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quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

“Popó” o primeiro ídolo do futebol baiano


O primeiro ídolo do futebol baiano foi o negro Apolinário Santana, mais conhecido por “Popó”, que brilhou nos gramados da “boa terra” nos anos 20 e 30. Seu nome é lembrado até hoje, pois foi um dos raros jogadores de futebol que se tornou nome de ruas em cidades baianas.

Uma delas fica no bairro do Engenho Velho da Federação, um dos maiores agrupamentos de afrodescendentes de Salvador e liga a Cardeal da Silva ao fim de linha do antigo bairro. Tem status de avenida entre os moradores, e é a principal e mais movimentada da localidade.

Ali, provavelmente numa das travessas que também levam o seu nome, “Popó” teria morado durante muito tempo. Talvez por isso tem o nome reconhecido por qualquer residente da área. Ninguém o confunde com o pugilista homônimo. "Um grande jogador do passado", afirmam os mais jovens. Somente perguntando a um e a outro, é possível encontrar pessoas que tiveram ligação com Apolinário

Foi bicampeão estadual jogando pelo Ypiranga, numa época em que o popular clube da capital acolhia artesãos, soldados, comerciários e estivadores negros, escandalizando a alta sociedade local do Corredor da Vitória, reduto dos primórdios do futebol baiano.

Em vista da crise que se instalou, o Sport Club Victoria, que representava a alta burguesia, retirou-se da Liga, que era conhecida por “Liga dos Brancos”, já que os atletas pioneiros do futebol baiano, eram jovens de cor branca, que resolveram fundar times essencialmente baianos, para se oporem às equipes de ingleses, fechadas em suas chácaras ou “cantonments”. O clube ficou pito anos afastado, pois não aceitava a “mistura étnica”.

O fato do Ypiranga aceitar negros e pobres em sua equipe, fez com que fosse chamado de “Clube do Povo”, e por essa razão escolhido por Popó, que em pouco tempo se tornou o maior ídolo da torcida, a maior que comparecia ao “Campo da Graça”, estádio onde os jogos eram realizados. O Ypiranga só deixou de ser o time de maior torcida, depois da fundação do Esporte Clube Bahia, em 1931.

Não demorou para que a fama de “Popó Baiano”, como era conhecido, ultrapassasse as fronteiras da Bahia, em razão de sua capacidade de realizar difíceis manobras com a bola nos pés, além de jogar em diversas posições com o mesmo desempenho e qualidade.

“Popó” foi tema de um livro de autoria do jornalista Aloildo Pires, que entre os anos de 1997 e 2002 manteve no Jornal “À Tarde”, a coluna “Memória do futebol”. Ao perceber a importância do jogador, chegou a evitar tratar de Apolinário nas matérias, para garantir material para o seu livro.

Só depois viu que se tratava de inesgotável fonte de histórias e curiosidades. Uma delas aconteceu com o próprio autor. "Em meados dos anos 70, quase duas décadas depois da morte do jogador, lembrou que sua sogra, ao jogar futebol com a sua filha, de apenas 2 anos, gritava: “Chuta, “Popó!” Chuta!".

Em 23 de julho de 2006, o jornal “Correio da Bahia”, em seu “Caderno Repórter”, publicou uma reportagem intitulada “Apolinário está vivo”, em que conta a vida do grande craque.

Também foi tema de versos do livro de Cordel “Historietas do futebol baiano”, de autoria de Edson Bulos, lançado em 1997. Talvez “Popó” seja um dos poucos jogadores de futebol do inicio do século passado, a ser lembrado ainda de forma marcante.

Outro jogador lembrado é o célebre atacante “Dois Lados”, mais por ter sido companheiro de “Popó” na Seleção Baiana. Da mesma forma, “Mica” e “Nebulosa”, que completavam a linha média da seleção de 1922. Mas somente o mito de Apolinário está presente em histórias lendárias e escritos heroicos do imaginário popular.

O campeonato baiano de 1920, o primeiro organizado pela Liga Bahiana de Desportes Terrestres (LBDT), disputado no “Campo da Graça” ou “Stadium da Bahia”, que fora inaugurado naquele ano, teve o Ypiranga como campeão. Um jogador se destacou na conquista, João Manuel da Silva, o “Dois Lados”, como era conhecido por ser magro e quase esquelético.

Fora dos gramados era soldado do Esquadrão de Cavalaria da Policia Militar da Bahia. Tratava-se de um jogador de rara técnica e de dribles e jogadas eletrizantes. Era o ídolo maior do futebol da Bahia naquela época. Seu grande momento aconteceu no dia 19/12/1920, quando o Ypiranga entrou em campo para buscar o titulo daquela temporada.

A Associação Atlética precisava vencer a partida. Mesmo jogando pelo empate o Ypiranga tomou a iniciativa do ataque e com seu quinteto ofensivo comandado pelo celebre Soldado da Cavalaria, que fez toda a jogada do gol de seu time, ao driblar dois adversários e tocar a bola com maestria para o fundo da meta do goleiro Aragão.

Nas comemorações na sede do clube regada a muita gasosa de limão e quitutes variados, “Dois Lados” teve o pé que marcou o gol do título banhado com champagne francês para delírio dos presentes no Clube Comercial da Bahia, no Centro da Cidade.

“Dois Lados” jogou até 1925 pelo Ypiranga e depois caiu no esquecimento de todos. Em 1931 saiu uma noticia publicada no Jornal “A Tarde”, informando que ele estava desempregado, cego e mendigando pela ruas da cidade.

A partir dai houve uma grande campanha de solidariedade, que se encerrou em 1932 com um belo saldo, que permitiu ao ex-jogador comprar uma casa na “Curva Grande do Garcia”, no centro da cidade, mobiliada com uma mesa de jantar com seis cadeiras e um guarda comidas.

O craque do passado, com esta ajuda pode trazer alguns parentes do interior da cidade de Castro Alves. No dia 1 de junho de 1954 “Dois Lados” faleceu, mais deixou registrado seu nome como um dos destaques do inicio do futebol na Bahia.

Nos primeiros tempos do futebol baiano, quando ainda não havia o Ba-Vi, os clássicos eram disputados entre o Botafogo de Salvador, Ypiranga e depois o Galícia. Quando do surgimento do Bahia, no final da década de 30 e inicio da de 40 o jogo entre Bahia e Galícia era comparado ao Fla-Flu no Rio de Janeiro.

Até meados da década de 10 não tinha nenhuma grande rivalidade futebolística no Estado. Esta passou a se acirrar a partir do ano de 1917 quando Ypiranga e Botafogo dominavam o futebol baiano, com suas conquistas alternadas.

De 1917 a 1930 apenas duas agremiações, fora Botafogo e Ypiranga, venceram o campeonato baiano: a Associação Atlética da Bahia e o Clube Bahiano de Tênis. Os outros títulos ou eram do Botafogo ou do Ypiranga.

A rivalidade que começou no Ground do Rio Vermelho logo se transferiu para o então inaugurado Campo da Graça que tinha uma capacidade para 7.000 pessoas e 100 vagas para automóveis, como nos drive-in.

Com uma linha média formada por Mica, Nebulosa e Hercílio e uma linha de ataque formada por Lago, Popó, Dois Lados, Matices e Cabloco, o Ypiranga assombrava com goleadas de quatro, cinco, seis e até mesmo de dez gols. Em 1930 o Ypiranga aplicou uma sonora goleada no Democrata F.C. por 16 X 0, com Pelágio marcando 6 vezes e Popó 4 vezes.

Já o Botafogo também tinha uma linha media espetacular, formada por Serafim, Tenente e Chico Bezerra, e um ataque vigoroso formado por Tatuí, Macedo, Manteiga, Seixas e Pelego.

O principal jogador botafoguense era Manteiga, que foi o principal nome na vitória do Botafogo sobre o Fluminense carioca, em 12 de abril de 1923, quando marcou os dois gols de sua equipe.

É de se estranhar, porém, que o nome de “Popó” tenha praticamente sido apagado da memória do Ypiranga. Nos livros do clube e em suas atas, não existe o menor registro sobre a brilhante passagem de Apolinário Santana pelo clube da Vila Canária. O Ipiranga busca se reerguer e voltar ao seu passado de glórias.

Pena que sua história tenha se perdido em desastrosas administrações anteriores, levando junto às façanhas do grande jogador, o “Craque do Povo”. É incrível que nenhum jogador, nem mesmo o próprio presidente do clube conheça os feitos extraordinários do seu maior craque.

O pouco que resta está nas coleções dos antigos jornais baianos, como “A Tarde”, que em sua edição de 26 de setembro de 1994, em matéria intitulada “Lembranças de Popó”, transcreve cantiga de quadrilha junina, entoada na Salvador do início do século. O termo "melar" significa "drible", na linguagem da quadrinha: "Chuta, chuta, Popó chuta/Chuta por favor/Mela, mela, mela, mela/Mela e lá vai gol".

Se o próprio Ypiranga desconhece a história de seu maior jogador, os torcedores mais antigos do Fluminense, do Rio de Janeiro, sabem muito bem de quem se trata. Em exibição histórica no dia 15 de abril de 1923, no Campo da Graça, “Popó” marcou todos os gols da vitória por 5 X 4 sobre o "Pó-de-Arroz".

Em telegrama enviado por dirigente tricolor ao Rio de Janeiro, via-se escrito de forma lacônica: "Popó 5 X 4 Fluminense", manchete de jornal carioca no dia seguinte. Por muitos anos o nome de “Popó” foi lembrado no estádio das Laranjeiras, no Rio.

Qualquer jogador visitante que se destacasse contra o Fluminense, era chamado de ”Popó", lembra o historiador esportivo Normando Reis. Aquele jogo histórico e todos os outros que o Fluminense realizou na visita a Salvador, foram filmados por produtora cinematográfica e exibidos no Cine Teatro Politeama, na época.

Passados décadas da sua morte, antigos admiradores do ex-jogador, fundaram em sua homenagem, na Ladeira da Fonte das Pedras, perto do “Estádio Fonte Nova”, o clube de várzea “Popó Baiano”, que por muitos anos disputou competições amadoras em Salvador.

Mesmo com toda a reverência popular ao seu nome, apenas em 2002 se deu a ele um raro reconhecimento oficial. O troféu de “Campeão Baiano” daquele ano, entregue ao Vitória, levou o nome de “Apolinário Santana”. (Pesquisa: Nilo Dias)