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segunda-feira, 14 de julho de 2014

Com uma “bala” no corpo

Você já imaginou alguém jogar futebol com uma bala de revólver alojada em seu próprio corpo? Pois isso aconteceu. Jair Félix da Silva, que fiou conhecido no mundo do futebol como “Jair Bala”, viveu essa experiência. Nascido em Cachoeiro de Itapemirim (ES), no dia 10 de maio de 1943, era um meio-campista ofensivo, também chamado de ponta-de-lança.

Começou a carreira no Estrela do Norte, de sua cidade natal, ainda menino, contrariando a vontade de sua mãe, dona Maria da Conceição, que fez de tudo para Jair seguir a profissão do pai e do avô, operários da Ferrovia Leopoldina.

Mas Jair preferiu seguir os conselhos de "Seu Zezinho”, que era educador e também padeiro. Foi descoberto quando jogava em um campinho na periferia da cidade. “Seu Zezinho” perguntou de quem ele era filho. Ao saber que era cria do “Seu Batata”, disse que seu pai foi o maior atacante da história do futebol cachoeirense.

Ali começou verdadeiramente a sua carreira. Foi levado para os infantis do Estrela do Norte. No início dos anos 60 o Flamengo, do Rio de Janeiro, jogou uma partida amistosa em Cachoeiro e o técnico rubro-negro, o paraguaio Fleitas Solich, se encantou com o futebol de Jair, que havia marcado um gol e aconselhou sua imediata contratação. No time carioca começou no time juvenil, que costumava treinar com os titulares, por isso atuou ao lado de craques como Dida e Gérson.

O apelido de "Bala" surgiu nessa época. Ele fora ao escritório das categorias de base, em busca do dinheiro de um "bicho", quando encontrou o funcionário Willian, a quem fez o pedido. Este, num gesto de brincadeira, para que Jair desistisse da “grana”, tirou da gaveta um revólver, que pertencia a Jaime de Almeida.

Willian não sabia que a arma estava carregada, e chegou a apontá-la para Jair. Mas ao baixá-la ocorreu um disparo acidental. A bala ricocheteou no chão e foi atingir a coxa esquerda do jovem jogador, parando na virilha, sem atingir nenhuma parte vital.

Os médicos resolveram não retirar o projetil, que Jair carrega até hoje dentro do corpo, em local ignorado. A partir daí passou a ser chamado de “Jair da Bala", que depois virou “Jair Bala”.

Não ficou muito tempo no Flamengo, onde se profissionalizou. Em 1963 foi parar no Botafogo de Garrincha, Nilton Santos e muitos craques, depois que o Flamengo mandou embora o técnico Fleitas Solich, que era adorado pelos jogadores.

Foi quando o afamado jornalista Nélson Rodrigues, na sua coluna “À sombra das chuteiras imortais”, lhe dedicou uma crônica em que deu um tom poético à bala que Jair carregava no corpo e no apelido:

 "(...) se Jair fosse simplesmente Jair, estaria apodrecendo na obscuridade. À toda hora, em toda parte, nós esbarramos, nós tropeçamos num Jair qualquer.(...) Contra o Madureira, o nosso Jair se disparou realmente como um tiro. Desde o primeiro minuto, foi uma arma apontada para o peito do inimigo. E todos percebemos, em General Severiano, que nunca um Jair fora tão bala. É a autenticidade dos apelidos, que nunca existe nos nomes (...)" . Jair também foi personagem em vários textos de Roberto Drummond, Fernando Brant e outros cronistas importantes.

“Jair Bala” foi um verdadeiro cigano do futebol, andando por muitos clubes. Esteve no Comercial , de Ribeirão Preto, onde é lembrado até hoje como um dos maiores ídolos da história do clube.

Defendeu a Ponte Preta, de Campinas; Cruzeiro, de Belo Horizonte, que tinha Tostão e Dirceu Lopes; Palmeiras nos tempos da Academia de Ademir da Guia; Santos, de Pelé; XV de Novembro, de Piracicaba e América Mineiro, onde alcançou a melhor fase de sua carreira, tendo sido artilheiro do Campeonato Mineiro em 1964, o último da “Era Independência”.

O “Coelho” tinha um time muito bom, com Pedro Omar, Juca Show, Misael. Cândido e Zé Carlos Generoso, entre outros. “Bala” chegou a ser eleito o melhor jogador da história do América em todos os tempos, em enquete realizada pelo jornal “Estado de Minas”.

Seus pés estão gravados em cimento na “Calçada da Fama”, do “Estádio Mineirão”. Depois jogou ainda no Bahia e encerrou a carreira no Paysandu, de Belém do Pará, nos anos 1970.

Quando jogou no Santos entrou no lugar de “Pelé”, após este ter marcado seu milésimo gol, na partida contra o Vasco da Gama, no Maracanã, em 19 de novembro de 1969. No jogo anterior, contra o Bahia, marcou o único gol santista no empate em 1 X 1, que poderia ter antecedido a festa.

“Jair Bala” também fez carreira como treinador. Esteve à frente de diversas equipes do futebol mineiro. Começou no Sete de Setembro, clube já extinto de Belo Horizonte. Depois dirigiu o Londrina, do Paraná, onde foi Campeão Brasileiro da Segunda Divisão, em 1980, chamada na época de “Taça de Prata”.

Atualmente “Jair Bala” é funcionário da Prefeitura de Belo Horizonte, membro da Associação dos Ex-Jogadores do América/MG, da qual foi um dos fundadores e eventualmente participa do programa “Alterosa Esporte”, da TV Alterosa. É casado com Sônia Albano, com quem teve três filhos. Jair Albano Félix, ex-árbitro de futebol, Sabrina e Sandrelle, e ainda a sobrinha Veruska como filha de criação.

Títulos conquistados. Palmeiras: Taça Roberto Gomes Pedrosa (1967);  América: Campeão Mineiro (1971); América: Artilheiro do Campeonato Mineiro (1964 e 1971). (Pesquisa: Nilo Dias)


Jair Bala nos tempos de América Mineiro. (Foto: Divulgação)