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domingo, 4 de dezembro de 2011

Morreu o “Doutor do Futebol”

O futebol brasileiro perdeu na madrugada deste domingo um de seus maiores ídolos em todos os tempos. Sócrates Brasileiro Sampaio de Sousa Vieira de Oliveira estava internado desde a noite da última quinta-feira, na UTI do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, em razão de uma infecção intestinal causada por bactéria. Sócrates, sua mulher e um amigo teriam passado mal após o almoço na quinta-feira, no restaurante de um hotel em São Paulo, quando foi servido um estrogonofe. O ex-craque, de 57 anos, morreu às 4h30 desta manhã de domingo, em conseqüência de um choque séptico.

Essa foi a terceira e última internação de Sócrates nos últimos quatro meses. Ele foi internado pela primeira vez em 19 de agosto, com uma hemorragia digestiva causada pelo consumo prolongado de álcool. Foram nove dias hospitalizado. Em 5 de setembro, o ex-jogador voltou a ser internado - desta vez, por mais 17 dias. Com o fígado comprometido por uma cirrose hepática, o ex-atleta precisava de um transplante para voltar a ter vida normal. Sócrates deixou seis filhos.

Em recente entrevista para Ana Maria Braga, no programa "Mais Você", da rede Globo, Sócrates disse o seguinte: “Nunca precisei beber todos os dias e nunca tive abstinência, com tremores. Posso ficar meses sem beber. Mas comportamentalmente a bebida era importante para mim. O álcool era um companheiro, assim como o cigarro, que continuo fumando”, disse.

O ex-atleta nasceu em Belém (PA), no dia 19 de fevereiro de 1954. Foi revelado pelo Botafogo, clube de Ribeirão Preto (SP), onde foi considerado um fenômeno desde o início, pois quase não treinava em função de frequentar o curso de medicina na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP). Nesse time ele foi campeão do 1º Turno do Campeonato Paulista de 1977 e artilheiro do campeonato. Também se destacou no Campeonato Brasileiro, autor de um célebre gol de calcanhar contra o Santos em plena Vila Belmiro.

Antes de entrar na Faculdade de Medicina, Sócrates fazia cursinho em Ribeirão Preto e já jogava nas categorias de base do Botafogo. Seu pai queria que ele estudasse e não tinha muito interesse que o filho se tornasse futebolista. Certa vez, Seu Raimundo deixou Sócrates no cursinho e foi assistir a um jogo dos juniores do Botafogo. Qual não foi sua surpresa ao perceber que em campo estava o seu filho. Foi uma bronca e tanto.

Socrátes se firmou no Corinthians em 1978, refazendo a dupla com seu ex-companheiro Geraldo Manteiga. Mas seus grandes companheiros de ataque nesse time foram Palhinha e o amigo Casagrande. Sócrates só aceitou jogar para valer depois que se formou na faculdade de medicina. Na Seleção Brasileira estreou em 1979.

Sócrates se despediu do Corinthians num domingo, dia 03 de Junho de 1984,em um jogo realizado em Juazeiro do Norte (CE), para comemorar os 50 anos da morte do Padre Cícero. Foi um amistoso contra o Vasco da Gama (RJ), vencido pelo clube paulista por 3 X 0. Na ocasião Sócrates disse: “Acho que o povo sofrido daqui do sertão gostou. Eu gostei”.

E Sócrates teve motivos de sobra para ficar feliz: a torcida fez romaria para recepcioná-lo e vê-lo jogar. Após a partida, no vestiário, sentou-se num banco e cobriu o rosto com as mãos. Depois riu e abraçou todos os companheiros que estavam por perto, numa cena comovente.

Foi uma das estrelas de dois dos maiores esquadrões do futebol mundial: a Seleção Brasileira de Futebol da Copa do Mundo de 1982 e o Corinthians da década de 80. Teve ótimas atuações, marcou dois belíssimos gols nos jogos dificílimos contra URSS e Itália, e mostrou toda sua categoria. Mas não foi o suficiente para o Brasil se sagrar campeão.

Na Copa do Mundo de 1986 esteve novamente em ação, mas já fora da forma ideal. Ficou ainda marcado pelo pênalti desperdiçado contra a França, na decisão que desclassificou o Brasil.

O doutor Sócrates teve uma rápida e decepcionante passagem pela Fiorentina, onde sofreu com o frio e com a solidão. Seu melhor amigo era um argentino, Daniel Passarela. O craque brasileiro se sentia prejudicado pelos companheiros de quem suspeitava que manipulassem resultados. Quando rompeu o contrato com a equipe de Florença, deixou de receber algo em torno de um milhão e meio de dólares. “Eu não queria o dinheiro. Queria felicidade”, dise na ocasião.

Sócrates retornou ao Brasil para encerrar a carreira. Atuou ainda no Flamengo, no Santos e no Botafogo, de Ribeirão Preto. Em 2004, atendendo a um convite de um amigo, ele participou de uma partida com a camisa do Garfoth Town, equipe da oitava divisão da Inglaterra.

Os clubes onde Sócrates jogou: 1973 a 1978 Botafogo-SP; 1978 a 1984 Corinthians; 1984 a 1985 Fiorentina; 1986 a 1987 Flamengo; 1988 Santos e 1989 Botafogo-SP, onde encerrou a carreira.

Fora do futebol, Sócrates sempre manteve uma ativa participação política, tanto em assuntos relacionados ao bem-estar dos jogadores quanto aos temas correntes do país. Participou da campanha “Diretas Já”, em 1984 e foi um dos principais idealizadores do movimento "Democracia Corintiana", que reivindicava para os jogadores mais liberdade e mais influência nas decisões administrativas do clube.

Ele foi o revolucionário do futebol brasileiro. A “Democracia Corintiana” era uma espécie de auto-gestão em que todas as questões do clube eram decididas através do voto. Ali, no timão democrático, o reserva do reserva do goleiro tinha o mesmo peso de decisão que o presidente do clube. Sócrates, capitão do time, magro, fumante, boêmio incorrigível e avesso a treinos, tornou-se o próprio exemplo do anti-atleta mas, quando em campo, tornava-se genial.

Sócrates tinha tudo para não ser um bom jogador de futebol: fumava, bebia, não suportava concentração, tinha pé pequeno em relação à altura e ainda estudava medicina. Não era um exemplo de desportista e acabou virando um craque. Geralmente o grande jogador de futebol é aquele cara que vem de uma família pobre, que não tem estudo e que só sabe fazer aquilo. Sócrates foi uma exceção.

E ele via isso com naturalidade: “Numa sociedade como a nossa, que não tem educação, isso é natural. Todo mundo que tem um pouco de discernimento é uma exceção nesse país”. E completava dizendo: “O futebol é a cara do país, só que tem muita gente que não quer enxergar. O nível de ignorância que existe no futebol é o mesmo da sociedade brasileira”.

E contou que era uma exceção porque pode estudar. Seus pais lhe deram esta oportunidade. Seu pai não estudou, tinha o primeiro ano do primário incompleto e foi autodidata em tudo. E só conseguiu estudar quando estava estabilizado. Ele fez a faculdade junto com Sócrates. O seu nome, por exemplo, vem do autodidatismo do seu pai. Ele tinha uma necessidade absoluta de conhecimento, ele queria sair da merda que nasceu. E conseguiu. Na época ele estava lendo a “República”, de Platão e deu o nome para os três filhos: Sócrates, Sófenes e Sófocles.

Questionado se tinha algum ídolo no esporte, Sócrates foi categórico: “Não, no esporte não. Meus únicos ídolos foram o Che Guevara e o John Lennon”.

Sócrates não foi apenas um jogador de futebol. Ideologicamente, ele fez a cabeça de uma geração reprimida pelos anos de ditadura no Brasil. Em 1984, subiu a diversos palanques para defender o voto direto para presidente. Prometeu sair do país se o voto direto não fosse aprovado na Câmara. Dito e feito: frustrado, Sócrates partiu para a Fiorentina, na Itália.

Pela Seleção Brasileira, o jogador esguio e pouco afeito à preparação física foi um dos pilares da equipe de Telê Santana na Copa do Mundo da Espanha, em 1982. Mesmo sem ter sido campeão (foi eliminado pela Itália na segunda fase), o time é considerado o mais talentoso do Brasil desde 1970.

No México, em 1986, o time de Telê não repetiu a performance técnica do Mundial anterior, mas chegou às quartas-de-final, quando caiu derrotado pela França, na disputa nos pênaltis. Sócrates manteve sua tradição de contestação e arrumou uma briga com a Fifa por ter entrado em campo com uma mensagem política.

Sócrates, médico formado, comentarista da TV Cultura e da revista “Carta Capital”, realmente foi um jogador de futebol acima da média. Ele sempre costumava dizer que “nenhum ambiente, nem o de 1982, me fez tão bem como o da "Democracia Corinthiana". Não troco a alegria de ter sido capitão daquele Corinthians por nada”.

E orgulhava-se ainda de ter integrado o time daqueles que lutaram pelas “Diretas Já”, como os artistas Fafá de Belém, sua conterrânea, Chico Buarque, Fernanda Montenegro e Regina Duarte e os políticos Franco Montoro e Dante de Oliveira, cuja emenda em favor do movimento levava seu nome. Coincidência: o primeiro comício das "Diretas Já" em São Paulo foi em frente ao estádio do Pacaembu, onde o Corinthians mandava seus jogos.

O futebol, para Sócrates, só tinha importância se existisse um contexto social. “As minhas vitórias políticas são infinitamente superiores às minhas vitórias como jogador profissional. Um jogo acaba em 90 minutos. A vida prossegue. E ela é real”.

Sócrates tentou a carreira de treinador. Foi no Cabo Frio, que é um time pequeno do interior do Rio de Janeiro. Ficou sete meses por lá e conseguiu botar o time na primeira divisão do Estadual. Dirigiu o time em dois jogos na primeira divisão, e foi demitido.

O motivo para a sua demissão foi político. Quem bancava o clube era a prefeitura. Era ano eleitoral e o objetivo do prefeito era ter algum tipo de prestigio político com o clube. Sócrates como técnico estimulava as pessoas a lerem, e começou a criar programas educativos dentro do clube. E tudo isso incomodou o prefeito.

Títulos conquistados: Campeão do 1º turno do Campeonato Paulista de 1977 (Botafogo, de Ribeirão Preto-SP); Campeão Paulista pelo S.C. Corinthians (1979, 1982, 1983); Campeão da Taça Rio de Janeiro pelo C.R. Flamengo (1986); Campeão Carioca pelo C.R. Flamengo (1986); Vice-Campeão do Mundialito de Montevidéu pela Seleção Brasileira (1980); Campeão da Taça da Inglaterra pela Seleção Brasileira (1981); Campeão da Taça da França pela Seleção Brasileira (1981); Vice-Campeão da Copa América pela Seleção Brasileira (1983).

Além de títulos, Sócrates foi agraciado com vários troféus: Artilheiro do Campeonato Paulista, com 15 gols (1976); Bola de Prata da Revista Placar (1980); All-Star Team da Copa do Mundo da FIFA (1982); 6º Maior Jogador da Copa do Mundo FIFA (1982); 5º Melhor jogador do Mundo eleito pela World Soccer (1982); Melhor Jogador Sulamericano do ano eleito pelo jornal El Mundo (1983); 100 Craques do Século - World Soccer (1999); CNN Sports - 100 Maiores das Copas (2002) e Prêmio FIFA 100 (2004). (Pesquisa: Nilo Dias)