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quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Os "canalhas" argentinos

O Clube Atlético Rosario Central, da cidade de Rosario, província de Santa Fé, com cerca de um milhão de habitantes, é um dos mais tradicionais times de futebol da Argentina.  Suas cores são o azul e o amarelo.

Fundado em 24 de dezembro de 1889, conta em sua história, com quatro Campeonatos argentinos, cinco copas nacionais, e um título internacional: a Copa Conmebol 1995, competição precursora da atual Copa Sul-Americana.

Depois de Boca Juniors, River Plate, San Lorenzo e Independiente o Rosario Central é considerado o “sexto grande” do futebol argentino. Seu maior rival é o Newell's Old Boys, clube da mesma cidade, com quem faz um dos jogos de maior rivalidade do país e da América do Sul.

Os torcedores rosarienses são chamados pelas torcidas adversárias de “canallas” (canalhas), mas não se ofendem por isso. Consideram ofensa é ver no Natal, como aconteceu agora, um Papai Noel em vermelho, preto e branco, cores do seu maior rival. Os torcedores do, Newell's Old Boys são conhecidos pelo apelido de “leprosos”.

Isso, porque certa vez, em 1928, o Hospital Carrasco, da cidade, organizou uma campanha para arrecadar fundos para combater a lepra e convidou os dois grandes clubes locais, Rosário Central e Newell's Old Boys para participar.

O Newell's concordou, mas o Central não. Dai a alcunha de “canallas”. E em resposta os adversários foram chamados de “leprosos”. Isso mostra de como a rivalidade, que não tem vira-casacas, desde 1984, já fervia.

Os dois rivais se confrontam desde 18 de junho de 1905, quando o Newell's venceu o Central por 1 X 0. Este é o maior clássico argentino fora da Grande Buenos Aires (que inclui Avellaneda, entre outras cidades).

Na primeira divisão do futebol argentino estes clubes se confrontam desde 18 de junho de 1939, quando houve um empate em 1 X 1.Também possui imensas rivalidades com as equipes do Colón e do Unión ambos da cidade de Santa Fé, capital da Província de Santa Fé, cidade esta que disputa com Rosário, a hegemonia política e econômica sobre a província.

Também tem como rivais o River Plate, o Boca Juniors, o Club Atlético Independiente, o Racing Club e o San Lorenzo de Almagro.
Segundo pesquisa do instituto Entrepreneur para a revista “El Gráfico” número 4.118 de 11 de setembro de 1998, o Rosário Central tem a sexta maior torcida da Argentina, com 3,2 % da torcida no país (o que equivale a 1.107.000 torcedores) e o Newell's a oitava, com 2,2% (761.000 torcedores).

Até o ano de 2014, o Newell's tem seis títulos do campeonato argentino, três copas nacionais oficiais, e dois vice-campeonatos da Copa Libertadores da América.

O Rosário Central tem quatro títulos argentinos, cinco copas nacionais oficiais, um título da Copa Conmebol (precursora da atual Copa Sul-Americana), e um vice-campeonato dessa mesma copa. Além disso, o Central foi semifinalista da Copa Libertadores nos anos 1975 e 2001.

Os dois rivais se confrontam habitualmente no estádio “Gigante de Arroyito”, pertencente ao Central, com capacidade para 41.654 espectadores, e no estádio “Coloso del Parque”, do Newell's, que tem capacidade para 38.000 espectadores.

O clássico inaugurou o “Gigante de Arroyito”, em 1926 (o Central tornara-se independente da ferrovia dois anos antes e precisou mudar de casa).

Venceu por 4 X 2 após estar perdendo de 2 X 0) e com o tempo, os xingamentos foram assumidos como orgulhosa alcunha pelos próprios alvos, alterando o próprio significado. É daquele tempo o único que conseguiu jogar na seleção a partir de ambos, o ponta Juan Francia.

Uma torcida na Argentina tenta desafiar o tempo e a todo dia 19 de dezembro se reúne para comemorar um gol. Há exatos 40 anos, jogavam Rosario Central e Newell´s no “Monumental de Núñez”, pela semifinal do Campeonato Nacional.

Aos 10 minutos do segundo tempo, o lateral uruguaio Jorge José González cruzou da direita e, como um raio entrando no meio da defesa do Newell´s, o atacante Aldo Pedro Poy mergulhou para cabecear a bola e estufar as redes do goleiro Fenoy. Foi o gol da vitória do Rosario no clássico mais importante da história dos clubes até aquele momento.

Os “canallas” se encheram de brios e, três dias depois, levantaram o Nacional de 1971 ao vencer o San Lorenzo por 2 X 1. Foi o primeiro título do clube na era profissional do futebol argentino.

O gol ficou conhecido como a “palomita de Poy” (pombinha de Poy). Essa jogada, batizada no Brasil de “peixinho”, na Argentina é usada para denominar tanto o mergulho para o toque de cabeça quanto para o salto do goleiro para realizar uma defesa difícil.

A palavra começou a ser utilizada a partir de meados da década de 20. O lendário jornalista esportivo Ricardo “Borocotó” Lorenzo perguntou ao meio-campo do Huracán, Pablo Bartolucci, o porquê de ele imitar uma pomba ao cortar bolas levantadas. Desde então, Bartolucci foi apelidado de “Pombo” e a jogada na qual era especialista virou sinônimo de mergulho.

Desde então, um grupo de torcedores do Rosario Central se reúne para relembrar o gol histórico com um convidado muito especial: o próprio ex-atacante Poy. Os torcedores improvisam ao montar uma trave, atiram uma bola e fazem com que o ex-jogador pule para marcar o gol de “palomita” mais uma vez.

Em 1995, o mesmo grupo de torcedores apresentou aos organizadores do livro “Guinness de Recordes” uma solicitação para converter o gol no mais comemorado da história do futebol. Até o momento os responsáveis pelo livro ainda não responderam, mas todos os torcedores do “Canalla” ainda sonham com o feito.

O Rosario Central nasceu britânico e foi se latinizando, a ponto de influir essa transformação até nos primórdios da seleção argentina; e como ele, é uma instituição rica em troféus, grandes vitórias e de episódios dos mais folclóricos. Para além do próprio país também. História que começa bem antes de 1889.

Com grande comunidade britânica, a Argentina recebeu sua Revolução Industrial em meados do século e a necessidade de escoar matéria-prima e produtos levou à construção de várias ferrovias.

E eram os súditos da Rainha Vitória quem conduziam a empreitada. Nas folgas praticavam o football, criando em 1867 o primeiro clube desse esporte nas Américas, o Buenos Aires Football Club.

Os clubes seguintes tendiam a se formar exatamente onde havia estações de trem – caso do Quilmes, o mais antigo ainda em atividade. Um ano antes da fundação do Buenos Aires F.C., as ferrovias chegaram ao interior.

Em 1866, a Central Argentine Railway rasgou as virgens pampas do centro do país ligando Córdoba ao porto fluvial mais importante da Argentina: o do segundo maior rio sul-americano, o Paraná, às margens de Rosario.

Um ano depois, a cidade ganhou o Rosario Cricket Club, atual Atlético del Rosario e depois precursor do futebol rosarino. Ainda existe, mas está voltado ao rúgbi, assim como o Buenos Aires F.C., com quem travou os primeiros duelos de futebol e rúgbi entre dois clubes argentinos.

Trabalhadores da Central Argentine Railway fundaram em Córdoba o Instituto (cujo nome completo é Instituto Atlético Central Córdoba) e o Talleres (“oficinas”, em espanhol). Na outra ponta, em Rosario, foram criados o Central Córdoba e, bem antes, em um bar, em 24 de dezembro de 1889, o Central Argentine Railway Athletic Club.

Seu primeiro presidente, o escocês Colin Bain Calder, acabou se tornando nome de rua na cidade. A primeira direção contou com Thomas Hooper, vice-presidente, C. Chamberlain como secretário e também com os senhores Thomas Mutton (quem deu a ideia do nome), Whitbet, H. Cooper, W. Malhoil, Barton, E. Camp, Stephen Sims, Musket, Miguel Green, A. Mayne, Wilkinson, Lamb e Hollis.

O esporte principal era o críquete mas já em 1890 foi formado por influência do vice-presidente Hooper, um time de futebol, cujo primeiro adversário foram marinheiros britânicos do Beagle. Empataram em 1 X 1. E, na revanche, os anglo-rosarinos, vestidos com uma camisa de quadrados brancos e vermelhos, venceram por 2 X 1.

A década que se seguiu só viu mudanças nas vestes, com o azul substituindo o vermelho. A aceitação só a britânicos funcionários da ferrovia seguiu valendo, até que a empresa fundiu-se em 1903 com a Buenos Aires-Rosario Railway. Uma assembleia no clube deliberou um novo nome.

Foi o referido Miguel Green, um dos fundadores do Central Argentine Railway Athletic Club, quem propôs “Club Atlético Rosario Central”. E o ano de 1903 não foi determinante apenas nisso. Pessoas de fora da ferrovia e da comunidade anglo-argentina passaram a ser aceitas. O clube adotou suas cores definitivas, azul e amarelo, ainda antes de outras equipes as adotarem na Argentina.

Foi também o ano de estreia na Copa “Competencia”, torneio que reunia times das associações argentinas (então restrita à Grande Buenos Aires), uruguaia e rosarina. Mas a inexperiência pesou e a eliminação veio no primeiro jogo, 5 X 0 para os vizinhos do Atlético del Rosario.

Um ano depois, em 1904, estreava no time principal um dos filhos daqueles ferroviários britânicos: Juan Hayes, mais conhecido como Harry Hayes, sócio desde 1902. O detalhe é que Harry jogou entre adultos quando ainda tinha 13 anos, originando críticas.

Ele defendeu o clube por mais de 20 anos, até 1925. E é seu maior artilheiro, mesmo contando só os gols documentados, que foram 174. Pelo menos 24 deles foram no Newell’s Old Boys, fundado naquele 1903. Harry Hayes é até hoje o maior goleador também do clássico Rosarino.

Harry Hayes defendeu a seleção argentina diversas vezes entre 1910-19, com oito gols em 23 jogos. Como jogador centralista, só Mario Kempes jogou e marcou mais vezes que ele pela Argentina.
Em 1915, o Rosario e a Seleção Argentina, ganharam também Ernesto Hayes, o Ennis.

Irmão mais novo de Harry, que era prejudicado nas comparações mas tinha luz própria. O segundo maior artilheiro dos “canallas”é justamente ele, com ao menos 133 gols.

Provocador, gostava de humilhar os adversários, driblando ou sentando na bola. A família seguiu presente no clube – Harry Hayes Jr, jogando pelo combinado rosarino, chegou a marcar quatro gols em um 7 X 0 no Flamengo, do Rio de Janeiro, em 1941.

A semente para uma paixão aberta a todos os rosarinos (e não só eles: o Central é hoje o clube do interior com mais torcedores no país) estava plantada. Um dos primeiros latinos, Zenón Díaz, levado ao clube por Miguel Green, ficou conhecido exatamente como o primeiro astro criollo (“hispânico”) da seleção argentina, pela qual estreou já em 1906.

Foi o primeiro “canalla” lá. Ele, ao lado dos dois irmãos Hayes, participou ainda da primeira Copa América, 10 anos depois, já com 36 anos. Ainda é um dos mais velhos a atuar pela Albiceleste.

Um sobrinho seu, o goleiro Octavio Díaz, também jogou pelo Central e pela seleção, participando do primeiro jogo contra um europeu, em 1928. Neste mesmo ano, foi um dos medalhistas de prata nas Olimpíadas de Amsterdã.

Já havia vencido a Copa América em 1927. Eles jogaram juntos na última partida de Zenón, em 1919. Um clássico empatado em  2 X 2 com o Newell’s, em que Octavio machucou-se e quem o substituiu no gol foi o veterano tio.

Na época de Octavio Díaz, o estádio centralista já contava com 30 mil lugares, reflexo do sucesso colhido antes com Zenón e os Hayes: a tal Copa Competencia enfim havia sido ganha em 1913 e também em 1916 (com direito a 8X 0 no Newell’s) e 1920.

Em 1915, veio a Copa Ibarguren, tratada na época como campeonato nacional por opôr os campeões de Rosario contra os do campeonato “argentino”, ainda restrito à capital. Era a época em que o Racing emendava sete títulos argentinos seguidos, ainda um recorde.

Os alviceleste também empilhavam a Ibarguren e só perderam naquela vez, um 3 X 1 com dois gols de José Laiolo, que logo estaria na seleção também, bem como os irmãos Antonio (que marcou em um 4 X 2 no Brasil em 1917) e Eduardo Blanco. Os titulares vitoriosos só tinham de “ingleses” os Hayes e Alfredo Woodward, autor do outro gol no Racing.

Outro ponta, Ernesto García, o Chueco, apareceu por lá nos anos 30 e há quem o considere o melhor argentino na posição. Marcou o único gol do título da Copa América 1937, sobre o Brasil, e vazou os vizinhos também no Rio de Janeiro, onde os hermanos venceram por 5 X 1 e 3 X 2 em 1939.

Naquele ano, o campeonato argentino enfim recebeu a dupla Central e Newell’s, responsáveis por tantos talentos. Como o de outro ponta, Juan Carlos Heredia (pai de xará ídolo do Barcelona), usado na Copa América de 1942 mesmo após os “canallas” serem rebaixados no ano anterior.

Foi colega do atacante Waldino Aguirre, profissional com mais gols no clube, 95. Mas as glórias à altura só viriam nos anos 70. O troféu argentino ainda não havia saído da província de Buenos Aires até os auriazuis ganharem em 1971.

A semifinal daquela campanha é mais lembrada que a própria final: clássico com o Newell’s, batido por 1 X 0 com gol de peixinho (palomita, “pombinha”, para os argentinos) de Aldo Poy, que todos os anos precisa repetir a jogada em festas.

Ele e Mario Kempes foram os primeiros a irem a uma Copa do Mundo como jogadores do futebol rosarino, em 1974. Novo título veio em 1973 e diversos outros jogadores passaram pela Alviceleste: o atacante Raúl Agüero, os pontas Ramón Bóveda e Roberto Gramajo, os meias Carlos Colman e Eduardo Solari (pai de Santiago Solari, ex-Real Madrid) e os irmãos defensores Mario e Daniel Killer, este campeão com Kempes na Copa 1978.

O técnico era César Menotti, ex-jogador “canalla” e conhecedor do valor do futebol do interior. Só não dava para chamar o lateral Jorge González, recordista de jogos no clube, 521: era uruguaio. É o estrangeiro mais longevo no país.

Os anos 80 foram agridoces. O terceiro título nacional veio em 1980, mas novo rebaixamento ocorreu em 1984. Só que, incrivelmente, os “canallas” não só venceram a segundona de 1985 como a emendaram com o troféu seguinte da elite, em raríssimo bicampeonato no mundo.

Para completar, deixaram o Newell’s de vice. Os próceres eram Edgardo Bauza (técnico do San Lorenzo, campeão da Libertadores e da LDU campeã sobre o Fluminense em 2008, que está em quarto entre os zagueiros mais artilheiros do mundo, e Omar Palma.

Palma esteve em tudo ali: na taça de 1980, no rebaixamento, na volta e naquele título redentor, do qual foi artilheiro do campeonato e autor do gol que garantiu a conquista.

“El Negro Palma” e o técnico Ángel Tulio Zof estiveram também na Copa Conmebol de 1995, ainda a única taça continental do futebol rosarino e repleta de epopeia. Não é qualquer time que foi campeão após perder por 4 X 0 no jogo de ida da final.

Palma foi o veterano líder de Rubén da Silva, Martín Cardetti e Horacio Carbonari, que devolveram o placar no “Gigante de Arroyito”. O adversário era o Atlético Mineiro, que tinha Taffarel para tentar reverter a situação nos pênaltis. Mas quem se saiu melhor foi o goleiro canalla, Roberto Bonano.

Eles já não estavam no último grande momento, na virada do século. O líder veterano da vez era Juan Antonio Pizzi, que havia jogado a Copa 1998 pela Espanha.

Os jovens talentos, o armador Ezequiel González, o lateral Germán Rivarola, a dupla ofensiva César Delgado e Luciano Figueroa. Perderam o “Apertura 1999” na última rodada e pararam nas semifinais da Libertadores 2001. (Pesquisa: Nilo Dias)

"Gigante de Arroyto" e seus "Canallas", o maior patrimônio do Rosário Central. (Foto AFP)