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terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Morre mais um personagem da tragédia de 1950

Morreu ontem (12-1-2009) aos 84 anos de idade, o ex-futebolista Albino FRIAÇA Cardoso, vítima de falência múltipla de órgãos. Ele estava internado há 45 dias no Centro de Terapia Intensiva (CTI), do Hospital São José do Avaí, em Itaperuna, interior do Rio, por causa de uma pneumonia e teve morte confirmada às 9h10min. O corpo foi velado no salão nobre da Câmara Municipal de Porciúncula, sua cidade natal, e o sepultamento aconteceu na tarde de hoje no cemitério da cidade. O prefeito Antonio Jogaib decretou três dias de luto no município.

Friaça era um dos dois únicos titulares daquela equipe ainda vivos. O outro é o zagueiro Juvenal, que vive em Salvador, doente aos 83 anos, com artrose que o impede de caminhar. Outros três jogadores que fizeram parte do grupo, Olavo Rodrigues Barbosa, o Nena (85 anos), reside em Goiânia, Nilton Santos (83 anos), no Rio de Janeiro e Alfredo Ramos dos Santos, o Alfredo II (89 anos), também no Rio de Janeiro, estão vivos.

Mesmo com a derrota para o Uruguai por 2 X 1 na partida final, que frustrou 200 mil torcedores presentes ao Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, Friaça entrou definitivamente para a história do futebol brasileiro por ter marcado a 1m18s da segunda etapa, o gol que chegou a dar esperanças de uma conquista até então inédita para o Brasil. O curioso é que ele nem deveria ter jogado a Copa do Mundo. Isso só aconteceu porque o ponteiro titular, Tesourinha se lesionou seriamente e teve de ser cortado da Seleção.

Friaça nasceu no dia 21 de outubro de 1924, na pequena cidade de Porciúncula (343 km do Rio de Janeiro), na região Noroeste fluminense, divisa entre Rio e Minas Gerais. Com 21 anos de idade, em 1943, deu início à carreira de futebolista profissional, defendendo o C.R. Vasco da Gama, do Rio de Janeiro, aos tempos do famoso “Expresso da Vitória". Foi lá que viveu os melhores momentos como jogador. A velocidade e o chute forte e certeiro logo chamaram a atenção da imprensa e da direção da Confederação Brasileira de Desportos (CBD), sendo convocado para a Seleção Brasileira. Também batia faltas com maestria e era emérito cruzador de bolas.

Sua carreira foi marcada pela instabilidade. Em 1949, resolveu trocar o Vasco pelo São Paulo F.C. No clube paulista teve uma passagem curta e vitoriosa. Em 1950 foi para a Ponte Preta de Campinas, onde jogou por uma temporada. Estava no clube campineiro quando foi chamado para a Copa do Mundo. Em 1951, retornou ao Vasco da Gama. Em 1953 estava de volta a Ponte Preta. Em 1954, outra vez no Vasco. Em 1955, retornou a Ponte Preta. No final de 1957 trocou a Ponte Preta pelo rival Guarani.

No time bugrino jogou apenas quatro meses, quando resolveu encerrar a carreira de jogador de futebol e se dedicar a treinar as categorias de base do clube esmeraldino, o que fez por curto período. Ao deixar completamente o futebol, Friaça continuou morando por algum tempo em Campinas, chegando a abrir uma quitanda no centro da cidade, que funcionou por pouco tempo. Friaça foi chamado ao Rio de Janeiro para administrar uma loja de materiais de construção, de propriedade da família. Depois, Friaça entregou a loja aos filhos. Ele, que sempre fora um homem alegre, ficou debilitado principalmente por causa da morte de um dos filhos em acidente de asa delta, na metade dos anos 1990. Depois da tragédia, começou a abusar do uso de cigarro e bebida alcoólica, que prejudicaram sua saúde.

Durante o tempo que jogou bola, Friaça conquistou os títulos de campeão do Torneio Relâmpago em 1946, pelo Vasco da Gama; campeão do Torneio Municipal em 1946 e 1947, pelo Vasco da Gama; campeão carioca em 1945, 1947 e 1952, pelo Vasco da Gama; campeão da Copa Rio Branco em 1947 e 1950, pela Seleção Brasileira; Campeão Sul Americano de clubes em 1948 pelo Vasco da Gama; Campeão Paulista de 1949, pelo São Paulo, ano em que também foi o artilheiro da competição com 24 gols; campeão da Copa América de 1949, pela Seleção Brasileira; campeão da Taça Oswaldo Cruz em 1950, pela Seleção Brasileira; campeão Pan-Americano em 1952, pela Seleção Brasileira; campeão do Torneio Quadrangular do Rio em 1953, pelo Vasco da Gama, e campeão do Torneio Rivadávia Corrêa Meyer em 1953, pelo Vasco da Gama.

Vestiu a camisa da Seleção brasileira (que naquele tempo era branca) em 13 jogos, conseguindo 8 vitórias, 3 empates, 2 derrotas e marcando 1 gol, aquele contra o Uruguai na decisão da Copa de 1950. Em Copas do Mundo foram 4 jogos, 2 vitórias, 1 empate, 1 derrota e 1 gol. Contra seleções nacionais 12 jogos, 7 vitórias, 3 empates, 2 derrotas e 1 gol. E contra clubes e combinados 1 jogo e 1 vitória.

No livro “Dossiê 50”, o jornalista Geneton Moraes Neto entrevistou todos os titulares daquela decisão. Eles falaram de seus dramas. O texto a seguir é um trecho do depoimento de Friaça, da alegria quase incontrolável ao marcar o gol que poderia dar o título ao Brasil ao desespero da derrota:

"Fiquei andando de noite em volta do campo"

(...) Albino Friaça Cardoso tinha 25 anos, oito meses e 26 dias quando realizou o sonho dos jogadores brasileiros de todas as épocas: fazer um gol numa final de Copa do Mundo dentro do Maracanã superlotado. O gol sai logo no primeiro minuto do segundo tempo. O Maracanã enlouquece. Friaça também.

“A emoção foi tão grande que só me lembro de uma pessoa que veio me abraçar: César de Alencar, o locutor. Quando a bola estava lá dentro, ele gritou: "Friaça, você fez o gol!" Naquela confusão, ele entrou em campo e me abraçou. Nós dois caímos dentro da grande área.”

Louco de alegria, Friaça só se lembra com clareza do rosto de César de Alencar. “Passei uns trinta minutos fora de mim. Eu não acreditava que tinha feito o gol. Eu tinha potencial, mas estava ao lado de craques como Zizinho, Ademir e Jair. E logo eu é que fiz o gol.”

Se o Brasil precisava apenas de um empate, então o jogo estava liquidado: a Seleção ia ser campeã do mundo. “Ali nós já éramos deuses”, admite Friaça.

Friaça só não poderia imaginar que outras cenas inacreditáveis iriam acontecer ali - além da queda de César de Alencar dentro da grande área, numa explosão de alegria. Consumada a tragédia brasileira, diante da maior platéia até hoje reunida para um jogo de futebol, a dor da derrota desnorteou o autor do gol do Brasil.

“O trauma foi enorme. Vim para o Vasco. Fiquei, em companhia de outros jogadores, andando de noite em volta do campo, ali na pista. O assunto era um só: como é que a gente foi perder com um gol daqueles”.

Dos 22 jogadores convocados em 1950, 18 já faleceram: Barbosa (7-4-2000), Castilhos (2-12-1987), Augusto (1-2-2004), Bauer (4-2-2007), Eli do Amparo (9-3-1991), Danilo Alvim (16-5-1996), Rui (2-1-2002), João Ferreira, o Bigode (31-7-2003), Noronha (27-7-2003), Zizinho (8-2-2001), Maneca (28-6-1961), Baltazar (25-3-1997), Adãozinho (6-8-1991), Jair da Rosa Pinto (28-7-2005), Ademir de Menezes (11-5-1996), Francisco Aramburu, o Chico (1-10-1997) e Rodrigues (30-10-1998). O técnico Flávio Costa faleceu em 22-11-1999 e o massagista Mário Américo, em 9-4-1990. (Pesquisa: Nilo Dias)



Hagen disse...
Nilo, vc teria qualquer contato do Alfredo Ramos dos Santos? Sabe o estado de saude dele?
Estou trabalhando em um documentario e seria interessante um depoimento dele, caso ele ainda esteja em condicões...
20 de março de 2009 15:22