Boa parte de um vasto material recolhido em muitos anos de pesquisas está disponível nesta página para todos os que se interessam em conhecer o futebol e outros esportes a fundo.

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

O triste fim do Jornal dos Sports

O primeiro jornal dedicado a esportes no Brasil foi o “Jornal dos Sports”, que era editado no Rio de Janeiro. Seus fundadores foram os jornalistas Argemiro Bulcão e Ozéas Mota.

Sua primeira edição circulou no dia 13 de março de 1931. Em 10 de abril de 2010, o “Jornal dos Sports” chegou às bancas pela última vez.

Apesar da semelhança com o jornal esportivo italiano “La Gazzetta dello Sport”, a verdadeira inspiração foi o francês “L'Auto”, que era impresso em rosa.

Em 1931, Argemiro Bulcão dirigia o jornal “Rio Sportivo”, que circulava duas vezes por semana no Rio de Janeiro. Interessado em fortalecer o jornalismo esportivo, propôs uma sociedade a Ozéas Mota, proprietário da gráfica onde o jornal era impresso. Com um capital de seis contos de réis, os dois fundaram o “Jornal dos Sports”.

A ideia presente no nome do jornal, de valorizar todas as modalidades esportivas, era reforçada pelo seu logotipo: nele apareciam praticantes de lançamento de disco, levantamento de peso, tênis, futebol, golfe, natação, remo, corrida, boxe e hipismo.

Inicialmente, cada edição tinha apenas quatro páginas, todas em preto e branco, e era vendida ao preço de 100 réis. Nos primeiros anos o jornal mostrava um conteúdo disposto em seis páginas impressas, primeiro em preto e branco e depois em papel cor-de-rosa, a partir de 23 de março de 1936.

Essa cor se manteve depois, porém mais vibrante, diagramação da manchete em cima do logotipo, publicação de algumas fotografias, sendo que o texto sobressaia em relação à imagem e também da utilização de ilustrações.

Podia se observar nos editoriais dos primeiros anos, que a intenção de Bulcão era fazer do “Jornal dos Sports” um veículo com influência política.

Outra característica marcante desta primeira fase do jornal eram as colunas locais e dos clubes. Como locais, podemos chamar de uma proposta de cobrir as práticas esportivas pelos cantos da cidade e adjacências, como as cidades de Niterói, São Gonçalo e a Ilha de Paquetá, por exemplo.

Desta forma, o jornal procurava aumentar a amplitude de sua cobertura jornalística, assim como conseguia agradar aos
leitores destas localidades, que não eram contemplados pelos demais jornais da grande imprensa da cidade.

Em relação às colunas dos clubes, não se tratava apenas de cobrir a
vida social e esportiva das principais agremiações da cidade, mas sim dos considerados pequenos também como o Olaria e o São Cristóvão (os chamados clubes de bairros).

Quando da Copa do Mundo de 1934, o jornal consagrou-se como seu principal divulgador, ao reforçar a ideia de que aquela não era uma mera disputa esportiva, mas sim uma afirmação da força do Brasil, do seu povo, a partir do futebol.

Basta folhear alguma edição antiga do jornal, para observar que ele usava um grande número de palavras de origem inglesa, como “football”, ”match” e “record”. Até o seu nome era escrito em inglês, jornal dos “Sports”.

O jornal costumava criticar a divisão no futebol carioca entre a Associação Metropolitana de Esportes Athleticos (AMEA) e a Liga Carioca de Futebol (LCF). Bulcão defendia a unificação e a adoção do profissionalismo, tese que acabou prevalecendo em 1937, com a fundação da Liga de Football do Rio de Janeiro (LFRJ).

Em outubro daquele mesmo ano o jornal foi vendido para o jornalista Mário Filho, que já era seu colaborador. Ele recebeu ajuda dos amigos Roberto Marinho, José Bastos Padilha e Arnaldo Guinle para poder comprá-lo de Argemiro Bulcão.

A partir dai Mário promoveu uma série de inovações. Além de crônicas de Vargas Neto, introduziu tiras e quadrinhos como forma de ilustrar a participação dos clubes no Campeonato Carioca de futebol.

Com a implantação definitiva do profissionalismo, passou a noticiar temas relacionados à direção dos clubes, contratação de jogadores, salários e valores dos passes.

A isso se somou o nacionalismo exacerbado pela participação brasileira na Segunda Guerra Mundial, com artigos em que os jogadores eram comparados aos soldados da Força Expedicionária Brasileira (FEB).

Logo após a guerra, em 1946, o Brasil foi escolhido pela FIFA como sede da Copa do Mundo de 1950. O compositor Ary Barroso, então vereador no Rio de Janeiro, apresentou um projeto para que fosse construído um estádio no bairro do Maracanã.

Mas a proposta não teve aceitação unânime. O então deputado federal, Carlos Lacerda, se posicionou contra, dizendo que o custo seria muito alto no local apregoado, defendendo que a construção se desse em Jacarepaguá.

Mário Filho não se deu por vencido e publicou uma série de artigos defendendo a construção do Estádio Municipal. E acabou vitorioso, com a pedra fundamental sendo lançada em 2 de agosto de 1948 e o Maracanã inaugurado em 16 de junho de 1950.

O jornalista ainda utilizou o “Jornal dos Sports” para criar competições esportivas, com destaque para os “Jogos da Primavera”, em 1947, e o “Torneio de Pelada do Aterro do Flamengo”, em 1951. E por sugestão dele nasceu o “Torneio Rio-São Paulo de Futebol”.

Foi um período áureo do jornal, que viu passarem por suas páginas nomes consagrados como José Lins do Rego e Nelson Rodrigues, irmão de Mário Filho, entre outros.

Em 1950, a derrota para o Uruguai por 2 X 1, pela Copa do Mundo, num estádio do Maracanã lotado, transformou o país em um grande velório, já que a Seleção, tida como favorita, gozava de uma admiração ufanista por parte da população brasileira.

A derrota, inclusive, refletiu na mudança de linha editorial do jornal, que passou a enfatizar menos o nacionalismo e fortalecer a visão de Mário Filho ao criar mitos para o futebol brasileiro.

No início dos anos 60, surgiu a seção “Segundo Tempo”, voltada às artes e à cultura. Assim, os cronistas esportivos ganharam a companhia de críticos do porte de José Ramos Tinhorão e Alex Viany

Depois disso, só em 22 de fevereiro de 2008, houve nova mudança no controle do "Jornal dos Sports", quando o publicitário Arnaldo Cardoso Pires assumiu a sua direção.

Em 1966, quando Mário Filho morreu de um ataque cardíaco, aos 58 anos, o jornal passou, então, para a sua viúva, Célia Rodrigues, que um ano depois, em 1967, cometeu suicídio.

E o jornal passou para as mãos do filho do casal, o jornalista Mário Júlio Rodrigues. O herdeiro já tinha alguma experiência no diário, visto que havia sido responsável pela seção “Segundo Tempo”.

Como novo dono, quis, quis fazer inovações, tendo como inspiração o “Jornal do Brasil”, que também se modificava na época, olhando para o “New Journalism” americano.

Júlio investiu na contratação de nomes consagrados como Zuenir Ventura, Reinaldo Jardim e Ana Arruda Callado. E na lista de colaboradores surgiram os cartunistas Ziraldo, Fortuna e Jaguar, além do compositor Torquato Neto.

Como a “cereja do bolo” lançou o caderno cultural “Sol”, destinado a publicar experiências de jovens jornalistas, vindos das primeiras faculdades de Comunicação Social do país, tendo se transformado meses depois, em outro jornal.

O suplemento serviu de inspiração para Caetano Veloso, no seu sucesso “Alegria, alegria”. Vejam o verso: “O sol nas bancas de revista/Me enche de alegria e preguiça/Quem lê tanta notícia/Eu vou...”

E foi no “Jornal dos Sports” que Henfil criou personagens que se tornaram mascotes das torcidas dos times cariocas, como o “Urubu”, que substituiu o marinheiro Popeye como símbolo do Flamengo, e o “Bacalhau”, novo representante do Vasco da Gama, no lugar do almirante português.

Mário Júlio Rodrigues era um boêmio inveterado e frequentador assíduo das noites cariocas. Essa vida desregrada e o alcoolismo o levaram a morte em 1972.

Todos esperavam que o jornal fosse herdado por seu filho Mário Rodrigues Neto e de sua primeira mulher, Dalila. Mas aconteceu o inesperado, o testamento deixou o jornal para a sua segunda mulher, Cacilda Fernandes de Souza.

Isso fez com que boa parte dos antigos colaboradores, deixasse o jornal. Cacilda entregou a chefia da redação para o coronel Geraldo Magalhães. E como consequência a linha editorial abandonava o apoio aos jovens. E muitos jornalistas passaram para outras publicações, como a revista “Placar”.

Como religiosa, a nova proprietária lançou um suplemento dedicado a assuntos espíritas, o “Mundo Azul”.

Cacilda não conseguiu manter o jornal e com a morte de Nelson Rodrigues, em 1980, passou a enfrentar sérias dificuldades financeiras. E acabou vendendo o “Jornal dos Sports” para à família Velloso, tradicional no ramo de redes de supermercados e drogarias, entre outros negócios, no Rio de Janeiro.

O comando do jornal foi entregue a Climério Pereira Velloso, auxiliado pelos parentes Waldemar Pereira Velloso e Venâncio Pereira Velloso. E passou a ter conteúdo político, dando grande destaque ao deputado estadual Napoleão Velloso (PMDB), também membro da família.

Entre os novos colaboradores deste período, destacou-se o Washington Rodrigues, o “Apolinho”, criador da coluna “Geraldinos e Arquibaldos”, apelidos que ele mesmo havia criado para os torcedores que frequentavam os setores da Geral e da Arquibancada do Maracanã.

Os donos do jornal gostavam de “Surf” e criaram o suplemento "Domingo é dia de Surf", o primeiro do Brasil dirigido a esse esporte. O suplemento teve a coordenação de Mauricio de Souza Coelho Neto, na época diretor geral da Associação de Surf de Peito do Rio de Janeiro (ASPERJ).

Acostumado a correr solto nas bancas de revistas do Rio de Janeiro, no fim dos anos 90, o “Jornal dos Sports” teve que enfrentar pela primeira vez na sua história, uma concorrência.

Nas bancas apareceu outro jornal esportivo, o “Lance!”, em 1997, com um conteúdo moderno, com a adoção de cores na primeira página. A queda nas vendas e as dificuldades financeiras levaram os Velloso a vender o “Jornal dos Sports”, em 2000.

Quem comprou foi o armador Omar Resende Peres Filho. Para diretor de redação levou o jornalista Milton Coelho da Graça. Mas não durou muito. Em pouco tempo passou a marca e o arquivo para os empresários Lourenço Rommel Peixoto, que também era vice-presidente do “Jornal de Brasília”, e Armando Garcia Coelho.

Os novos proprietários investiram em equipamentos e mudaram a redação da antiga sede na rua Tenente Possolo, no Centro do Rio, para a Praça da Bandeira. E outros colunistas foram contratados, com destaque para José Inácio Werneck e Marcos de Castro.

Em 2004, Peixoto e Coelho se viram envolvidos na “Operação Sanguessuga”, da Polícia Federal, que investigava denúncias de corrupção na compra de medicamentos pelo Ministério da Saúde do Brasil. Os dois chegaram a ser presos.

Enfrentando outra das tantas crises, o diário foi vendido ao empresário Wellington Rocha. Quatro anos depois, em 2008, um novo grupo de empresários, liderado por Arnaldo Cardoso Pires, assumiu o comando e transferiu mais uma vez a redação, desta vez para a Rua do Ouvidor, no Centro do Rio.

O Jornal dos Sports ainda conseguiu circular por mais dois anos sob a nova direção, até fechar definitivamente as portas em 10 de abril de 2010. (Pesquisa: Nilo Dias)