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segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

O primeiro goleiro profissional do Flamengo

Fernando Botelho, o “Fernandinho”, também conhecido por "dodô", foi o primeiro goleiro a vestir a camisa do Flamengo, do Rio de Janeiro como jogador profissional e também o último como amador. Ainda é vivo e reside no bairro de Ipanema, no Rio de Janeiro.

Nascido em 2 de março de 1913, no bairro do Catete, no Rio de Janeiro, está hoje com 105 anos de idade e em plena forma física. Começou nas categorias de base. Hoje é conselheiro vitalício do rubro-negro carioca.

Desde menino, “Fernandinho” vivia dentro do Flamengo, se tornando sócio do Clube em 1922 com 9 anos de idade. Começou sua carreira futebolística jogando como centromédio, mas logo se transferiu para o gol, de onde não saiu mais.

Garante que era um bom centro-médio da época do Júlio Silva como técnico, mas batia muita bola no gol. Um dia o goleiro, Elidio Sauer, um garoto lá da época se chocou contra a trave e faturou uma costela. Ai o treinador mandou "Fernandinho" para o gol. E a partir dai nunca mais saiu da posição.

”Fernandinho” conta que a sua infância foi muito boa. Ele morava na Rua Paissandu no Flamengo e lá passou sete anos maravilhosos de 1925 a 1932. Lembra que sua mãe era flamenguista. E foi para o time do Flamengo através do intermédio de um jogador antigo, amigo dela, chamado Ademar Martins, o “Japonês”. Como o Flamengo ficava também na Rua Paissandu, era como se fosse seu quintal.

Ele defendia a meta flamenguista quando da transição do amadorismo para o profissionalismo do futebol brasileiro no ano de 1933. Fernando também foi o 1º goleiro a disputar uma partida profissional pelo Flamengo no exterior, em uma excursão com quatro jogos pela América do Sul, enfrentando duas vezes o Peñarol (URU) (3 X 2) (1 X 1), Nacional (URU) (1 X 2) e a Seleção Argentina (1 X 2).


"Fernandinho", em outro momento histórico do Flamengo, atuou no último jogo no velho Estádio da Rua Paysandu, onde o clube mandava seus jogos, terreno cedido pela família Guinle, que tomou posse novamente após este jogo. Foi contra o Sport Clube Brasil, vitória de 5 X 0 , e o goleiro do Brasil era Aymoré Moreira, que se tornaria anos depois o técnico da Seleção Brasileira.


A partir daí o Flamengo começou a mandar seus jogos no Estádio das Laranjeiras (campo do Fluminense), ou no Estádio da Rua General Severiano (campo do Botafogo), e alguns jogos em São Januário (campo do Vasco).

Em 1935, devido uma contusão no joelho, teve de interromper a brilhante carreira aos 21 anos de idade, tendo passado a trabalhar no ramo do café até se aposentar. E também se tornou um entusiasta do turfe, hobby que conserva até os dias de hoje. E faz questão de assistir a performance de seus cavalos “in loco”.


Ao parar de jogar o Flamengo lhe deu 50 contos, muito dinheiro na época. Serviu de entrada para "Fernandinho" comprar seu apartamento que custou 80 contos. Foi o primeiro prédio de oito andares em Ipanema, o "Marajoara", que tinha vista até da Avenida Niemeyer. É onde ele mora até hoje.

Depois fundou um time chamado Olímpico Clube. Reunia jogadores que tinham parado de jogar, entre eles, Preguinho e Jarbas. Fazíam excursões, inclusive no exterior. Chegaram a jogar em Santos de avião fretado da "Condor", coisa raríssima naquela época.

Fã do Arpoador, praia onde costumava pescar camarão de anzol e eleito por ele como melhor lugar do mundo, “Fernandinho” não esconde seu amor pelos cavalos e segue sem freio mesmo depois dos 100 anos. E diz gostar muito disso e até já teve o seu cavalinho da sorte.

Quando completou 100 anos foi homenageado pel Jockey Club Brasileiro, com a realização de um páreo que levou seu nome. Ele é proprietário desde 12 de fevereiro de 1981, da farda cereja e mangas pérola.

Segundo o “Almanaque do Flamengo”, de Roberto Assaf e Clóvis Martins, “Fernandinho” fez 55 jogos pelo Flamengo, entre 1930 e 1934, com 29 vitórias, 11 empates e 15 derrotas. Só tornou-se profissional em 1933. Antes disso, jogava de graça.

Além de jogar no Flamengo, “Fernandinho” também defendia o time da “Medicina e Cirúrgia”, que nos tempos do amadorismo disputava o Campeonato Acadêmico de Esportes, que era patrocinado pelo “Jornal dos Sports”.

As escolas que tinham vários jogadores dos clubes do Rio, contavam com a cooperação dos times para que seus jogadores disputassem o Campeonato Acadêmico. "Fernandinho" era estudante de Medicina.

Isso foi um marco histórico, já que se constituiu na primeira vez que oito Escolas Superiores se empenhavam na conquista de títulos em várias modalidades esportivas, e em especial o campeonato de futebol.

Chegou a sagrar-se campeão invicto por esse clube, tendo na partida final derrotado a Faculdade de Direito, do Rio de Janeiro, por 3  X  1, gols de Moacir, Almir (que defendeu o Botafogo) e Eloy (que jogou também pelo Flamengo).

Goleiro titular da equipe esteve presente na Seleção Acadêmica, que disputou um campeonato internacional. Na fase de preparação, a equipe estudantil fez alguns jogos amistosos contra o Combinado Fla-Flu, Flamengo, Vasco, São Cristóvão, Fluminense, em Minas Gerais, América, Palestra Itália (Cruzeiro), Vila Nova, em São Paulo, São Paulo (de Friedenreich), e Corínthians.

Depois foi para a Argentina e Uruguai, onde foram realizados vários jogos amistosos com times profissionais, ainda sob o patrocínio do “Jornal dos Sports”.

A estreia de “Fernandinho” na meta rubro-negra aconteceu em 20 de abril de 1930, oportunidade em que o Flamengo foi goleado pelo Syrio Libanês por 6 X 1.

No seu último jogo pelo clube da “Gávea”, também não deu sorte, tendo sofrido derrota para o rival Vasco da Gama, por 5 X 2, dia 1º de abril de 1934.

“Fernandinho” não chegou a ganhar nenhum título importante como profissional, sendo campeão apenas nas categorias de base, mas ostenta até hoje a melhor média de gols sofridos em Fla-Flus, na história do clássico, confronto em que se manteve invicto por toda sua carreira.

Seu retrospecto contra o time das Laranjeiras é irretocável. “Fernandinho” estreou no time principal na última rodada do Campeonato Carioca de 1931, quando seu time venceu o clássico por 1 X 0, dando final a uma série de resultados ruins que vinha desde setembro de 1928.

Garante que nunca perdeu para o Fluminense, que considerava o seu freguês favorito. Acha que, no mínimo, foram umas seis partidas disputadas.

O Fla-Flu era o grande jogo da época, mexia com a cidade. O Vasco entrou atrasado, mas era uma potência também, representando a colônia portuguesa. Jura que o América era quem dava mais trabalho, era chato, tinha bons times.

E faz questão de dizer que o ilustre tricolor João Coelho Netto, o “Preguinho”, autor do primeiro gol da seleção brasileira em Copa do Mundo (1930), era um de seus melhores amigos.

A rivalidade naqueles tempos era diferente. Ele chamava o “Preguinho” de Joãozinho e ele não gostava (risos). Mas garante que era uma pessoa maravilhosa. E juntos fundaram o Clube Olympico.

“Preguinho” não era só jogador de futebol, também praticava outras sete modalidades esportivas. Porém, não era o único atleta admirado e citado algumas vezes pelo ex-camisa 1 do Flamengo.

Pirilo, um dos 10 maiores artilheiros do rubro-negro, Evaristo de Macedo, ex-meio-campista que “Fernandinho” garante ter ajudado a levar para a Gávea, o goleiro Júlio César, titular da seleção nas Copas de 2010 e 2014, e os técnicos Kanela, deca-campeão carioca com o basquete rubro-negro, e Flávio Costa, comandante do primeiro tricampeonato do clube (1942/1943 e 1944), são figuras marcantes na sua memória.

Considera Amado Benigno como o melhor goleiro que viu jogar. Garante que se tratava de um grande goleiro. Lembra que as goleiras eram feitas de pedaços de madeira, e se constituiam em verdadeiro perigo. Lembra de uma vez em que fez uma defesa e bateu as costelas naquele bico. Ficou dois, três dias sem andar. 

“Fernandinho garante que a melhor atuação que teve na carreira foi justamente contra o Fluminense, ocasião em que fechou o gol. Lembra que em 1919, quando tinha apenas seis anos de idade, assistiu a uma derrota histórica do Flamengo parta o Fluminense, por 4 X 0, o que garantiu ao time das “Laranjeiras” o tricampeonato estadual (1917-1918-1919).

Tempos depois, quando já era o goleiro titular do rubro-negro, teve a oportunidade de devolver a goleada ao tradicional adversário.
“Fernandinho” lamenta nunca ter jogado uma partida no Maracanã, estádio que não existia no seu tempo de atleta.

O estádio só foi construído 20 anos depois, para a Copa do Mundo de 1950. Mas isso não evitou que no dia 1 de março de 2014, antes de um jogo frente o Nova Iguaçu, pelo Campeonato Carioca, ele, com 101 anos, subisse as escadas até o gramado com uma vitalidade que impressionou a todos.


Fernandinho teve o privilégio de nunca ter levado gol de Leônidas, grande craque do Bonsucesso que é conhecido como o inventor do gol de bicicleta. Mas ele mesmo em uma entrevista disse somente ter aperfeiçoado o que viu o Petronilho de Brito fazer.

Mas Fernandinho lembra de um jogo contra o Bonsucesso de Leônidas, no campo do adversário em um dia chuvoso, em que só levou gol em um pênalty cobrado por Prego, e Darci também de pênalty empatou para o Flamengo. O jogo foui no dia 10 de julho de 1932.


Também não levou gol de Friedenreich, o maior artilheiro do futebol, que na época jogava no São Paulo. E quando veio jogar contra o Flamengo, "Fernandinho" não disputou este jogo, pois havia saído machucado no confronto com o Bonsucesso. Quem atuou foi Amado, que levou o gol de Friedenreich, porém Tales empatou o jogo para o Flamengo.

O centenário ex-goleiro conta que um dos dias mais emocionantes de sua vida viveu ao lado de Zico, quando comemoraram juntos os aniversários. O “Galinho” nasceu em 3 de março e “Fernandinho” em 2 de março. A festa foi na sede da “Gávea”.

Nesse dia “Fernandinho” chegou bem cedo ao clube para se encontrar pela primeira vez com o eterno camisa 10 do Flamengo, que em sua opinião é o maior jogador de todos os tempos. Disse na ocasião, que era uma felicidade imensa estar com o Zico, que não poupou elogios ao centenário. E disse que desejava chegar na mesma idade que ele.

Hoje a história de Fernando Ferreira Botelho, o “Fernandinho” faz parte do acervo do “Museu da Pelada”, por sugestão do jornalista Caio Barbosa, que havia questionado as razões pelas quais alguém com a história dele, ainda não havia sido lembrado.

O centenário ex-goleiro tem muita história para contar. Mesmo estando com 105 anos, a sua lucidez impressiona. É capaz de falar sobre qualquer assunto, não importando se delicados ou polêmicos para a época em que jogou.

Lembra que a bola era pesada e ainda não existiam luvas na época, o que lhe deixou dedos tortos. Ele conta que tudo era importado da Inglaterra. Vinha tudo num baú, bolas, camisas, meias e chuteiras. E as longas viagens de navios para jogar fora do país, que chegavam a durar cerca de 10 dias. E tudo isso ele garante que tirava de letra.

Perguntado se no seu tempo havia homossexualismo no futebol, ele mão fugiu de responder. Disse que sim e não era camuflado. Complementou afirmando que homossexualismo tem no mundo inteiro e desde aquela época já tinha.

E completou: “O Rio de Janeiro era muito bom, o Carnaval era um sonho, não tinha freio. Davam 15 dias de férias e era difícil nos segurar. Nós bebíamos cerveja, mas pior é quando entrava na cachaça, todo mundo duro, era mais baratinho”.

Convidado a falar sobre o futebol de hoje, “Fernandinho” não aliviou nem o craque do PSG, e da seleção brasileira, Neymar. “É muito fresco. E jogador fresco eu não gosto. Ele é bom, mas tem muita mulher no meio”.

Sobre a Copa do Mundo da Rússia, no ano que vem, “Fernandinho” não leva muita fé, pois o futebol brasileiro não produz mais craques como antigamente. E reverencia o craque português Cristiano Ronaldo. “Esse é jogador de futebol. Sabe jogar, vai e resolve”, garante. Sobre Messi disse que é bom, mas por ser pequenininho, dão muita porrada nele.

Títulos conquistados: Flamengo: Campeão Carioca Juvenil, invicto (1927); Campeão Carioca do Terceiro Quadro. (1930); Campeão Carioca do Segundo Quadro. (1931); Vice-Campeão Carioca do Primeiro Time (1931); Campeão da Taça “Fidalga” (1932); Campeão da Taça Companhia Aliança da Bahia (1932); Campeão do Troféu Interventor Federal da Bahia (1932). Pelo Medicina e Cirurgia: Campeão Acadêmico Invicto do Rio de Janeiro. (1932); Campeão Acadêmico Invicto do Rio de Janeiro. (1934). Honrarias: Cidadão Benemérito da cidade do Rio de Janeiro. (2015). (Pesquisa: Nilo Dias)

Foto de hoje.

No tempo em que jogava.

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Carlos "Kaiser", o jogador que não jogava

É difícil de acreditar, mas é a mais pura das verdades. Carlos Henrique Raposo, mais conhecido como Carlos "Kaiser", um gaúcho de Rio Pardo, nascido a 2 de julho de 1963, conseguiu a proeza de passar mais de 20 anos fingindo ser jogador de futebol e assinando contratos com grandes clubes brasileiros e da Europa.

Tinha o apelido de "Kaiser" em razão de sua semelhança com o craque alemão Franz Beckenbauer. E era também conhecido como “Forrest Gump” (pessoa que conta muita estória, muito papo ou mentiras) do futebol brasileiro. Sua história vai merecer um documentário que será apresentado ainda neste ano de 2018.

O filme, dirigido por Louis Myles, produtor da BBC britânica em eventos esportivos, como a Olimpíada de Londres e a Copa do Mundo de 2014, terá o nome de “The Greatest Footballer Never to Have Played Football” (Kaiser: o Grande Jogador de Futebol que Nunca Jogou Futebol).

De acordo com o jornal inglês “ The Guardian”, o longa conta com entrevistas de Zico, Carlos Alberto Torres (falecido), Júnior, Bebeto, Renato Gaúcho, e o próprio "Kaiser", que afirma ter sido um jogador de talento, mas que decidiu não fazer uso disso. Junto dos depoimentos, algumas partes serão encenadas, e o personagem principal será interpretado pelo ator Eduardo Lara.

Em 2011, o programa “Esporte Espetacular”, da Rede Globo, exibiu uma matéria que contava, com detalhes, como "Kaiser" conseguiu, por mais de 20 anos, ludibriar diversos clubes brasileiros, entre eles, Botafogo, Flamengo, Bangu, Fluminense, Vasco da Gama, América.

E do exterior, Puebla, do México, Independiente, da Argentina, El Paso Patriots, dos EUA, Louletano, de Portugal e Gazélec Ajaccio, da França, fazendo parte de seus elencos, mesmo sem praticamente ter disputado partidas oficiais.

O Ajaccio, humilde clube da Europa lhe preparou uma apresentação da qual ele para sempre se lembrará. O estádio era pequeno, mas estava cheio de fãs. Viu que havia muitas bolas no gramado. Ficou nervoso porque iriam descobrir que ele não sabia jogar.

Entre seus supostos feitos notáveis, "Kaiser" alega ter sido campeão Mundial Interclubes pelo Independiente em 1984, fato não confirmado pela diretoria do clube argentino.

Se era um jogador que nunca jogou futebol, e em razão disso não tinha amizade com a bola, ninguém duvida que foi um craque em se relacionar com algumas estrelas do futebol brasileiro.

Aos 55 anos, Carlos "Kaiser" atualmente mora no Flamengo, no Rio de Janeiro. E depois de muito tempo resolveu revelar as suas histórias. Pinóquio” era café pequeno para ele. “Pior do que cara de pau, esse rapaz é o maior 171 do futebol brasileiro”, brinca Ricardo Rocha, um dos amigos de “Kaiser”.

A vida de Carlos Henrique Raposo, mais conhecido o “Kaiser”, merecia bem mais que um simples documentário, e sim um filme longa metragem. Apesar da sua história estar mais para outro sucesso do cinema americano, "Prenda-me se for capaz".

Mas o que ele fez foi fantástico. Por mais de 20 anos conseguiu enganar grandes clubes brasileiros. Foi para a França, passou pelos Estados Unidos, fez uma escala no México, sem praticamente ter entrado em campo para uma partida oficial.

Ele dava desculpas das mais estapafúrdias para não jogar. Em cerca de 20 anos de carreira, "Kaiser" entrou em campo poucos vezes para disputar uma partida oficial. Não completou nenhuma. Muito menos no Brasil, onde ninguém o viu jogar. Em todo jogo ele dava “migué”. Quase sempre saía machucado. Até em treino, se pudesse, saía machucado, admitiu.

Raposo era a esperança da família de render algum dinheiro no futebol. Mas havia um problema neste plano. Ele nunca quis jogar bola, de fato. A lenda de Carlos “Kaiser” começou em meados dos anos 1970, quando ele atuava por equipes juvenis do Botafogo.

O ex-jogador Maurício, ídolo do Botafogo, na época, foi quem o levou ao clube alvi-negro. O vínculo entre eles tinha nascido na infância e ganhou importância nos anos seguintes.

Em 1986, Raposo conseguiu, no futebol, o seu primeiro contrato ou, o que muitos consideravam, seu primeiro golpe, já que foi convocado pelo simples fato de estar ligado à uma figura do meio.

Quando esteve no Flamengo, Raposo chegava aos treinos com um celular, o que, nesse momento, demonstrava um status econômico superior. Então, simulava uma conversa em inglês ao telefone fazendo com que acreditassem que equipes europeias estavam interessadas em contratá-lo.

Apesar de toda a equipe, dos jogadores e da parte técnica acreditarem nas suas conversas em inglês, acabou desmascarado pelo médico do clube, que havia morado na Inglaterra, explicando que os diálogos de Raposo pelo celular não faziam sentido.

Carlos Kaiser sempre foi bem relacionado e fazia amizades com facilidade. Era amigo de jogadores importantes do futebol brasileiro, como Carlos Alberto Torres, Ricardo Rocha, Moisés, Tato, Renato Gaúcho, Romário, Edmundo, Gaúcho, Branco, Maurício, entre muitos outros.

No tempo em que ele enganava dirigentes e treinadores, os meios de comunicação ainda não eram tão desenvolvidos. Não existia Internet, TV por assinatura transmitindo ao vivo jogos de todo o mundo ou empresários circulando pelos corredores dos clubes com DVDs editados de dezenas de jogadores.

E “Kaiser” se aproveitava dessa falta de informação. Sempre que algum de seus amigos famosos era contratado por um clube, ele era levado como contrapeso para fazer parte do elenco. E assinava contrato de risco, mais curto, de normalmente três meses. Mas recebia as luvas do contrato e ficava lá por esse período.

Ricardo Rocha, seu grande amigo, contava aos risos: “É um amigo nosso, uma ótima pessoa, um ser humano extraordinário. Mas não jogava nem baralho. O problema dele era a bola (risos). Nunca vi ele jogar em lugar nenhum. É um “Forrest Gump” do futebol brasileiro. Conta história, mas às 16 horas, num domingo, no Maracanã, nunca jogou. Tenho certeza”.

Diz saber que ele ia para o clube jogar e, na hora de entrar em campo para mostrar alguma coisa, simulava contusão. Aí não participava, falava que era estiramento e ficava de dois a três meses sem treinar. “É 171 nato”. (trambiqueiro, no código penal 171 é estelionato)



O goleador da Copa do Mundo de 1994 nos Estados Unidos, Bebeto, declarou: “Ter uma conversa com ele era tão bom que, se você o deixasse abrir a boca, iria pegar você e seduzi-lo. Você não conseguia evitar, era o fim”.

"Kaiser" tinha uma vantagem: alto, sempre teve um porte físico avantajado. Tinha pinta de jogador. E puxava a fila nos treinos físicos.

Como alegava que chegava fora de forma, conseguia ficar duas semanas só correndo em volta do campo. O problema era quando a bola rolava. Aí entrava em cena a segunda parte do plano.

Ele mandava alguém levantar a bola e errava a jogada. Aí sentia o posterior da coxa, ficava 20 dias no Departamento Médico. Não tinha ressonância (magnética) na época. E quando a coisa ficava pesada para o seu lado, tinha um dentista amigo seu que dava um atestado de que era foco dentário. E assim ia levando.

Renato Gaúcho, também grande amigo de “Kaiser”, conta que ele era um “inimigo” da bola. A parte física era com ele. No coletivo combinava com um colega: “na primeira jogada me acerta porque eu tenho que ir para o Departamento Médico”.

A semelhança com Renato Gaúcho também era bem-vinda. Os dois se divertiam bastante na noite. “Kaiser” confessa que se foi clone de alguém na vida, era do Renato Gaúcho.

Os dois se conheceram em 1983, ele jogava no Grêmio e ia muito ao Rio. E garante que a fama que Renato tem com as mulheres, perto dele não era nada. 
Renato Gaúcho, que era um dos jogadores de futebol brasileiro mais destacados da época, o chamou de “o maior jogador de futebol de todos os tempos”.

A tática era conhecida por vários companheiros, que encobriam a história. Afinal, “Kaiser” era bem relacionado em outras áreas também. Na época os times concentravam em hotel. Ele chegava três dias antes, levava 10 mulheres e alugava apartamentos dois andares abaixo de onde o time ia ficar.

De noite ninguém fugia de concentração, a única coisa que faziam era descer escada. Tanto que tem treinador hoje que bota segurança no andar. Kaiser frequentava as casas noturnas mais badaladas do Rio de Janeiro e aproveitava o fato de ser jogador de futebol para se aproximar das mulheres.

Ele mesmo conta que mulher era a coisa mais fácil, podia ser em espanhol, inglês, francês. Porque jogador já tem esse assédio, e ele não se considerava um cara feio.

Para alguns dirigentes e treinadores, "Kaiser" não passava de um jogador azarado. E assim ele conseguia ganhar tempo. Colocava no bolso um ou dois meses de salário. Quando a situação começava a ficar difícil de ser sustentada, aproveitava outro amigo e trocava de clube. Assinava um novo contrato de risco, recebia as luvas. E começava tudo outra vez.

“Kaiser” garante que não se arrepende de nada que fez. E complementa: “Os clubes já enganaram tantos jogadores, alguém tinha que ser o vingador dos caras”.

Para não ser desmascarado, “Kaiser” precisava ter boas relações também com a imprensa. Por isso, distribuía camisas do clube onde estava e passava algumas informações.

Elogiado pelos amigos famosos, ele aparecia em matérias acompanhado de adjetivos como "artilheiro" e “goleador”. Apesar disso, outras fontes revelaram que Raposo, além de ser amigável, também comprava presentes para o pessoal da imprensa.

Assim, os meios de comunicação davam respaldo à imagem de bom jogador que era vendida aos clubes. Quando foi jogar no Bangu, um jornal da época deu à matéria sobre sua contratação o título: “O Bangu já tem seu rei: Carlos Kaiser”.

O jogador que não jogava, complementou: “Eu tenho facilidade em angariar amizades, tanto que muitos da imprensa da minha época gostavam de mim, porque nunca tratei ninguém mal”.

"Kaiser" encerrou sua carreira aos 39 anos, jogando pelo Ajaccio, clube da segunda divisão da França, no qual ficou por longo tempo. O atacante garantiu que dessa vez ele jogou de verdade, porém, não mais do que 20 minutos por partida, poucas vezes por temporada.

Mas reconhece que pelas oportunidades, pelos times que passou, se tivesse se dedicado mais, teria ido mais longe na carreira. De certa forma, se arrepende de não ter levado as coisas a sério. E garante, que se teve alguém que ele prejudicou a vida toda, foi a ele mesmo.

Mais experiente, Carlos Henrique não se arrepende do que fez, mas confessa que se tivesse uma chance de voltar no tempo, a história seria diferente.

Atualmente, e depois de ter desfrutado anos e anos de um salário de jogador de futebol que não merecia, ele passa seus dias na academia como “personal trainer” para mulheres. Com 55 anos de idade, ele já não consegue mais se passar como jogador, porém continua sendo um atleta.

Em uma das muitas histórias fantasiosas que rondam sua vida, Raposo disse que uma vez esteve muito perto de fazer parte de um filme pornográfico. Ele acompanhou seu primo para uma audição, e segundo disse, deixou uma boa impressão, tudo por causa de seu bom papo e carisma.

Quase teve uma participação no filme. “Toda a minha vida girou em torno do sexo”, declarou, excluindo qualquer outro hobby que possuísse.

“Se eu fosse a uma boate, e passava 10 minutos com uma menina, eu tinha que a levar em algum lugar, fosse um banheiro, ou o primeiro cubículo que encontrava”, disse ele. E explicou que agia assim por conta da forma que havia sido criado, numa sociedade machista.

Um dos maiores capitães de futebol que o Brasil já teve em sua história foi um grande amigo de Raposo. E era ele quem permitia que “Kaiser” levasse uma vida de luxo, apesar de ser um falso jogador.

Carlos Alberto ofereceu a "Kaiser" um quarto em um hotel de Búzios, o “Saint Tropez”, para passar as festas de final de ano, como Natal e Ano Novo. A arte de enganar pessoas não era apenas focada no ambiente do futebol, mas sim um modo de vida para Raposo.

Ele conseguiu perpetuar pequenos golpes no dia-a-dia, como fingir perder sua carteira, dizer que o caixa eletrônico tinha prendido o seu cartão, entre outros, para não pagar suas refeições.

Algumas pessoas até dizem que ele realmente adotou o lema de “coma à vontade” nos rodízios muito seriamente, comendo 70 fatias de pizza em um restaurante.

Um dos maiores problemas de “Kaiser” apareceu quando se alistou no Bangu, cujo proprietário era o Castor de Andrade, chefe de uma milícia. Este apresentou-o ao clube e fãs como “A chegada do Rei”.

Nesse encontro o treinador o obrigou a entrar num jogo, em que o Bangu perdia para o Coritiba. Desesperado, “Kaiser”,  ainda estava no aquecimento, prestes a entrar em campo, quando inventou uma briga fictícia com um torcedor por causa de uma suposta ofensa gritada ao treinador.

Tudo isso para que conseguisse ser expulso antes mesmo de começar a jogar. Como era um gênio das mentiras, este falso jogador de futebol não deixava espaço para erros.

Seus companheiros de equipe gostavam dele, tinha amigos no camarim e também conseguiu conquistar o público. Algumas dessas pessoas que gostavam dele foram pagas para gritar seu nome quando o presidente do clube estava perto, bem como os repórteres para falarem bem dele na mídia.

“Kaiser” tinha várias maneiras de evitar encostar em uma bola de futebol, ato que desmascararia toda a sua farsa. O principal método era fingir se lesionar nos treinos, por isso ele pagava os mais jovens para dar alguma entrada difícil nele.

Ou então, inventava uma suposta morte de sua avó, que devia ter pelo menos sete vidas, afinal ele a matou diversas vezes para não entrar no campo. A arma de sedução de Raposo era sua maneira de falar e o que ele expressava. Ele tinha uma maneira de se comunicar que era única.

Como muitas lendas que foram se estabelecendo ao longo do tempo, as circunstâncias de vida que Raposo viveu naqueles 20 anos de sua vida já parecem surreais. Os anos já se passaram, mas em sua memória permanecem histórias com detalhes fantásticos.

Embora tudo até pareça mentira, uma coisa que se tem certeza é que essa loucura toda realmente ocorreu devido aos variados testemunhos que a sustentam. Sua história de vida começou a se espalhar e se tornou famosa.

Carlos "Kaiser" também se comparou a Jesus Cristo, justificando suas ações quando disse: “Eu só queria ser um esportista e não queria jogar futebol”.

E acrescentou: “Se todas as outras pessoas queriam que eu fosse um jogador de verdade, esse era um problema delas”. E continuou: “mesmo Jesus não conseguiu agradar a todos, por que eu faria isso?”. (Pesquisa: Nilo Dias)


Carlos "Kaiser", junto dos ex-jogadores "Gaúcho" e Renato Gaúcho. (Foto: Divulgação)

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

"Anjo Negro", o grande goleiro do Acre

Valtemir Pereira, o "Anjo Negro", goleiro que defendeu equipes do Acre nos anos 1990 e 2000, morreu no dia 16 de agosto de 2007, vítima de meningite, com a idade de 39 anos. Ele estava internado na UTI da Fundacre, na capital acreana. O seu estado clínico já era preocupante há algumas semanas. 

O goleiro, que ficou mais conhecido por "Anjo Negro", foi um dos melhores jogadores na posição revelados no futebol do Acre, em todos os tempos. 

Ele ganhou notoriedade depois de ter agredido o árbitro de futebol Cléver Assunção Gonçalves, durante um jogo contra o Flamengo, realizado em 1997, no Maracanã, no Rio de Janeiro, válido pela terceira fase da Copa do Brasil e vencido pelo rubro-negro carioca por 5 X 1. 

O Flamengo jogou aquele dia com Zé Carlos - Fábio Baiano - Júnior Baiano - Fabiano e Athirson. Jamir (Maurinho) - Bruno Quadros - Lúcio (Marco Aurélio) e Evandro (Iranildo). Romário e Sávio. 

Os gols foram de Romário (2), Evandro, Bruno Quadros e Sávio, para o Flamengo, e Papelim, para o Rio Branco (AC). No primeiro jogo, no estádio José de Mello, em Rio Branco (AC), o time local venceu por 2 X 1, gols de Biro-Biro e Bala, e Flávio Galvão, para o Flamengo.

O Flamengo levou um time reserva e tomou um couro de 2 X 1. Foi um jogão. Até a enorme torcida do Flamengo, em Rio Branco, ficou orgulhosa com o "Estrelão", apelido dado ao Rio Branco.

No segundo jogo, o "Mengão" não quis arriscar e, em pleno Maracanã, lotado até a tampa, com Romário e Companhia sapecou 5 X 1 no time do Acre.

Nesse jogo, o árbitro mostrou cartão amarelo para o goleiro do Rio Branco aos 28 minutos do primeiro tempo, considerando que estava demorando a bater um tiro de meta. Irritado por isso, Valtenir empurrou o rosto de Gonçalves com a bola.

E foi expulso. Fora de sí, "Anjo Negro" deu três socos e um pontapé na bunda do árbitro. Só parou com a chegada da Polícia. E disse que "o juiz foi comprado pelo Flamengo". E ainda: "Por que ele tinha que dar cartão vermelho pra mim?". Saiu de campo escoltado por policiais militares.

Levado em um camburão para o 20º Distrito de Polícia, Valtenir foi indiciado no Código Penal por lesão corporal. Em seu depoimento, reconheceu ter agredido o juiz em "um ato impensado".

Segundo Valtemir disse na Polícia, a sua atitude estabanada foi originada pelas expressões nada lisonjeiras e até preconceituosas por parte do juiz e do jogador Romário tais como: “Passa a bola, nego filho da puta!”.

O árbitro mineiro, afirmou na delegacia ter sido atingido por um soco em seu ouvido esquerdo. No início da madrugada ele foi encaminhado ao Instituto Médico Legal (IML) para exame de corpo de delito.

O Flamengo, conseguiu avançar com a goleada imposta ao time acreano e chegou à final da competição naquele ano, mas perdeu a decisão para o Grêmio, após dois empates, um sem gols em Porto Alegre e outro por 2 X 2, no Rio de Janeiro.

Após a agressão, o goleiro acabou nos noticiários de todo o país. Sua loucura ficou atestada no ano seguinte, quando quase pôs fim a vida, depois de disparar um tiro contra o próprio peito. A revista "Placar", a época, dedicou duas paginas ao episódio e apelidou o arqueiro de "pugilato". O título da matéria foi o seguinte: "Passou raspando".

Recuperado, o goleiro deu a volta por cima e chegou a figurar na lista dos melhores da posição no futebol local. Em 2007, após um convite da professora Cláudia Malheiro, "Anjo Negro" aceitou voltar a jogar, vestindo dessa feita a camisa número 1 do Andirá, time do Acre.

As boas defesas acabaram rendendo elogios e o título de melhor jogador durante alguns jogos do clube "morcegueiro". Além da profissão de goleiro, "Anjo Negro" complementava a renda familiar prestando serviço para uma empresa de segurança.

Ao longo de sua carreira, o atleta passou pelo Andirá (AC), Independência (AC), Juventus (AC), Rio Branco (AC) e Vasco (AC). (Pesquisa: Nilo Dias)

Gol de honra do Rio Branco, na goleada de 5 X 1, Papelim, de pênalti.

Estádio José Melo, em Rio Branco, onde o time local ganhou do Flamengo, do Rio de Janeiro por 2 X 1. ( Foto: Jornal "Tribuna do Norte")