Boa parte de um vasto material recolhido em muitos anos de pesquisas está disponível nesta página para todos os que se interessam em conhecer o futebol e outros esportes a fundo.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

O soldado Buza

Hemetério Fernandes de Almeida, o “soldado Buza”, nasceu no Engenho de Dentro, Rio de Janeiro em data desconhecida e faleceu no dia 19 de março de 1943. Era soldado no Quartel de Artilharia de Campinho, em Jacarepaguá. Além das funções militares, foi também jogador de futebol, tendo atuado como atacante no Mackenzie, durante a década de 20, e depois no Central, tendo participando de campeonatos menores do Rio de Janeiro. Na pobreza de sua juventude Hemetério só tinha um prazer: o futebol. Sabia que não haveria problema de campos de futebol no seu Engenho de Dentro.

Hemetério era filho de Luis Fernandes de Almeida, um artesão da Casa da Moeda. Um homem pobre. Um homem humilde, o que não impediu que ele criasse os 10 filhos que sobraram dos 13 que trouxe ao mundo. Criou um dos maiores pintores, Luíz Fernandes de Almeida, o mais velho, assistiu a formatura de Adelina, a mesma Adelina que meteu o guarda sol num bandeirinha, num jogo em Moça Bonita, quando este marcou uma falta contra o mano Hemetério.

Sua carreira de jogador ganhou um salto de qualidade quando foi contratado pelo Bangu, em 1929. Naquela época os times eram ainda amadores, o que não garantia ganhos em dinheiro. Era mais uma chance de se tornar conhecido, do que qualquer outra coisa. É claro que havia uma ajuda, o chamado “bicho” que era pago nas vitórias. E claro também pela oportunidade de viagens interestaduais, coisa difícil para “Buza”, por sua condição de militar. Em 1930, o Bangu foi a Salvador e a Recife, mas ele não conseguiu dispensa para viajar.

Também havia jogos do Bangu em que “Buza” estava de serviço no Quartel. Mas sempre dava um jeito de fugir, com a conivência de um sargento torcedor banguense, e entrar em campo. Quando voltava, era punição na certa, muitas vezes com os rigores de uma prisão em cela comum.

Sua característica era a virilidade como atuava, seu destemor, seus chutes fortes, com as duas pernas, seus dribles curtos e seus lançamentos. Não fugia do pau. Enfrentava tudo, de igual para igual.

Sabe-se que em certa ocasião, o comandante mandou buscar a ficha do soldado Hemetério, em que constava: duas detenções, uma prisão em cela comum e uma prisão em cela separada. Uma ficha pesada. Na verdade o comandante já sabia que o soldado Hemetério foi o pior elemento que passou pelo Quartel da Artilharia, em Campinho, no início de Jacarepaguá.

Graças a sua versatilidade, jogava tanto como ponta-direita quanto meia-esquerda, se manteve entre os titulares do Bangu, desde que chegou ao clube, até 1932 quando deixou o time vermelho e branco. Sua estreia no Bangu aconteceu em 17 de março de 1929, com derrota de 4 X 2 para o Combinado Norte. Sua despedida do clube proletário aconteceu em 5 de janeiro de 1936, também com derrota, dessa feita para o Olaria por igual placar, 4 X 2. “Buza” jogou 106 partidas pelo Bangu, com 49 vitórias, 20 empates e 37 derrotas. Marcou 26 gols.

Com o advento do profissionalismo, em 1933, “Buza” até que poderia ter optado pelo futebol, mas preferiu a segurança do Quartel e a condição de amador. Mas já não apresentava o mesmo futebol de antes, e perdeu a titularidade para o novato Sobral, que despontava na ponta direita e para Plácido, na meia-esquerda.

Na campanha que culminou com o título carioca de 1933, “Buza” só jogou duas partidas: na vitória sobre o Bonsucesso por 4 X 3, quando marcou um gol e no empate em 2 X 2 com o Flamengo, atuando deslocado na ponta-esquerda.

Depois, com a chegada de Orlandinho, aí mesmo que as chances de “Buza” terminaram de vez. Em 1934, jogou apenas uma vez. Em 1935, cessou seu tempo no Quartel e voltou a vestir a camisa do Bangu, no Campeonato Carioca, agora como profissional. Fez sua última partida no início de 1936, perdendo para o Olaria, por 4 X 2. Depois disso deixou os gramados e foi trabalhar na Viação Brasil, como fiscal.

Em 28 de fevereiro de 1943, “Buza” recolheu o dinheiro da féria e, na garage da praça Paris recebeu o convite de um chefe – ele e os demais fiscais – para visitarem o Cassino Atlântico, no seu último dia: o presidente Dutra mandara fechar todos os cassinos. Logo que chegaram um sujeito completamente bêbado resolveu tirar sarro da turma. “Buza”, que era valente e não gostava de levar desaforo para casa, pediu que a gerência retirasse o incômodo cavalheiro. Foi atendido.

Depois, quando saiu do Cassino, um colega de trabalho, sentiu no ar algo diferente. Era melhor ter saído pelos fundos, mas o ex-soldado “Buza” preferiu sair pela porta principal.

Lá estava o mesmo bêbado, mas agora com uma arma em punho, um revólver 38. E perguntou: “Cadê os valentes”? “Buza” tentou desarmá-lo. Antes, porém levou um tiro na barriga. Ainda assim, ele caminhou até o agressor e tomou-lhe a arma. De pouco adiantou o ato de bravura. O ex-jogador foi encaminhado ao hospital.

Teve peritonite e como não havia antibióticos naquela época, morreu no dia 19 de março de 1943, deixando três filhos – Luiz Paulo, Hélio e Neide. Os dois rapazes, coincidentemente, também foram para o Exército, onde trilharam uma carreira muito mais disciplinada que o pai. Luiz Paulo, seu filho mais velho, foi comandante da Escola de Educação Física do Exército. O caçula Hélio, deixou o Exército no posto de tenente coronel. (Pesquisa: Nilo Dias)