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quinta-feira, 29 de agosto de 2013

O homem que não quis Pelé no seu time


Na do Mundo de 1958 na Suécia, a primeira vencida pelo Brasil, duas músicas foram criadas para comemorar a vitória do Brasil, caso a seleção saísse vitoriosa no confronto contra a Suécia. As composições tinham por títulos “Escola de Feola, de Luís Queiroga, interpretada pelo grupo os 3 Boêmios, e “Brasil campeão do mundo”, de Nelson Ferreira e Aldemar Paiva, com a Orquestra e Coro Mocambo.

A responsável pelas gravações foi a “Rozenblit”, uma das mais importantes gravadoras nacionais, que existiu entre as décadas de 1950 e 1980, em Recife. Fundada no começo dos anos 1950 por José Rozenblit, a gravadora que levava seu sobrenome também era uma fabrica de discos e teve filiais no Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul. Rosemblit ganhou notoriedade nos anos 50, quando era diretor do Sport Club Recife e não quis contratar Pelé por empréstimo.

José Rozenblit nasceu em 1927, no bairro da Boa Vista, em Recife. Seu sobrenome, assim como sua origem judaica, provém da Romênia. Rozeblit significa, num dialeto romeno, “Rosa de Sangue”.

Depois de uma viagem aos Estados Unidos, Rozenblit decidiu ingressar no mercado musical. Tudo aconteceu após conhecer Mr. Siegel, dono da pequena gravadora Mercury, que o incentivou a entrar no ramo do disco. Dois anos depois ele estaria distribuindo no Brasil o catálogo da Mercury.

A loja do pai, localizada na Rua da Palma, no centro do Recife, serviu, a princípio, de vitrine para expor seus discos. Sua viajem aos EUA havia lhe rendido à bagagem cerca de dois mil dólares em álbuns, que em pouco tempo ele passaria a importá-los regularmente.

A primeira casa de Rosemblit, “Lojas bom Gosto”, era um estabelecimento moderno, localizado próximo a ponte que liga os bairros de Santo Antônio e Boa Vista. Lá, o cliente dispunha de seis cabinas, onde podia ouvir os álbuns antes de comprá-los ou não. Havia ainda uma cabina especial de gravação, onde o cliente podia gravar jingles ou sua voz em acetato – algo raro no país.

A Loja não se limitava apenas a venda de discos, também comercializava eletrodomésticos e móveis modernos. Mas eram os vinis, os grandes responsáveis pela fama conquistada na cidade. O local ainda recebia artistas plásticos locais, que expunham seus trabalhos no espaço físico da loja.

Um fato no mínimo curioso aconteceu na campanha presidencial de 1950, que está publicado no livro “Do Frevo ao Manguebeat”, de José Teles, pela Editora 34, ocorrido na cabina de gravação da “Lojas Bom Gosto”. O ex-presidente Getúlio Vargas foi a Pernambuco, onde pretendia realizar intensa programação de comícios pelo interior do Estado.

Mas como foi surpreendido com uma forte gripe, teve de ficar acamado no Recife. Foi quando alguém teve a idéia de instalar no Grande Hotel, onde a comitiva de Vargas estava hospedada, o mini estúdio da loja de Rosemblit, possibilitando ao candidato gravar seus discursos em 160 “bolachões” de acetato, imediatamente enviados às emissoras de rádio do interior de pernambucano. Getúlio Vargas se constituiu no primeiro nome nacional lançado por Rozenblit.

Em 1953 começou a se delinear o que seria a primeira gravadora pernambucana, e a mais importante que já funcionou fora do Sudeste: a Fábrica de Discos Rozenblit, mais lembrada pelo seu principal selo, o “Mocambo”. O surgimento da “Rozenblit” aconteceu quando José Rozenblit decidiu lançar um disco com uma música que lhe agradou, o frevo-canção “Boneca”, de José Menezes e Aldemar Paiva.

Ele bancou o disco, gravado no precário estúdio da Rádio Clube de Pernambuco, com Claudionor Germano acompanhado pela Jazz PRA-8, regida por Nelson Ferreira, autor de “Come e dorme”, frevo-de-rua que está no lado B do disco pioneiro. Prensado na Sinter, no Rio, esse 78 rpm inaugural vendeu o suficiente para José Rozenblit acalentar o sonho de construir uma fábrica de discos no Recife

Foi em 1954 que José Rozenblit criou com seus irmãos, no Recife, uma das mais importantes fábricas de discos do Brasil: a Fábrica de Discos Rozenblit. Até então, o frevo pernambucano era gravado pela RCA-Victor. A partir deste momento, a fábrica dos Rozenblit assumiu este papel e passou a cuidar da produção local e regional, inclusive, vez por outra, também produzia alguma coisa do eixo Rio-São Paulo.

Em 1955 a “Rozenblit” já estava funcionando com a carga toda. Embora tivesse um variado catálogo, com música nacional e estrangeira, o frevo era privilegiado em seus suplementos. Os discos eram lançados em pelo menos três meses antes do Carnaval e boa parte da tiragem era distribuída para divulgação, nos jornais e principais emissoras brasileiras.

O frevo teve o seu apogeu durante os tempos da “Rozenblit”. Claudionor Germano, que até então era intérprete de músicas românticas, tornou-se o mais conhecido cantor de frevo, ao lado de Expedito Baracho, que saiu da seresta. Depois da “Rozemblit” o frevo passou a ser menos tocado nas emissoras de rádio de Pernambuco.

Naquela época o “bolachão” em 78 rpm rendia uma tiragem modesta, de apenas 2.500 cópias. Ainda assim a “Rozenblit” abriu filiais no Rio, São Paulo e Porto Alegre e lançou artistas como Zé Ramalho e Tom Zé e sucessos de grandes compositores como Pixinguinha, Tom Jobim e Ary Barroso.

A indústria também foi responsável por muitos sucessos internacionais, graças as parcerias com gravadoras estrangeiras como Mercury, Barclay e Kapp entre outras. As matrizes de discos estrangeiros eram compradas, prensadas e embaladas e, dessa forma, a “Rozenblit” lançou no Brasil artistas como Steve Wonder, Diana Ross e Louis Armstrong.

A fábrica de discos ainda se dedicou a gravar vozes de escritores pernambucanos, ora em prosa ora em versos, a exemplo de Gilberto Freyre, Ascenso Ferreira e Mauro Mota. A marca visual dos discos da “Rozenblit “ teve vários selos de identificação. O mais conhecido foi o “Mocambo”, utilizado desde 1953. Outros selos utilizados foram: “Passarela”, “AU” (Artistas Unidos), “Arquivo” e “Solar”.

Rozenblit, junto de seus irmãos, investiu pesado nos artistas da cena musical recifense, pernambucana e nordestina, contribuindo na difusão de estilos regionais como o samba-enredo, a ciranda, o maracatu, o carimbó e principalmente o frevo. O estádio da gravadora era capaz de comportar orquestras sinfônicas inteiras e seu parque gráfico era tido como um dos mais bem equipados da região.

Era tido como empreendedor cultural, um empresário bem articulado e com boa visão de mercado. Conseguiu enxergar as riquezas culturais que temos em nosso quintal e transformou-as em produtos de mercado, lançando artistas por todo o Brasil, principalmente na região nordeste.

Coube a “Fábrica Rozenblit” o pioneirismo de gravar um disco do bloco “O Bafo da Onça”, um dos mais conhecidos do carnaval carioca. No fim da década de 1960, gravou ao vivo as 12 músicas classificadas do II Festival de Música Popular Brasileira promovido pela TV Record, São Paulo. Entre elas: “Disparada”, de Geraldo Vandré, e “A Banda”, de Chico Buarque.

O maior sucesso nacional da Rozenblit, entretanto, foi o frevo “Evocação nº 1”, de Nelson Ferreira, seguido da marcha-rancho “Máscara Negra”, de Zé Keti e Pereira Matos, e “Maria Betânia”, de Capiba.

"A Rozenblit” foi a primeira a ter uma máquina offset no Recife. As capas da gravadora não ficavam a dever nada para as concorrentes do Rio e São Paulo. Na história das capas de disco no Brasil, pouco se fala no pioneirismo da gravadora pernambucana que, entre outras novidades, foi a primeira a lançar álbuns duplos. O primeiro foi exatamente na série “Recife, capital do frevo”, com um LP contendo frevos-de- rua e de bloco, e o outro formado por frevos-canção.

Naquela época, o complexo fonográfico contava com 190 funcionários, o que dava uma agilidade maior no lançamento dos discos. Mas nada como o que aconteceu naquela Copa. Rozenblit tinha tanta confiança na Seleção Brasileira, que ordenou aos seus funcionários estarem na fábrica meia-hora depois do jogo, em caso de vitória frente os suecos.

Com o título assegurado o pessoal pegou firme, trabalhando sem parar, o que possibilitou as rádios do Recife apresentarem as duas composições, a partir das 16h daquele dia 29 de junho de 1958.

Aproveitando o momento e numa excelente jogada de marketing, a “Rozenblit” ainda ofereceu um mimo aos jogadores, constando de compactos personalizados com a foto de cada um dos jogadores daquela seleção. Os brindes foram entregues aos jogadores e à comissão técnica, durante almoço realizado no Clube Português do Recife, na primeira parada da seleção no Brasil, na volta da Europa.

A primeira fábrica de discos existente no Brasil foi a Odeon, trazida pelo imigrante tchecoslovaco, de origem judaica, Frederico Figner, instalada no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro. Ela foi líder na categoria até 1924, quando surgiu o processo de gravação elétrica,  criado pela “Victor Talking Machine”, que constituiu-se em uma revolução na história da indústria fonográfica.

Assim surgiram os discos de 78 rotações por minuto, que reinaram até a década de 1960, quando foram substituídos pelos long playing, que quer dizer longa gravação, contendo entre quatro e doze músicas. No período de 1930 a 1960, o número de fábricas fonográficas no Brasil passou de três, Odeon, Victor e Colúmbia, para 150.

Segundo o Jornal do Comércio, a fábrica pernambucana chegou a ter 22% do mercado nacional e 50 % do regional, entre 1959 a 1966. Mas fechou em 1966, não suportando os interesses das multinacionais e as seis enchentes que devoraram suas instalações, inclusive a sua gráfica.

Fora da música, José Rozemblit foi diretor do Sport Club Recife, seu time do coração, mas não teve um desempenho que merecsse elogios. Ele entrou definitivamente para a história do futebol pernambucano, brasileiro e mundial, porque foi o responsável pela
não ida de Pelé para o seu clube.

No dia 5 de novembro de 1957, ele recusou a oferta de empréstimo de quatro meses de um jogador do Santos, porque o atleta tinha apenas 17 anos de idade e era desconhecido. O garoto era nada mais, nada menos que Édson Arantes do Nascimento o Pelé. Neste dia, Rosemblit e o Sport cometeram um erro histórico. Tão surreal que acabou virando um “causo”.

Sorte do Santos e do próprio Pelé, pois sete meses depois ele conquistaria a Copa do Mundo de 1958 pela Seleção Brasileira. A história é comprovada por um telegrama guardado no museu do Sport com a oferta do Santos. Ninguém consegue imaginar que  algum time do mundo pudesse um dia recusar ter Pelé no seu elenco. O Sport Club Recife fez isso, pois queria o empréstimo do jogador Olavo, que estava em grande momento.

O Presidente Modesto Roma negou o empréstimo de Olavo e ofereceu o "garoto Pelé, de muito futuro". O Sport após algumas negociações recusou o jogador. Os telegramas históricos que marcaram os entendimentos integravam o arquivo do Clube, mas passaram de mãos em mãos, após a consagração de Pelé, e desapareceram. (Pesquisa: Nilo Dias)

 José Rozemblit, "agradeceu" e não quis Pelé no Sport.