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quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Até que a Justiça seja feita

Eu venho acompanhando desde o início essa questão envolvendo a Portuguesa de Desportos, que foi alijada do Campeonato Brasileiro deste ano, embora tenha conquistado dentro de campo esse direito. Tenho uma opinião formada: o time paulista está sendo alvo de algo que parece ter sido decidido nos bastidores da última e decisiva rodada do campeonato do ano passado. Não sei o que aconteceu, mas que houve algo muito estranho, não tenho a menor dúvida.

Na véspera do jogo da Portuguesa de Desportos contra o Grêmio Portoalegrense, aconteceu o julgamento no Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), em que o jogador Héverton, do clube paulista foi condenado a dois jogos de suspensão, pela expulsão no jogo contra o Bahia, e já havia cumprido um deles.

Até aí, tudo bem. O advogado da Portuguesa, Osvaldo Sestário, esteve presente ao julgamento, e se comunicou ao clube o resultado, não sei. Existem controvérsias entre as partes: o clube garante que não foi comunicado e o advogado afirma que tentou contato com os dirigentes, sem êxito. Será que foi isso mesmo?

Sendo assim, a Portuguesa de Desportos não ficou sabendo da nova punição ao jogador. E o que fez? O óbvio, olhou no site da CBF e viu que nada de novo estava publicado lá. Do que se depreendeu que o jogador estava apto para jogar. Correto.

Héverton entrou em campo nos minutos finais de jogo com o Grêmio. Com o empate o clube do Canindé se livrou da ameaça do rebaixamento. E festejou isso. Na segunda-feira a surpresa: a CBF denunciou o clube por ter utilizado o jogador de forma irregular, pois tinha mais um jogo de suspensão a cumprir, e não o fez.

Mas o que mais me chamou a atenção foram declarações do presidente do Fluminense, logo após o jogo em que o seu time venceu o Bahia, e de nada adiantou. Ele não quis comentar o rebaixamento, dizendo que só falaria no outro dia. Porque? Será que ele já sabia do que estava por acontecer? Talvez.

O procurador do STJD, Paulo Schmith se antecipou ao julgamento, e em declarações a imprensa deixou transparecer que a Portuguesa de Desportos seria punida com a exclusão da Série A do Campeonato Brasileiro de 2014. Não poderia ter feito isso. Mas fez, sem que nada lhe acontecesse. Participou do julgamento normalmente. Outro colega seu, que fez a mesma coisa, foi afastado.

As decisões do STJD podem e devem ser anuladas, visto que o procurador Paulo Schimith está no cargo de maneira ilegal. Em 2009, o Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) definiu que os procuradores seguiriam as mesmas normas que o presidente do STJD: mandatos de dois anos, e só uma recondução. Na ocasião, Paulo Schmith já estava no cargo há três anos. Em 2010, foi eleito, e, em 2012, reeleito. Esses nove anos no cargo e duas reconduções violaram o CBJD.

O julgamento pareceu uma peça de teatro bem ensaiada. Os procuradores já vieram com os votos prontos de casa. Os advogados que falaram, perderam tempo. O caso já estava decidido. Houve o recurso e a repetição do teatro.

A Portuguesa de Desportos, através de torcedores entrou na Justiça Comum e conseguiu algumas liminares que devolviam ao clube os quatro pontos perdidos, e em consequência a sua permanência na Série A, com base no que diz o “Estatuto do Torcedor”. 

A CBF conseguiu derrubar todas as liminares, através de despachos de um único juiz, desembargador Dácio Tadeu Viniani Nicolau, e apressou-se em anunciar a tabela do “Brasileirão”, sem a Portuguesa e com o Fluminense.

Tudo muito estranho. É de se perguntar, como um juiz pode desconhecer que uma lei federal, o “Estatuto do Torcedor”, está acima da decisão de um órgão de entidade privada, como o STJD? Tudo isso merece uma apuração séria e necessária.

O pior não é isso. A ação visando devolver os pontos a Portuguesa teve inicio na 42ª Vara Cível Central de São Paulo contra a CBF, visando a anulação do julgamento do STJD. À essa ação foi concedida tutela antecipada para suspender os efeitos da decisão do tribunal esportivo. 

Mas em 14 de janeiro, duas novas ações - uma distribuída para a 2ª Vara Cível da Barra da Tijuca e a outra movida no Juizado Especial do Torcedor e dos Grandes Eventos, ambos no Rio de Janeiro - obrigaram a CBF a cumprir o julgamento do STJD, contrariando a decisão do juízo paulista. 

Como isso foi posível, se todas as ações deveriam ser julgadas pelo mesmo juízo da ação de origem, ou seja, no foro da capital paulista? Mais uma vez, tudo muito estranho.

Outra coisa, o artigo 133 do CBJD é inconstitucional, porque abusa do principio da celeridade em detrimento da razoabilidade e da proporcionalidade. E pior, desrespeita o “Estatuto do Torcedor”. E o que diz o artigo 35, do “Estatuto do Torcedor”?

“As decisões proferidas pelos órgãos da Justiça Desportiva devem ser, em qualquer hipótese, motivadas e ter a mesma publicidade que as decisões dos tribunais federais”. O que quer dizer isso? Que toda e qualquer decisão judicial deve ser publicada antes de entrar em execução. E não foi o que aconteceu na decisão do STJD.

Recorrer a Justiça comum é um direito de qualquer pessoa ou entidade. A recente decisão dos clubes, em obediência a Rede Globo e a CBF, determinou que nenhum clube pode se valer da Justiça, que não a esportiva, para buscar seus direitos. Decisão inconstitucional, não vale nada. Nem Fifa, nem CBF pode ser maior que a Constituição de um país.

E é bom que não se esqueça da tentativa da CBF em subornar a Portuguesa de Desportos, acenando com um empréstimo de R$ 4 milhões, com clausulas especiais e vantajosas, para que o clube desistisse de se manter na Série A do Brasileirão.

E quanto ao Fluminense? É inegável que o clube conta com gente poderosa, a começar pela CBF e a Rede Globo. Se não vejamos: a escandalosa ascensão do clube da Terceira Divisão para a Série A, sem passar pela B, em 2000, na “Copa João Havelange”, que substituiu o “Brasileirão”, em razão do caso Gama.

Em 2010, o Fluminense deveria ter sido punido pela escalação do meia Tartá e até perder o título brasileiro. O jogador começou o Campeonato Brasileiro atuando pelo Atlético Paranaense, clube pelo qual recebeu dois cartões amarelos.

Ao retornar para o Fluminense, o jogador foi considerado suspenso pelo corpo jurídico do clube carioca depois de receber o primeiro amarelo pelo tricolor, quando na verdade o jogador já tinha recebido o terceiro cartão amarelo contra o Vasco, e, dessa forma, não poderia ter jogado contra o Goiás.

Na ocasião, no entanto, o procurador-geral do STJD, Paulo Schmitt disse que não havia “condição moral” para punir o Fluminense.Valia o resultado de campo. É de se perguntar: e porque contra a Portuguesa de Desportos foi diferente, o resultado de campo não valia mais?

E ainda tem o caso do Duque de Caxias, que foi absolvido pelo STJD, em 2010, pela escalação irregular de um jogador, na Série B do Campeonato Brasileiro. Punido com um cartão amarelo quando atuava pelo Ipatinga, Leandro Chaves tomou dois amarelos depois de se transferir para o clube carioca, o que, segundo a legislação desportiva, o obrigaria a cumprir suspensão automática. E não cumpriu. O que aconteceu? Nada.

Está mais do que claro que foi armado um complô contra a Portuguesa de Desportos. Mas o clube deve e vai continuar na luta por seus direitos. Na semana que vem deve entrar na Justiça Comum, enfrentando todos os obstáculos, mas com a Constituição brasileira ao seu lado. E paralelamente, os tribunais de todo o país vão se encher de novas ações, até que a Justiça seja feita. (Nilo Dias, Jornalista)