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sexta-feira, 9 de maio de 2008

Tesourinha, o “Craque Melhoral”

Osmar Forte Barcellos, o Tesourinha, nasceu em Porto Alegre no dia 3 de outubro de 1921 e foi eleito pela torcida o melhor jogador de toda a história do S.C. Internacional. Dono de invejável habilidade e técnica sabia driblar com facilidade e chutar com precisão, o que lhe valeu a condição de emérito artilheiro. Foi um dos jogadores gaúchos mais laureados do futebol brasileiro em todos os tempos.

O apelido Tesourinha, ele ganhou nos tempos em que participava de um bloco carnavalesco de Porto Alegre, chamado “Os Tesouras”. A carreira de jogador de futebol teve início no clube amador do Ferroviário da Ilhota, uma antiga vila de Porto Alegre, hoje Praça Garibaldi. Em 1939, foi convidado a fazer testes no Internacional, sendo aprovado.

Tesourinha gostava de jogar como centroavante, mas teve de se contentar com a ponta-direita, devido à concorrência com Carlitos, um dos grandes jogadores da história do clube e maior artilheiro gaúcho de todos os tempos, com 485 gols. Seu jogo de estréia no Internacional foi pelo campeonato municipal, em 23 de outubro de 1939, com vitória de 2 X 1 sobre o Cruzeiro, na época a terceira força da capital gaúcha. O primeiro gol que marcou como profissional foi num jogo amistoso contra o Força e Luz, outro time de Porto Alegre já extinto, em 14 de dezembro daquele ano, com vitória do Internacional por 7 X 0.

Quando chegou ao Internacional em 1939, vindo de uma família muito pobre e com um físico bastante franzino, a diretoria do clube autorizou uma padaria próxima ao estádio dos Eucaliptos, a lhe entregar todos os dias meio quilo de carne e dois litros de leite, para que melhor alimentado ganhasse massa muscular.

Com a seqüência de treinos começou a mostrar um grande talento, impressionando a todos pela habilidade e velocidade, virtudes que o acompanharam durante toda a vitoriosa carreira. Ninguém brilhou mais do que ele naquele fabuloso time do Internacional, chamado de “Rolo Compressor”, que garantiu ao clube oito títulos estaduais em nove anos.

O nome “Rolo Compressor” foi criado por um dos mais fanáticos torcedores colorados que existiram, Vicente Rao que ganhou fama nacional ao alegrar os carnavais de Porto Alegre como Rei Momo, num longo reinado de 22 anos, de 1950 a 1972. Foi jogador do Internacional na década de 20, fazendo parte do grupo que conquistou o primeiro campeonato gaúcho para o clube, em 1927. Foi ele quem criou as primeiras escolinhas de futebol do Internacional.

Vicente Rao nasceu em 4 de abril, data de aniversário do Internacional e gostava de dizer que não havia nascido, sim inaugurado. Exímio desenhista, fazia desenhos dos jogadores do time do Internacional em forma de um rolo compressor, amassando todos os adversários. Depois, levava essas charges para o seu amigo e também torcedor colorado, o jornalista Ari Lund que as publicava no jornal “Diário de Notícias”.

Também é dessa época o surgimento das grandes bandeiras e entradas do time em campo abaixo de foguetes, serpentinas e uma barulhada de sinos e sirenes. Por iniciativa de Rao surgiu nessa mesma década a primeira torcida organizada do Internacional e do Estado, denominada "Camisa 12", que existe até hoje.

Em 1948 aconteceu um concurso nacional para escolha do “Melhoral dos Craques”, patrocinado pela “The Sydney Ross Company”, fabricante do famoso comprimido. A torcida do Internacional votou em peso no seu maior ídolo, e não deu outra, Tesourinha foi o vencedor com 3.888.440 votos e ganhou como prêmio um apartamento no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro.

Uma outra prova do prestígio de Tesourinha foi durante seu casamento, em 1944: os torcedores do Internacional lotaram a igreja e as ruas próximas. Até a Brigada Militar teve de ser acionada para evitar um tumulto de proporções, tal a multidão que disputava espaço para ver o grande craque.

A fama do habilidoso jogador ultrapassou as fronteiras do Sul e em 1944 foi convocado pelo treinador Flávio Costa para a Seleção Brasileira, que disputou a Copa Rio Branco. No jogo de estréia, no Estádio de São Januário contra a Seleção do Uruguai, em 15 de maio marcou um dos gols da goleada de 6 X 1. O ataque brasileiro nesse jogo formou com Tesourinha – Lelé – Isaias – Jair e Lima.

No Campeonato Sul-Americano de 1945, disputado no Chile e ganho pela Argentina, foi titular absoluto em todos os seis jogos da Seleção e craque da competição. Entre seus companheiros estavam alguns dos “cobras” de então: Ademir, Leônidas da Silva, Heleno de Freitas e Zizinho.

Em 1949, participou de nova edição do Sul-Americano de Seleções, disputado no Rio de Janeiro, quando fez 7 gols. O Brasil foi campeão e ele outra vez o melhor atleta. A seleção base do Brasil na competição foi esta: Barbosa - Augusto e Mauro - Eli – Danilo Alvim e Noronha – Tesourinha – Zizinho – Ademir - Jair e Simão.

Ainda em 1949, o jogador teve o passe vendido ao Vasco da Gama por 300 contos de réis, quantia considerada uma fortuna na época. Estreou no clube carioca no dia 4 de janeiro de 1950, fazendo de falta um dos gols da vitória de 5 X 2 sobre a Portuguesa de Desportos, em jogo do Torneio Rio São Paulo. O craque gaúcho fez parte do lendário time apelidado de “Expresso da Vitória”. Tinha participação certa na Copa do Mundo de 1950, mas num jogo contra o Corinthians, no Pacaembu machucou um joelho e nunca mais conseguiu ficar bom totalmente.

Em 1952 retornou ao futebol gaúcho. Queria jogar no Internacional, mas o presidente colorado Joaquim Difini não concordou. Foi então que o conselheiro gremista e jornalista, Aparício Viana e Silva lhe fez o convite para jogar no Grêmio, pois havia um grupo forte que queria acabar com o preconceito no clube. Tesourinha aceitou. No dia da sua estréia, 16 de março de 1952, um amistoso com vitória de 5 X 3 sobre o Juventude, o vice-presidente tricolor, Luis Assunção declarou para a imprensa: “Tesourinha acabou com o arianismo no Grêmio. É um abolicionista que o Vasco nos mandou”. Permaneceu no Grêmio até 1955, quando aos 34 anos resolveu parar, já que a lesão no joelho não lhe permitia mais apresentar o mesmo brilhantismo dos tempos de Internacional.

O Grêmio lhe ofereceu um jogo de despedida, foi contra o Corinthians, no estádio Olímpico. Pouco antes de começar a partida, Tesourinha entrou em campo vestindo a camisa do Nacional e acompanhado de seis garotos com as camisas dos clubes que ele defendeu. Era o “Dia do Cronista”. O craque respirou fundo tirou a camisa, as chuteiras e as meias, entregou tudo aos garotos e se encaminhou para o túnel chorando. E a torcida de pé aplaudiu.

Em 1957 fez alguns jogos pelo Nacional de Porto Alegre, clube ligado a classe ferroviária e já extinto, apenas para completar o tempo de aposentadoria. Em 1960 tentou seguir a carreira de técnico, ao dirigir o Futebol Clube Montenegro, da cidade gaúcha de Monte Negro, sem sucesso. Tesourinha ainda prestou serviço ao seu clube de coração, ao descobrir um outro talento que marcou história no Internacional: Valdomiro, “o craque que voava em campo”. Por indicação sua ele foi contratado junto ao Comerciário, de Criciúma (SC), em 1968 e se tornou um dos maiores ídolos da história do clube.

Tesourinha conquistou estes títulos: no Internacional, campeão gaúcho em 1941, 1942, 1943, 1944, 1945, 1947 e 1948. No Vasco, campeão carioca em 1949, 1950 e 1952. Na Seleção Brasileira, campeão da Copa Roca, em 1945, Copa Rio Branco, em 1947 e Sul-Americano de 1949.

Na partida amistosa de despedida do Estádio dos Eucaliptos, em 26 de março de 1969, quando o Internacional venceu o S.C. Rio Grande, de Rio Grande por 4 X 1, Tesourinha vestiu a camisa colorada pela última vez, tendo, na época, 47 anos de idade. Entrou apenas no segundo tempo, substituindo Bráulio. Ao final da partida, o craque retirou as redes de uma das goleiras do estádio para guardá-la como recordação.

O craque faleceu em 1979, aos 57 anos, vitimado por um câncer no estômago. A cidade onde nasceu não o esqueceu. Seu nome foi imortalizado no Ginásio de Esportes Osmar Forte Barcelos, popularmente chamado pelos porto-alegrenses, de “Tesourinha”. E foi um dos homenageados na coleção de livros em formato de bolso, “Esses Gaúchos”, que era adquirida junto com o jornal “Zero Hora”, em 1985.

A coleção também focou nomes ilustres da história riograndense como Getulio Vargas, Lupicinio Rodrigues, Fernando Apparício Brinkerhoff Torelly, o Barão de Itararé, João Goulart, Leonel Brizola, Elis Regina, Érico Veríssimo, Roberto Landell de Moura, Flores da Cunha, Teixeirinha, Simões Lopes Neto, Sepé Tiraju, Honório Lemes, Mário Quintana, Fernando Ferrari, Pinheiro Machado, Júlio de Castilho, Gildo de Freitas, Luis Carlos Prestes, Alceu Wamosy, Padre Reus, Silveira Martins, Oswaldo Aranha, Assis Brasil, Bento Gonçalves da Silva e Alvaro Moreyra, entre outros.

Eu não vi Tesourinha jogar como profissional. Mas em 1973 tive a imensa felicidade de participar de um jogo festivo entre uma Seleção de Veteranos do Futebol gaúcho e do G.A. Farroupilha, de Pelotas, em que ele estava presente. Faltou gente no time pelotense e tive a sorte de entrar em campo e atuar os 90 minutos. Eu tinha 33 anos e ainda rolava uma bola redondinha pelos times amadores da cidade. E depois sentei ao lado de Tesourinha no churrasco servido no próprio Estádio Nicolau Ficco e conversamos um papo agradável. Por algumas coisas que aconteceram em minha vida, às vezes me sinto um iluminado. Esta foi uma delas. (Texto e pesquisa: Nilo Dias)
Tesourinha foi eleito pela torcida o maior craque da história do Internacional (Foto: Acervo do S.C. Internacional)