Boa parte de um vasto material recolhido em muitos anos de pesquisas está disponível nesta página para todos os que se interessam em conhecer o futebol e outros esportes a fundo.

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

O forte futebol colonial de Pelotas

Eu conheci muito bem o futebol colonial de Pelotas, porque fui treinador campeão pela Associação Esportiva Aliados, de Monte Bonito, time dos irmãos Wilson Carvalho, Gilmar Carvalho e Sulmar Carvalho, todos filhos do presidente do clube, na época, o senhor Mário Carvalho.

E também por ter participado do time denominado “Cracões da Bola”, que foi organizado pelo hoje repórter esportivo, em Porto Alegre, João Antônio Garcia.

Naquele tempo ele era apresentador de um programa dedicado ao futebol colonial na Rádio Cultura, de Pelotas, que começou com o saudoso Paulo Silva. Havia também o Arnaldo Rahal, que nos dias de jogos vendia cartelas para sorteios de prêmios entre os torcedores presentes.

Como costumava gritar a plenos pulmões, “quem se habilita”, não demorou para ganhar o apelido de “Seu Habilita”, que o acompanhou até o fim de sua vida.

Nos dias de jogos do “Cracões da Bola”, sempre havia festa, geralmente com bem servidos churrascos e muita cerveja gelada. Lembro que até meus pais participavam desses agradáveis momentos, claro, com a intenção maior de me ver jogar.

E modéstia a parte, não os decepcionava, pois nos meus áureos 30 anos de idade ainda batia uma bola bem bonitinha. Até fiz testes no Brasil, de Pelotas, ocasião em que coloquei uma bola pelo meio das pernas do saudoso “Tibirica”, um lateral histórico do time “xavante”.

E para que? O cara a partir dai encostou em mim, fazendo om que eu fosse para o outro lado do campo e não mais me aventurasse a querer dribrá-lo. O técnico do Brasil era Teotônio Soares, que foi um grande jogador e artilheiro do clube em tempos mais remotos.

Também dei meus chutes no Progresso Futebol Clube, time amador que revelou grandes jogadores para o futebol gaúcho e brasileiro, como Daniel Carvalho e Fernando Cardoso, que jogaram no Internacional e Emerson, no Grêmio. Ainda joguei no São Clemente, da várzea pelotense.

Mas a intenção desta matéria não é contar a minha andança pelo futebol de Pelotas, sim contar aspectos do chamado futebol colonial, até hoje disputado com raro brilhantismo na zona rural daquela próspera cidade gaúcha.

Conforme matéria publicada no jornal “Diário Popular”, de Pelotas, onde trabalhei por algum tempo como repórter especial e depois editor de Esportes, os primeiros jogos de futebol realizados na zona colonial do município, foram a partir de 1912, na localidade de Monte Bonito, reunindo a equipe local contra outros clubes de menor expressão.

Talvez até outras partidas na colônia pelotense já tivessem acontecido antes, porém o primeiro registro encontrado foi esse de Monte Bonito, entre a equipe local e o Arranca Toco, que infelizmente não tenho como informar de onde era.

Formaram-se diversas equipes na zona rural de Pelotas, algumas delas ainda em atividade até hoje, como o Vila Nova, localizado na Colônia Francesa, Boa Esperança, do Grupelli, Indio, do Morro Redondo e Esporte Clube Guarani, do Cerrito.

O Grêmio Esportivo Índio foi formado por um grupo de jovens que praticavam o esporte perto do armazém Reichow, na atual cidade de Morro Redondo. O estabelecimento era atendido pelo vendedor do “Café Índio”, tradicional marca da indústria pelotense.

Ele chamou os jovens e ofereceu uma bola de couro, com a condição de colocarem o nome da equipe de Índio, nascendo assim em 6 de fevereiro de 1944, nas cores amarelo e preto o Grêmio Esportivo Índio, de Morro Redondo.

Dos demais clubes infelizmente não tem como saber nem mesmo as datas de suas fundações. Caso do Boa Esperança, do Grupelli, que perdeu em uma enchente toda a sua documentação.

E como o futebol nos primeiros tempos era tratado como algo relacionado ao lazer dos colonos, não existia nenhuma preocupação com registros, o que dificulta qualquer tentativa de resgate histórico.

Outros clubes não resistiram às dificuldades do futebol amador e acabaram sendo extintos, como o Guarani que ficava do outro lado da ponte, na localidade de Santa Helena.

Sabe-se que o treinador era um tenente. Na época da construção da estrada, era formado pelo pessoal que trabalhava lá. Depois que a obra chegou ao fim, acabou o time também.

Nos primeiros tempos todos os jogos entre equipes coloniais tinham caráter amistoso, o que se estendia até mesmo aos raros campeonatos realizados. O que importava mesmo era a socialização entre os moradores da zona rural.

Mesmo com disputas somente amadoras, ainda assim nasceram rivalidades, sendo uma delas entre o Vila Nova, da Colônia Francesa e o Boa Esperança, do Grupelli. Eram rivalidades frequentes devido às disputas entre os distritos, tendo como balizador o futebol.

Essas rivalidades podem ser presenciadas ainda nos dias atuais. A maioria dos clubes coloniais tem uma ampla divulgação de suas atividades e jogos nas redes sociais, e frequentemente quando vão enfrentar um rival, a chamada para a partida é feita de maneira que o maior número de torcedores compareça ao local e apoie a equipe.

Como o futebol cresceu muito na zona rural, foi preciso que se organizasse um órgão regulador que se responsabilizasse pelos campeonatos e buscasse angariar recursos para a manutenção do futebol colonial.

Diferente das demais localidades, o futebol chegou antes na colônia de Pelotas do que a democratização do esporte em 1930. Porém por se tratar de uma zona rural, sempre apresentou distinções dos demais caminhos tomados pelo futebol.

É o caso de nenhuma equipe ter buscado a profissionalização, mesmo sendo pertencentes à cidade de Pelotas. Mas são de localidades que não teriam condições econômicas de profissionalizar suas equipes.

A atual Associação Colonial Pelotense foi criada com esse intuito de conseguir perpetuar o futebol colonial, além de integrar seus moradores, trocando informações sobre suas lavouras e seus produtos.

No ano de 1965 foi fundada a Liga Colonial de Futebol (LCF), com a finalidade de reunir as associações esportivas, sociais e beneficentes da Colônia Pelotense.

É considerada uma das entidades mais antigas, na organização do futebol amador. Teve como um dos líderes o advogado e radialista Elias João Bainy, juntamente com os clubes fundadores.

A título de informação: Elias Bainy era um dos sócios proprietários da Rádio Cultura, de Pelotas e foi meu colega de redação do jornal “Diário Popular”.

A liga teve como fundadores as seguintes associações: Grêmio Esportivo Índio, Barbuda Futebol Clube, Grêmio Esportivo Gaúcho, E.C.R. Vila Nova, Botafogo Futebol Clube, Esporte Clube Taquarense, E.C.R. Centenário, Grêmio Esportivo Montebonitense, Fortaleza Futebol Clube, Continental Futebol Clube, Esporte Clube Arroio do Padre, Esporte Clube 23 de Maio, Esporte Clube Guarany, Grêmio Esportivo Independente, Esporte Clube São Pedro, Esporte Clube Cruzeiro do Sul, Cascata Futebol Clube e Umbu Futebol Clube.

A Liga também contemplava as equipes da Colônia Z3, de pescadores, localizada na planície costeira da Laguna dos Patos.

Em 1970, devido ao confronto com a Liga Pelotense de Futebol (LPF), por não poder ter duas ligas na mesma cidade, foi extinta a LCP, permanecendo a LPF, por ser mais antiga. Nasceu dessa forma a Associação Colonial Pelotense (ACP).

O Estatuto da Associação, prevê, entre outras coisas, que cabe a ela representar e dirigir o futebol na colônia e outras atividades no município de Pelotas e fomentar o futebol e outros esportes.

Durante todo o período em que a ACP existe, o seu Estatuto sofreu poucas alterações. Embora o Capítulo VI, destinado aos atletas, diga que estes não pode receber qualquer gratificação, não é isso que ocorre na prática.

Hoje em dia é comum as equipes contarem com ex-atletas profissionais que são remunerados, além de massagista e até médico.

Apesar disso, se o futebol colonial ainda existe, deve-se a criação da ACP. Sem ela, provavelmente o futebol colonial não teria a força que tem hoje na cidade de Pelotas, movimentando toda uma comunidade e fortalecendo os laços entre os moradores rurais.

A “profissionalização” do futebol colonial conseguiu a manutenção e surgimento de novas equipes. Hoje temos uma “semiprofissionalização”, com a criação da Liga, que regulamentou os jogos.

O futebol é apontado como uma das principais formas de lazer da zona rural, juntamente com as festas religiosas. Porém existem outras formas de lazer dos colonos, visitar os vizinhos e parentes, os jogos de bochas, as pescarias, as carreiras (corridas de cavalo), que também são conhecidas como pencas. Porém o desporto bretão teve importância ímpar nesse contexto de lazer.

O futebol sempre foi um espaço além de lazer de sociabilidade, que consegue aglutinar comunidades para as disputas de futebol. Além das interações no campo, os clubes realizam bailes com intuito de escolha de suas rainhas, posse de novas diretorias, bailes de chopp, entrega de faixas aos campeões dos torneios, aparecendo como grandes eventos sociais da colônia. (Pesquisa: Nilo Dias)