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segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

A história do gol olímpico

Um dos lances mais bonitos do futebol é sem dúvida o chamado gol olímpico. Ele acontece quando na cobrança de escanteio a bola entra direto no gol, sem tocar em ninguém. No início, o gol marcado direto do escanteio não era considerado válido no futebol. Em 14 de junho de 1924, poucao antes dos Jogos Olímpicos de Paris, a Fédération Internationale de Football Association (FIFA) alterou as regras, para validar o gol feito pelo cobrador do escanteio.

Segundo o historiador esportivo Jorge Gallego, o autor o autor do primeiro gol direto de escanteio foi o escocês Billy Alston, que jogava no Yorkshire, em uma partida da Segunda Divisão de seu país, em 21 de agosto do mesmo ano, ainda que não tenha tido nenhuma repercussão internacional. Dois meses antes, os gols marcados diretamente de cobrança de escanteios não tinham validade. Na Inglaterra, o primeiro gol de escanteio foi marcado por Billy Smith, jogador do Huddersfield Town’s, também em 1924.

Já o termo "gol olímpico" surgiu num jogo amistoso entre as seleções da Argentina e do Uruguai, em 2 de outubro de 1924. O autor do gol foi o atacante argentino Cesáreo Onzari e a sua equipe ganhou por 2X 1. Os argentinos chamaram o gol de olímpico para ironizar a seleção uruguaia, que havia ganho o torneio da Olimpiada de Paris.

Nos Jogos Olímpicos, o futebol foi admitido em 1908 e a primeira seleção a ser campeã foi a Inglaterra, que venceu a Dinamarca por 2 X 0 na final. Nos jogos de 1924, em Paris, o futebol sul-americano começou a aparecer no cenário internacional: o Uruguai assombrou o mundo, ao ganhar da Suíça por 3 X 0, no jogo final.

Naquela época ainda não havia o Campeonato Mundial, que seria disputado pela primeira vez seis anos depois, em 1930, no Uruguai, mesmo já existindo a FIFA, que foi fundada no dia 21 de maio de 1904, após uma série de reuniões em Paris.

No retorno da França, os argentinos desafiaram os uruguaios para duas partidas comemorativas. Os dois países eram protagonistas naqueles anos, do maior clássico futebolístico do continente. Os “orientais”, certos de que venceriam, aceitaram. A primeira, disputada no dia 21 de setembro, em Montevidéu, terminou empatada em 1 X 1.
O segundo jogo foi marcado para uma semana depois, no estádio do Centro Sportivo Barracas, em Buenos Aires, que foi abaixo e não existe mais. Hoje uma praça se instala onde estavam fincadas as traves de madeira, que receberam o primeiro gol direto de um corner. O estádio, que tinha capacidade para 40 mil lugares estava lotado. Todas as expectativas foram superadas: 42 mil ingressos foram vendidos, 35 mil populares a 1 peso e 7 mil platéias a 3 pesos.

Somando os ingressos vendidos e os sócios e colaboradores do clube dono do estádio, que não pagavam, o jornal “La Nación” calculou um público de 52 mil pessoas. Já o “La Razón”, estimou uma platéia de 60 mil pessoas. A partida começou com muita gente a beira do gramado. Quando decorriam apenas quatro minutos, o árbitro uruguaio Ricardo Vallarino decidiu suspender o "match". Em conseqüência aconteceram incidentes, com alguns feridos.

A revanche foi marcada para nova data: 2 de outubro. Várias medidas foram tomadas, entre elas cercar o campo de jogo com um alambrado de 1,5 metro de altura. A partir daí, embora já existissem vários campos cercados no país e em Montevidéu, passou a chamá-los de alambrado olímpico. Também foi restringida a quantidade de ingressos e aumentado os preços. Foram vendidas 15 mil populares a 2 pesos e 5 mil platéias a 5 pesos. Se calculou em 30 mil os espectadores.

Todos queriam ver o quase invencível time campeão olímpico. Os argentinos queriam ser os primeiros a derrotá-los. Segundo a imprensa local, até o cantor de tangos, Carlos Gardel, que não era muito fã de futebol, compareceu ao jogo e assistiu o momento histórico.

O jogo se desenrolava difícil para os dois lados. O extrema-esquerda argentino, Onzari estava sendo marcado pelo famoso jogador “colored” Andrade, chamado de a “Maravilha de Ébano”. Aos 15 minutos da primeira etapa, o Uruguai foi punido com um escanteio. Onzari fez a cobrança. A bola foi rente a trave e entrou no arco sem que ninguém a tocasse. Os torcedores uruguaios emudeceram.

Os jogadores “orientais” protestaram, alegando que o arqueiro Mazali havia sido empurrado enquanto a bola vinha pelo ar. O árbitro não deu atenção. Na tentativa de menosprezar o feito adversário, disseram que Onzari não havia tido a intenção de chutar direto e que o gol havia sido coisa do vento. Cea, aos 29 minutos deixou tudo igual.

Aos oito minutos do segundo tempo, Tarasconi fez 2 X 1 para a Argentina, placar final. O jogo não chegou ao fim, pois quando faltavam quatro minutos para o seu encerramento, os uruguaios se retiraram de campo, alegando que os torcedores argentinos estavam jogando pedras e garrafas dentro do gramado. O jogador uruguaio Héctor Scarone acertou um pontapé em um policial e acabou preso. Já os argentinos se queixaram de jogo violento de parte dos uruguaios. O jogador Adolfo Celli, sofreu fratura da tíbia e perônio.

O jogo foi dirigido pelo uruguaio Ricardo Vallarino. A Argentina formou com Tesoriere - Bearzotti e Adolfo Celli – Médici – Fortunato e Solari – Tarasconi - Ernesto Celli – Galbino Sosa - Seoane e Onzari. O Uruguai com Mazzali- Nasazzi e Mascheroni – Andrade - Zibecchi e Zingone – Urdinarán – Scarone – Petrone - Cea e Romano.

Esse jogo marcou também o começo das transmissões de futebol pelo rádio. Os locutores Horácio Martinez Seaber e e Atilio Casime, cronista do diário “Critica”, transmitiram o jogo para a Rádio Argentina, desde uma cabine improvisada acima dos vestiários.

O feito de Onzari foi batizado ironicamente como “gol olímpico”, por ter contribuído para a primeira derrota do time campeão olímpico de 1924, quebrando sua invencibilidade. E o nome pegou, tanto que até hoje é assim chamado em qualquer lugar do mundo.

Onzari, que era o ídolo maior do Huracán, passou o resto de sua vida jurando que não havia sido casualidade. Começou a carreira jogando pelo Sportivo Boedo. Depois foi para o Mitre, onde atuou ao lado de Monti, Lindolfo Soria, Roldán e outros valores, que fizeram com que o time subisse para a Primeira Divisão. Em seguida, a AFA expulsou o clube de seu quadro de filiados. Em 1921 estreou no Club Atlético Huracán. Ali passou o restante da sua vida esportiva, encerrando a carreira em 1933.

Foi campeão argentino em quatro oportunidades, 1921, 1922, 1925 e 1928. Participou da Seleção Argentina em 14 jogos, tendo marcado cinco gols. Em 1925, foi cedido por empréstimo ao Boca Juniors, para participar como reforço, na histórica excursão do clube pela Europa.

Onzari morreu no dia 7 de janeiro de 1964, aos 60 anos de idade. O Huracán homenageou o ídolo dando seu nome a uma das arquibancadas do estádio do clube. E ainda que haja passado muitos anos, a desconfiança continua: cada vez que uma cobrança de escanteio sacode a rede sem intermediários, o público comemora o gol com uma ovação, porém sem acreditar.

Existe uma outra versão bastante semelhante à primeira, de que o gol teria acontecido num jogo oficial entre Argentina X Uruguai, na final dos Jogos Olímpicos de 1924, e também marcado pelo argentino Cesáreo Onzari. Mas o equivoco está na data do jogo, pois argentinos e uruguaios disputaram a decisão dos Jogos Olímpicos de 1928, em Amsterdã e não em Paris, quatro anos antes. Os uruguaios conquistaram o bi-campeonato olímpico.

O Brasil também ganhou uma versão do batismo do gol. Ele teria acontecido em um amistoso realizado em março de 1928, entre o Vasco da Gama e o time uruguaio do Montevidéu Wanderers, na inauguração dos refletores e de uma parte das arquibancadas do estádio de São Januário.

O clube carioca venceu por 1 X 0, com gol de Santana em cobrança direta de escanteio. E como o adversário era do país campeão olímpico, o tento teria sido batizado de "gol olímpico" pelos brasileiros. Na verdade, esse foi o primeiro gol olímpico marcado em gramados brasileiros e no próprio estádio de São Januário.

O ex-jogador do Palmeiras, Ary Mantovani entrou para o “Guiness Book”, o livro dos recordes mundiais, ao marcar dois gols olímpicos num só jogo. Até hoje, a Fifa não tem registro de que tal feito tenha sido superado ou mesmo igualado por algum jogador em partidas oficiais entre times profissionais.

Foi no dia 5 de outubro de 1946, na goleada de 6 X 2 contra a Portuguesa Santista, no Parque Antártica. Os gols aconteceram, um em cada tempo. Mantovani, que começou a carreira aos 17 anos, no extinto Comercial, time da capital, deixou os gramados aos 24 anos, para se dedicar ao ramo de hotelaria, em Águas de Lindóia, sua terra natal.

Em Copas do Mundo só foi marcado um gol olimpico, até hoje. Aconteceu no jogo entre URSS X Colômbia, empate em 4 X 4, no Mundial de 1962, no Chile. O autor da façanha foi o colombiano Marcos Coll.

Em 1973, Pelé, o Rei do Futebol e o lendário Santos F.C. sairam realizando amistosos pelo mundo, jogando no Golfo Pérsico, África, Alemanha, Bélgica, França e Inglaterra. Por fim, chegaram nos Estados Unidos para jogar contra o Baltimore Bays. Nesta partida, Pelé fez o único gol olímpico de toda sua carreira. (Pesquisa: Nilo Dias)

O gol olímpico de Onzari (Foto rarissima)