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domingo, 12 de dezembro de 2010

Um presidente folclórico

Vicente Mateos Bathe, mais conhecido por Vicente Matheus, foi um dos mais importantes dirigentes do futebol brasileiro em todos os tempos. Era natural de Zamora, na Espanha onde nasceu no dia 22 de maio de 1908. Chegou ao Brasil em 1914, quando tinha apenas 6 anos de idade e foi criado na Zona Leste de São Paulo. Era o mais velho dos onze filhos de um português casado com uma espanhola.

Desde menino se tornou torcedor do Corinthians. Em 1934, aos 26 anos e naturalizado brasileiro, começou a fazer fortuna trabalhando como empresário da construção civil pesada, mineração de pedreiras (extração de pedras e areia). Foi quando se associou ao clube e comprou na rua São Jorge, a casa mais próxima da sede do Corinthians. A residência foi desapropriada anos depois, no entanto Matheus nunca mais se mudou das redondezas do Tatuapé.

Foi quando começou a se interessar pela política corinthiana. Carismático, em 1954 quando ganhou o título de campeão paulista do IV Centenário, ele era o diretor de futebol.

Em 1959, por voto direto dos associados, assumiu a presidência do clube. Ele presidiu o Corinthians por oito mandatos: 1959, 1972, 1973, 1975, 1977, 1979, 1987 e 1989. Com Vicente Matheus na presidência, o “Timão” conquistou alguns dos títulos mais importantes de sua história. O Campeonato Paulista de 1977, conquistado após 23 anos de espera, e o Campeonato Brasileiro de 1990, o primeiro do clube.

Vicente Matheus deixou seu nome gravado para sempre na história do S.C. Corinthians Paulista. Ele conseguiu algo difícil na vida de um clube de futebol, conquistar o respeito e o carinho da torcida. Ele administrava o clube como se fosse a casa dele. Era muito correto. Fazia tudo de acordo com o estatuto. Era considerado por companheiros de diretoria, como um “Caxias”.

Matheus foi um grande presidente, daqueles a moda antiga, capaz de investir dinheiro do próprio bolso no clube para comprar passes de jogadores. Almir, o Pernambuquinho, em 1960, por exemplo. Agia assim também em prêmios e até moradia aos jogadores alvinegros. Não tinha visão estratégica, com idéia de investimentos ou de marketing. Ainda assim, ninguém duvidava de sua honestidade e amor ao clube.

Protagonizou episódios célebres como, por exemplo, a contratação de Sócrates, um dos maiores ídolos da história corinthiana. Na época, Palmeiras e São Paulo também tinham interesse no “Doutor”, mas com as manobras de Vicente Matheus o Corinthians levou o camisa 8 para o Parque São Jorge.

Matheus nunca foi de paparicar a imprensa. Ao contrário, queixava-se muitos de alguns repórteres, que segundo ele deturpavam o que falava. Certa vez chegou a denunciar que alguns jornalistas já haviam lhe pedido dinheiro para publicarem coisas positivas sobre o Corinthians e sobre sua administração.

Ele nunca mostrou interesse em agradar jornalistas, ao contrário do seu irmão, Isidoro Matheus, que, como vice-presidente de futebol do clube, costumava presentear com um litro de uísque, cada jornalista esportivo de São Paulo no fim de cada ano.

Vicente Matheus certamente não teria condições de presidir o Corinthians nos dias atuais. Ele resistiu por muito tempo à idéia de a camisa do Corinthians ter o nome de um patrocinador. Depois, acabou cedendo. Mas não aceitava palpite de patrocinador.

Sua primeira esposa, Ruth Pereira Matheus, era filha de um grande desenvolvista do bairro de Guaianases. Ela se encontra sepultada no Cemitério do Lajeado, no mesmo bairro. Vicente Matheus e sua primeira esposa tiveram duas filhas, Abigail Matheus e Dalva Matheus.

Em 1968 casou em segundas núpcias com a ex-dançarina de Flamenco, Marlene Matheus, que ele conhecera dentro do próprio do Corinthians, em meados da década de 1950 quando ela se apresentou em um ballet espanhol na festa do IV Centenário. Com o tempo fizeram amizade, que acabou em casamento.

Marlene Matheus é paulistana do bairro do Brás, onde nasceu em 24 de setembro de 1936. Entrou para as colunas sociais a partir de sua união com Vicente Matheus, o presidente mais carismático da história do Corinthians.

Aproveitando-se da força política do marido, Marlene chegou até a ser eleita presidente do clube, cargo que ocupou entre 1991 e 1993. Em 2008 exerceu o cargo de vice-presidente Social do Corinthians na gestão Andres Sanchez. Marlene perdeu força nas alamedas do Parque São Jorge a partir da morte de Vicente, em 1997. Mas mantém-se como membro do Conselho de Orientação (Cori).

O ano passado, antes do jogo contra o Santos, no Pacaembu, pelo Campeonato Paulista, Marlene foi protagonista de um gesto bem ao estilo do seu falecido marido: enquanto a torcida corintiana se aglomerava à volta do estádio em busca de ingressos, estava evidente que um bom número de fãs do time não conseguirá entrar, os mais afoitos e desesperados tentavam de tudo para conseguir ver o jogo. Um deles, como flagrou a reportagem do portal “Terra”, conseguiu entrar sem ingresso - com a preciosa ajuda de uma conselheira corintiana.

Um pouco antes de o ônibus chegar ao Pacaembu, Marlene Matheus entrou no estacionamento com familiares. Foi quando um torcedor anônimo lhe disse: "vim de Santa Catarina. Sou corintiano, dá para me ajudar?". "Entra no porta-malas", mandou a viúva de Vicente Matheus. E, com o torcedor no porta-malas, o carro dela entrou no estacionamento.

A própria Marlene contou que quando Matheus deixou a presidência do clube, ficou muito triste, saiu cabisbaixo e chorando. Depois ficou com depressão, que acabou em doença. Morreu em fevereiro de 1997, aos 88 anos de idade, vítima de câncer, após ficar 14 dias internado no Instituto do Coração. Foi sepultado no cemitério da Quarta Parada em São Paulo.

Além de carismático, Matheus era uma figura folclórica, que produzia frases divertidas, carregadas de incorreções, algumas verdadeiras, outras nem tanto, criadas pela imaginação de torcedores do Corinthians e dos clubes rivais. Algumas pessoas garantiam que ele fazia isso propositadamente. Eis algumas:

“O Sócrates é um jogador invendável e imprestável.”; “Peço aos corintianos que compareçam às urnas para naufragar nossa chapa.”; "Tive uma infantilidade muito difícil."; "Haja o que hajar, o Corinthians será campeão."; “Depois da tempestade, vem a ambulância."; "Péra lá! Me inclua fora dessa!"; "O difícil não é fácil"; "De gole em gole, a galinha enche o papo" e "Vou realizar uma anestesia geral para quem tiver a mensalidade atrasada"

Contam, talvez por pura maldade, que Vicente Matheus voltava de ônibus com a delegação do Corinthians de um jogo do interior. Percebendo que os jogadores estavam muito cansados, ordenou ao motorista parar em um hotel na beira da estrada. Ele próprio desceu na frente. A recepcionista do hotel teria perguntado: "Boa noite, o senhor tem reservas?" E Vicente Matheus, respondeu rapidamente: "Tenho sim, cinco na linha e um no gol." (Pesquisa: Nilo Dias)

Vicente Matheus levantando a taça de campeão paulista de 1977.