma provável vitória da “Macaca”, quem fez a festa foi o XV, ganhando o jogo por 3 X 0.

Mas foi a Ponte Preta que quase abriu o marcador. Aos 7 minutos do primeiro tempo, Gaspar bateu um pênalti e colocou a bola para longe do gol. Como quem não faz, leva, o jogador Sato, do XV, teve a honra de marcar o primeiro gol no novo estádio, aos 17 minutos iniciais. “Gatão”, de pênalti fez 2 X 0 e Henrique fechou o marcador. A Ponte ainda teve novo pênalti a seu favor, novamente desperdiçado, dessa vez por “Gaiola”, que jogou a bola para fora.

A Ponte Preta mandou a campo: Serafim - Sapatão e Alcides – Nego - Gaspar e Rodrigues – Damião – Gaiola – Vicente - Armandinho e Oliveira. O XV goleou com: Ari – Elias e Idiarte – Cardoso - Strauss e Adolfinho - De Maria – Sato – Picolino - Gatão e Henrique.

Os torcedores mais antigos do XV de Novembro falam de um “gol impossível, que virou lenda” e que nem Pelé ou Maradona teriam feito. Aconteceu no dia 28 de agosto de 1949, no empate de 2 X 2 com o Santos, no “Estádio Roberto Gomes Pedrosa”, em Piracicaba.

Faltavam três minutos para o fim do jogo e o XV perdia por 2 X 1. Houve um escanteio e o ex-atacante José Maria Cervi, o “Russo”, hoje advogado e com 86 anos, bateu na bola e foi correndo para a área pegar o rebote. Mas estava ventando um pouco. Quando viu, antes de a bola bater em alguém, cabeceou e caiu com ela dentro do gol.

O único gol desse tipo registrado em vídeo só mesmo na ficção. “Didi Mocó”, personagem de Renato Aragão, bateu o escanteio e cabeceou em "Os Trapalhões e o Rei do Futebol (1986)", que teve a participação de Pelé.

“Russo”, diz que não está esclerosado e que o lance realmente aconteceu. Sobre a notícia de um gol semelhante marcado em 1954 pelo “Nueva Chicago”, de Buenos Aires, ele afirma que é “invenção de argentinos invejosos".

O que não falta são testemunhas para dizer que a história é verdadeira. “Cada um conta uma história, mas muita gente na cidade viu. O campo era pequeno, a bola, de capotão, mais influenciável pela ação do vento", diz o historiador do XV de Piracicaba, Rui Kleiner.

O presidente atual, Celso Christofoletti garante que houvia essa história desde os 10 anos de idade, quando começou a ir aos jogos do XV. O pai dele contava sempre que estava no estádio e que era verdade.

O jornalista da TV Globo Léo Batista, hoje com 81 anos, era narrador de uma rádio de Piracicaba, e diz ser testemunha da história. Confirmou o fato e afirma que os jogadores do Santos queriam matar o árbitro inglês, Mr. Snape, que deveria ter anulado o gol, pois o jogador do XV deu dois toques seguidos na bola, o que a regra do futebol não permite.

Já o relato da partida no jornal "Folha da Manhã", criado em 1925, desmente o feito. Segundo a reportagem, “Russo” realmente fez o gol de empate, mas quem cobrou o escanteio foi o jogador “Gatão”.

Para o professor Francisco Eduardo Guimarães, do "Instituto de Física da USP", não dá para falar que é mentira, mas precisa de uma mágica muito grande. “Se aconteceu foi graças ao vento e ao efeito da bola”.

Os anos de 1952 e 1958 foram os melhores do time na Divisão Principal, atual Série A1, quando alcançou até um quinto lugar, atrás somente dos “grandes”: São Paulo, Palmeiras, Corinthians e Santos.

Nos anos 60 as boas campanhas não se repetiram e o XV acabou sendo rebaixado em 1965. Mas ficou somente um ano na Segundona, já que foi vice-campeão da competição e retornou ao grupo principal.

Fortalecido, o clube tornou a fazer boas campanhas no “Paulistão”, culminando em 1976 com o vice-campeonato estadual, perdendo na final para o Palmeiras. Tendo em vista o excelente desempenho do time no “Campeonato Estadual”, o presidente da Confederação Brasileira de Desportos (CBD), atual CBF, almirante Heleno Nunes, convidou o XV a participar do “Campeonato Brasileiro” de 1977.

Nesse certame o maior feito do XV foi uma vitória de 1 X 0 sobre o Flamengo, do Rio de Janeiro, em jogo realizado no dia 7 de dezembro de 1977. Fazia 30 anos que o clube carioca não jogava em Piracicaba. A última visita do rubro-negro na cidade havia ocorrido em 10 de abril de 1947, quando enfrentou o XV no amistoso de inauguração dos refletores do estádio alvinegro. Na oportunidade, o Flamengo venceu por 4  X 2.

O jogo de 1977 foi disputado debaixo de muita chuva e o Flamengo não conseguiu furar a defesa do XV, liderada pelo goleiro Getúlio.  No rubro-negro da “Gávea” despontavam grandes valores como Osni, Claudio Adão, Luiz Paulo, Paulo César Carpegianni e Adílio.

O gol do XV poderia ter ocorrido logo aos 21 minutos, quando Brito aproveitou rebote do goleiro Cantarelli e mandou a bola para o gol. No entanto, após grande confusão na área, o árbitro Rubens Maranhão mandou a jogada seguir, deixando de assinalar o primeiro gol do alvinegro.

Apesar do erro de arbitragem, a justiça foi feita aos 45 minutos do segundo tempo, quando Nardela marcou para o XV. Em mais um erro da arbitragem, na súmula constou equivocadamente o nome de Roberto como autor do gol.

A vitória do alvinegro foi fundamental para a classificação do time piracicabano para a terceira fase do campeonato, ficando na frente da forte equipe do Cruzeiro (MG), que somou o mesmo número de pontos, mas perdeu nos critérios.

O jogo teve a segunda melhor renda em jogos no “Barão de Serra Negra” naquele ano. O público total foi de 17.800 expectadores, com renda de Cr$  580.350. A partida poderia ter recebido público ainda maior, mas as fortes chuvas que atingiram a cidade naquele dia afastaram muitos torcedores.

XV de Piracicaba: Getúlio – Volmir – Elói - Ivã e Almeida – Vadinho - Nardela e Perrela – Brito - Alcides e João Paulo (Roberto Cruz). Técnico: Dema. Flamengo: Cantarelli – Toninho – Rondinelli - Nélson e Júnior – Merica - Paulo César Carpegianni e Adílio - Osni (Ramires) - Cláudio Adão e Luiz Paulo. Técnico: Jaime Valente.

O XV de Piracicaba terminou a competição na 22ª colocação, após chegar até a terceira fase do Campeonato, que terminou com título do São Paulo Futebol Clube.

No “Brasileiro” de 1979 o time classificou para a segunda fase e ficou na “Chave H”, considerada muito forte, com Grêmio (RS), Flamengo (RJ), Londrina (PR), Bahia, Náutico (PE), Santa Cruz (PE) e Gama (DF). O XV se classificou ao lado do Flamengo, para a fase seguinte da competição.

Os dois ficaram empatados com o mesmo número de pontos, mas o clube carioca foi primeiro pelo saldo de gols, 12 contra 10. O destaque da campanha foi a goleada de 3 X 0 sobre o Grêmio, dia 11 de novembro de 1979. O XV foi 13º colocado na competição. (Pesquisa: Nilo Dias)

José Maria Cervi, o "Russo", hoje com 86 anos, garante que o lance do "gol impossível", realmente aconteceu. (Foto: Jornal "Folha de São paulo)