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domingo, 21 de abril de 2019

Derrotado pela droga

O ex-jogador de futebol Valdiram Caetano de Morais, ou simplesmente Valdiram, de 36 anos, foi encontrado morto ontem (20) na rua Santa Eulália, na zona norte da capital paulista, em um local conhecido por abrigar usuários de drogas. Segundo a Polícia Militar, uma equipe foi atender uma chamada sobre um morador de rua morto.

Quando os policiais chegaram ao local, encontraram o corpo do ex-jogador caído na calçada e com sinais de agressão. Os policiais militares chegaram a acionar o serviço de resgate médico, que constatou o óbito. 

Ele só foi reconhecido posteriormente, por outros moradores de rua.  A informação foi confirmada pelo Instituto Médico Legal (IML) do bairro Santana, para onde Valdiram foi encaminhado.

Valdiram viveu como um atleta de potencial perdido e morreu como morador de rua por causa ainda não confirmada.

O Vasco da Gama divulgou nota oficial, na noite deste sábado, e lamentou o falecimento do seu ex-jogador. Valdiram foi atacante do clube na melhor fase de sua carreira, e vinha vivendo como morador de rua, enfrentando problemas com alcoolismo e drogas.

Era natural de “Canhotinho”, Pernambuco, onde nasceu no dia 30 de outubro de 1981. Coincidentemente, fazia aniversário junto de Maradona, craque argentino, nascido em 1960, que sofreu os mesmos problemas com drogas.

Revelado pelo Mirassol, da cidade paulista de igual nome, em 2001, teve passagens pelo CRB, de Alagoas, Anápolis, de Goiás, Belenenses, de Portugal e Cia Norte, do Paraná. Mas quando chegou ao Vasco da Gama, no Rio de Janeiro, sua vida mudou.

Valdiram causou polêmica ao ser contratado, devido a um recheado histórico policial, além do consumo de drogas e bebida. Já tinha sido preso por estupro e agressão.

Na equipe da “Cruz de Malta”, teve relativo sucesso. O então jovem jogador se fez artilheiro anotando gols nos clássicos cariocas e culminando com a artilharia da “Copa do Brasil” de 2006, com sete gols marcados e ajudou o Vasco à chegar à final da competição, na qual o time cruzmaltino acabou sendo derrotado pelo Flamengo na luta pelo título.

Devido aos seus gols, despertou a malquerença da torcida adversária e recebendo um "canto" com impropérios dos flamenguistas. 

Na época, porém, desentendeu-se com o técnico Renato Gaúcho, quando pairavam sobre o jogador acusações de ter saído para a noite antes de um dos jogos da final contra o Flamengo. Acabou perdoado. Mas como faltava muitos aos treinos acabou dispensado.

Só que a mágoa do atacante com o Vasco não passou. Em 2007, quando defendia o Bonsucesso na segunda divisão do Campeonato Carioca, respondeu à dispensa que havia sofrido em fevereiro. "Coloquei o Vasco lá em cima e apanhei muito. Renato fez muita trairagem comigo", disse. Naquele mesmo ano, passou por Itumbiara e Ituano.

Dispensado do Vasco da Gama por indisciplina, rodou por vários clubes: Itumbiara (GO), Ituano (SP), Al-Shamal (Catar), Paysandu (PA), Criciúma (SC), Noroeste (SP), CSA (AL), Goytacaz (RJ), Avenida (RS), Sport (MG), Central (PE), Tupi (MG), Ferroviário (CE), Duque de Caxias (RJ), Bonsucesso (RJ) e Comercial (AL), colecionando episódios de indisciplina em todos eles.

Em passagem por Portugal em meados dos anos 2000 foi acusado por uma jovem por tentativa de estupro. Em 2010, foi acusado de tentativa de estupro e de dependência química. Assumiu os erros e tentou uma recuperação que foi abortada com a dispensa do CSA, de Maceió.

Nos anos seguintes, rodou por mais equipes, sempre com problemas. Anunciado como reforço do Comercial (AL) em dezembro de 2013, ficou apenas um mês no novo time. Dispensado, foi acusado pelo presidente do time, Flavius Flaubert, de envolvimento com drogas e de furto do celular de um companheiro. Valdiran negou o crime.

Àquela altura, o vício em drogas e álcool já era um problema conhecido. Em 2015, após mais de um ano afastado dos gramados, recebeu uma nova oportunidade do Vasco: o jogador procurou o então presidente Eurico Miranda para tentar recuperar a condição física.

Em 2015, Valdiram deu uma de “pastor”. O América, do Rio de Janeiro entrou em campo para um jogo contra o Gonçalense, quando era líder da Série B do Campeonato Estadual, com o reforço do ex-jogador, então com 32 anos.

Ele fez um culto para os jogadores americanos na sexta-feira. Abordou, com a experiência de quem tem um passado controverso o tema superação, até com certa propriedade.

Ainda em 2015, o ex-atacante desabafou. "O Valdiram, para o mundo, estava acabado e morto. Você sai com as mulheres e daqui a pouco vêm a cerveja, a cocaína, a maconha, o crack. Assim foi a minha vida. Eu vi a morte, eu vi o espírito da morte na minha frente. (...) Eu passei pelo vale das sombras da morte", afirmou, em entrevista ao jornal "Lance".

"Ganhei muito dinheiro. Passei por 25 equipes, com salário de R$ 20 mil, R$ 30 mil. Na prostituição, na bebida, na noite do samba, no mundo das drogas... Esse dinheiro não dura, se acaba rapidamente. Eu passei a usar cocaína aos 27 anos. Depois, não parei mais, mas só usava quando bebia. Quando eu bebia, o meu nariz ficando coçando e escorrendo", relatou.

"O pior momento da minha vida foi em 2010. Foi quando eu realmente caí na cocaína, no crack, e passei um ano no mundo da escuridão. Cheguei a usar cocaína na Cracolândia, foi o pior momento. Difícil lembrar de tudo que passei como jogador do Vasco da Gama, e ver o momento em que eu me encontrava: usando drogas na favela do Jacarezinho", completou.

Em fevereiro de 2018, o ex-jogador foi tirado pelo Vasco da Gama das ruas do Rio de Janeiro, onde estava morando. O clube conseguiu, por meio do Serviço Social, interná-lo em uma clínica de reabilitação.

Isso ocorreu pouco depois de o jornal “Extra” ter publicado, em fevereiro de 2018, uma reportagem na qual contou ter encontrado o ex-vascaíno morando na rua em Bonsucesso, na zona norte do Rio. Desde então, o clube passou a pagar seu tratamento médico contra a dependência química e alcoólica. Ele permaneceu na clínica por quatro meses, até 23 de junho de 2018.

Infelizmente ele teve uma recaída. Voltou a beber, usar drogas e até roubou. Os problemas voltaram e o clube teve que dispensá-lo. Ele chegou a roubar um ”Iphone” de um jogador vascaíno e o vendeu por R$ 50, que teria sido para comprar drogas.

Foram busca-lo em uma boca de fumo em Viçosa, e ele estava em um estado de terror, ao lado de muitas latas usadas para consumir drogas, além de cachimbo e vela. Dirigentes do Vasco ligaram para o pai de Valdiram, que foi busca-lo, confessando que nem sabia onde o filho estava.

Valdiram chegou até a retomar a sua carreira ao ganhar uma chance no Olaria, clube do Rio de Janeiro, depois de ter recebido alta da clínica onde foi internado. Não deu certo. O último clube do atacante foi o Atlântico (BA), no qual disputou apenas um jogo em 2018. Porém, ele retornou para as ruas em julho.

Em 2018, sob um viaduto da capital paulista, ele gravou um vídeo pedindo ajuda a nomes como Denilson, Renata Fan, Edmundo e Zico, e deu a entender que acreditava ter salvado a vida de um irmão de Romário. 

"Eu ajudei o irmão dele, Ronaldo, que estava para morrer na favela do Jacarezinho. Eu ajudei! E aí?", afirmou ele, no vídeo, logo depois de um amigo citar o nome de Romário. O "Baixinho" de fato tem um irmão chamado Ronaldo Faria, mas Valdiran não explicou a referência.

Um amigo presente no vídeo destacou, diversas vezes, que o ex-atleta teria tido um salário de R$ 150 mil por mês antes de se tornar morador de rua. É importante ressaltar que o próprio Valdiram já havia desabafado sobre sua experiência com cocaína e crack na Cracolândia, em São Paulo, e na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro.

No vídeo, ele aproveitou a oportunidade para pedir ajuda a alguns nomes famosos do esporte com os quais trabalhou. "Sou Valdiram, aquele da Copa do Brasil de 2006! Do lado de Romário, Edilson Capetinha, Ramon, Morais, Renato Gaúcho. Estou pagando o preço aqui, debaixo de um viaduto em São Paulo", disse.

"Denilson, da Bandeirantes, casado com a filha do Zezé di Camargo e Luciano. Meu amigo! Denilson, eu mando um abraço. E ninguém vem aqui me ajudar. Estou magrinho. Será que eu só era amigo de Zeca Pagodinho, Dudu Nobre, do Revelação e do Molejão quando eu estava na fama no Rio?", questionou.

Não se esqueçam de mim, Denilson, Edmundo e Romário. Ô, Denilson! Eu preciso, Renata Fan, sair dessa vida. Já paguei meu preço, estou sofrendo demais. Chega! Chega de ser envergonhado, chega! E aí, Zico? Tu é (sic) meu parceiro? Junior, quando a gente batia uma pelada em Copacabana, Junior! Casagrande!", pediu Valdiram.

A última aparição pública de Valdiram ocorreu em dezembro do ano passado, quando um vídeo publicado no "YouTube" mostrou ele pedindo ajuda a ex-companheiros de Vasco. (Pesquisa: Nilo Dias)



A morte de Valdiram: ex-Vasco apanhou e sofreu por mais de três horas

As últimas horas de vida de Valdiram antes de ser assassinado a pauladas na zona norte de São Paulo na madrugada de 19 de abril foram de agressões com chutes, socos, golpes de pedaço de pau e tentativa frustrada de fugir da morte.

Imagens de câmeras de segurança, relatos de testemunhas e dos dois suspeitos presos levam a polícia a crer que o ex-jogador do Vasco sobreviveu ao espancamento por mais de três horas até morrer na calçada da rua Santa Eulália.

As investigações do crime estão a cargo do departamento de homicídio da Polícia Civil de São Paulo (DHPP). Segundo o delegado que lidera o caso, Vander Cristian Rodrigues, Valdiram começou a ser agredido por volta da meia-noite do dia 19 de abril no bairro Santana, zona norte de São Paulo.

As câmeras de segurança do Centro de Controle de Zoonoses registravam 3h54 quando um dos suspeitos é visto andando pela rua com um pedaço de pau em mãos e desferindo golpes contra o ex-jogador.

Dois suspeitos, moradores de rua, estão presos. Eles e testemunhas ouvidas pela polícia alegam que Valdiram foi morto por ter praticado ato libidinoso contra uma criança de 3 anos.

O primeiro suspeito preso é padrasto da criança de 3 anos. Viviam em uma barraca na região ele, a mulher, a criança e a avó da criança.

"Ele narrou que é catador de papel. Quando voltou à barraca à noite, por volta da meia-noite de sexta, ele alega que viu o Valdiram dentro da barraca sem roupa e interpretou que estivesse praticando ato sexual contra a criança e por isso iniciaram as agressões. Ele confirma a agressão firme com socos e pontapés", contou o delegado Vander Cristian Rodrigues.

As primeiras agressões duraram em torno de 25 minutos e Valdiram teria ficado imóvel próximo à barraca. "O primeiro suspeito relata que Valdiram caiu. Depois ele acabou conversando com outro morador da região, o segundo suspeito que também agrediu o ex-jogador. Ele [Valdiram] retomou as condições e fugiu", explicou Rodrigues.

Valdiram foi encontrado morto próximo à barraca onde começaram as agressões, em frente ao Centro de Controle de Zoonoses.

"Ele saiu do local cambaleando, acho que percorreu uns 400 metros e chegou na calçada do Centro de Zoonoses, e o segundo suspeito apareceu com um pedaço de pau.

Ali ele desferiu golpes. O segundo suspeito o perseguiu e desferiu os golpes fatais, e foii embora. Foi isso que conseguimos evidenciar nos autos", relatou Vander Cristian Rodrigues.

O horário exato que Valdiram chegou à calçada do Centro de Controle de Zoonoses não é visto nas imagens das câmeras de segurança obtidas pela reportagem.

"Quando a gente vê as imagens, elas não são nítidas até para verificar onde foram os golpes, é impreciso. Mas o exame revela lesões múltiplas pelo corpo. Podem ser pauladas, chutes, agressões anteriores. A causa da morte foi traumatismo cranioencefálico", analisou o delegado.

Os suspeitos estão presos temporariamente por 30 dias para a continuidade das investigações. Eles devem ser indiciados por homicídio doloso. Nenhum dos dois tem advogados de defesa.

Moradores de rua ouvidos pelo UOL Esporte na última semana se referiram a Valdiram como "Jack", palavra usada por quem vive na rua para se referir a estupradores. As testemunhas ouvidas pela polícia relatam que o jogador foi morto por ter praticado atos libidinosos contra criança de 3 anos.

"Temos evidências robustas nos autos de que ele praticou ato libidinoso contra a criança. Duas testemunhas comprovam, além da narrativa do suspeito.

Além disso, ele foi encontrado nu. Tem testemunhas que dizem ter visto ele caminhando com camiseta preta tentando cobrir as partes genitais, ele foi encontrado nessas condições e tem uma testemunha que estava dentro da barraca e diz que ele estava só de camiseta na barraca, a avó da criança.

Esses elementos nos trazem indícios. Quem foi ouvido é uníssono no sentido de que ele teria praticado um ato libidinoso com uma criança de 3 anos", conta o delegado.

A criança foi encaminhada para hospital para a realização de exames, que, a princípio, não apontaram indícios de conjunção carnal.

Ao longo da carreira de jogador, Valdiram fez sucesso no Vasco, mas também ganhou espaço pelas polêmicas. Ele teve contrato encerrado no Belenense em Portugal porque teria tentado estuprar uma mulher em 2003.


O UOL apurou que Valdiram foi acusado duas vezes de tentativa de estupro no interior de São Paulo. Os dois casos são de 2001. O primeiro deles contra uma adolescente de 14 anos e o segundo contra uma ex-namorada. Em entrevista após o fato envolvendo a ex, Valdiram admitiu ter agredido a mulher. (Do UOL, em São Paulo - 02/05/2019)