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segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Um goleador insaciável

Gabriel Omar Batistuta, chamado de “Batigol”, se consagrou como um dos melhores e mais letais atacantes que o mundo do futebol já conheceu.

O craque argentino nasceu em Avellaneda, uma pequena cidade na Província de Santa Fé, no dia 1 de fevereiro de 1969. Quando tinha seis anos, sua família, composta de gente simples e ligada ao campo, mudou-se para à vizinha cidade de Reconquista. Seu pai era operário, trabalhava em um frigorífico, enquanto a mãe era secretária de uma escola.

Quando garoto Batistuta até batia uma bola com amigos, mas o futebol não era exatamente o seu esporte predileto. Nunca havia pensado em ser jogador de futebol profissional e dava mais valor aos estudos.

Tinha pretensões de um dia se tornar mecânico de automóveis e ter sua própria oficina. Chegou até mesmo a ingressar em uma escola técnica, mas não concluiu a formação.

A bola logo entrou em sua vida. Mas não foi no futebol. Os primeiros esportes que Batistuta levou a sério foram, curiosamente, o vôlei e principalmente o basquete, por causa da sua elevada altura.

O interesse pelo futebol veio às vésperas da Copa do Mundo de 1986. Um amigo lhe presenteou com um poster de Diego Maradona publicado pela revista “El Gráfico”. Foi o suficiente para atiçar a ambição do adolescente, que já se encantara com Mario Kempes em 1978.

A partir de então, nasceria um goleador insaciável. Em 1988, com 17 anos de idade, ele se tornou jogador de futebol. Mas não pensem que foi fácil. O tipo físico parecia não ajudar. Embora fosse alto, era um tanto quanto rechonchudo.

Por isso ganhou dos companheiros o apelido de “Gordo”. Por sorte, isso não foi problema.  Começou a despontar em competições estudantis, até se juntar ao amador “Grupo Alegria”, um clube de bairro.

Defendeu ainda o Platense, onde jogou por dois anos, até chamar atenção do Newell’s Old Boys. Mas estourou mesmo, quando passou a ser convocado para uma seleção local de Reconquista.

O time surpreendeu no campeonato regional. As atuações de Batistuta agradaram a Jorge Griffa, antigo ídolo do Newell’s Ols Boys, que lhe fez uma oferta para jogar no clube, embora não parecesse um jogador, por ser grandalhão, não saber cabecear e não ter físico de atleta. Mas quando chutava a bola, ela podia ir a qualquer lugar.

O aspirante a mecânico aceitou a proposta do Newell’s. Mas sofreu em seus primeiros meses em Rosário, morando no alojamento sob as arquibancadas do “Coloso del Parque” e com a dureza dos treinamentos.

Sentiu saudades da família e da cidade onde morava. Pensou até em voltar para casa, mas acabou impedido por seu pai, Osmar Batistuta que nunca gostou de futebol e desejava que o filho continuasse os estudos.

Mas tinha dado sua palavra a Griffa de que o garoto experimentaria o futebol por um ano. Compromisso mantido. E o menino começou a deslanchar, ganhando um importante aliado: Marcelo Bielsa, seu treinador nos juvenis.

“El Loco” foi fundamental também por ajudar Batistuta a emagrecer. Intensificou os treinos físicos, apertou a dieta. A comida era regulada. O excesso de peso logo se foi e o camisa 9 voou baixo. Retribuía Bielsa com gols, enquanto o treinador o premiava com alfajores.

Após passar pelo time reserva do Newell’s, Batistuta estreou pela equipe principal em 1988, aos 19 anos. Era uma indicação de Bielsa ao técnico José Yudica.

E, de algumas aparições no Campeonato Argentino, o prodígio não demorou a ser chamado para disputar a Libertadores. O Newell’s era o campeão argentino e havia alcançado as semifinais, na qual enfrentaria o San Lorenzo.

Pois foi justamente nesse jogo, com vitória do Newell’s por 2 X 1, que Bati fez o seu primeiro gol como profissional. Batistuta atraiu a atenção de outros clubes. No início de 1989, ele jogou o “Torneio de Viareggio”, tradicional competição de base, emprestado ao Deportivo Italiano.

Mas quem o contratou foi o River Plate. Estreou pelo clube na “Liguilla”, um mini-torneio que valia vaga na Libertadores. Logo de cara, anotou um lindo gol na decisão contra o San Lorenzo.

Pena que a primeira impressão não se confirmou. A sequência não se manteve e o jovem centroavante acabou dispensado quando Daniel Passarella chegou ao comando do time.

Do River para o Boca Juniors. O chute potente seguia como a sua grande arma, mas ele passou a aliar explosão e muita inteligência na movimentação. E acabou virando “Batigol” ma Bombonera. Formou uma dupla infernal com Diego Latorre, seu amigo também fora da cancha.

O primeiro grande ano da carreira de Batistuta aconteceu em 1991. O centroavante gastou a bola na Libertadores. Sua grande exibição na fase de grupos aconteceu em pleno Monumental. Anotou dois gols contra o River Plate e contribuiu para à eliminação precoce dos rivais.

Depois, se tornou o pesadelo dos brasileiros nos mata-matas. Foram dois gols na vitória sobre o Corinthians na “Bombonera”, pelas oitavas de final; e um em cada jogo diante do Flamengo, pelas quartas.

Nas semifinais, porém, sucumbiriam ao Colo-Colo, em duelos tumultuados.

A estreia de Batistuta pela seleção argentina aconteceu em junho de 1991. Foi titular durante o amistoso contra o Brasil, no “Pinheirão”,  empate por 1 X 1. Na “Copa América” “Batigol” fez dois nos 3 X 0 sobre a Venezuela.

Em batalha tensa contra o Chile na etapa seguinte, ajudou a calar o “Estádio Nacional de Santiago”, ao garantir o triunfo por 1 X 0. E encerrou a fase de grupos marcando mais um na goleada sobre o Paraguai.

Os seis gols o botaram na artilharia. Pela primeira vez desde a década de 1950, a Argentina conquistava a Copa América.

Se transferiu para à Fiorentina. Batistuta demorou a engrenar no clube, não tendo um começo de temporada fácil. Sebastião Lazaroni era o técnico e foi demitido logo na quinta rodada, diante dos maus resultados.

No segundo ano na Fiorentina, anotou 16 gols em 32 partidas, com atuações decisivas. O problema é que a Fiorentina, após almejar as copas europeias no primeiro turno, despencou a partir de janeiro e terminou rebaixada na equilibrada Serie A 1992/93.

Bati teve propostas polpudas para a sequência de sua carreira, inclusive do Real Madrid. Recusou e se comprometeu a colocar o time de volta na elite do Calcio. Na temporada 1993/94, ajudou a reerguer os “violetas”, que voltaram a Série A.

Já pela Seleção Argentina, em 1992, faturou a “Copa Rei Fahd”, protótipo da “Copa das Confederações”. Também ganhou a “Copa Artemio Franchi”, torneio intercontinental contra o vencedor da Eurocopa, a Dinamarca. E o bi da “Copa América” se consumou em 1993.

Ao longo de 1993, Batistuta não escapou do fiasco protagonizado pela Argentina nas Eliminatórias da Copa. Anotou dois gols, em duas vitórias sobre o Peru, mas também estava em campo nos históricos 5 X 0 da Colômbia em Núñez.

A Albiceleste teve que jogar a repescagem. A vitória de 1 X 0 sobre a Austrália, garantiu os argentinos no Mundial dos Estados Unidos.

Já em sua terceira e última participação na “Copa América”, em 1995, Batistuta fez mais quatro gols em quatro jogos, até a eliminação para o Brasil nas quartas de final.

Chegou mais leve à Copa do Mundo e cotado como um dos nomes a ser observado nos EUA, aos 25 anos. A goleada por 4 X 0 sobre a Grécia, na estreia, teve três gols de Batistuta e um de Maradona.

O centroavante passou em branco contra Nigéria e Bulgária e fez mais um no jogo contra a Romênia, sem evitar a queda nas oitavas de final do Mundial.

Na volta ao Campeonato Italiano Bati anotou 13 gols nas 11 primeiras rodadas e terminou como artilheiro da competição, somando 26 gols. A Fiorentina, contudo, despencou e acabou em 10°.

Batistuta terminou a Serie A 1995/96 com 19 gols e a Fiorentina, que ocupou a vice-liderança em parte do segundo turno, encerrou a campanha no honroso quinto lugar.

Depois o time conquistou a Copa da Itália, após um jejum de 21 anos. Batigol, obviamente, foi vital à façanha.

Raras foram as aparições de Batistuta nas competições europeias com a camisa da Fiorentina. Disputou uma edição da Champions, uma da Recopa e uma da Copa da Uefa.

Em Florença, diziam que Batistuta ganharia as eleições para prefeito se quisesse concorrer. Após completar 100 jogos com a camisa da Viola na Serie A, virou estátua de bronze diante das arquibancadas do Artemio Franchi.

O Manchester United quis contratá-lo na intertemporada de 1998. O clube inglês fez uma proposta de US$ 44 milhões pelo matador, um recorde para a época. Mas Batistuta não aceitou.

Apesar do sucesso na Fiorentina, Batistuta não sustentou a mesma importância na seleção argentina às vésperas da Copa de 1998. Até marcou três gols nas Eliminatórias, mas terminou a caminhada preterido por Hernán Crespo.

Daniel Passarella, outra vez, surgiu no caminho do artilheiro. Ainda assim, ele fez uma ótima sequência de amistosos às vésperas do Mundial e assumiu a titularidade na França. Anotou o gol da vitória sobre o Japão na estreia e, contra a Jamaica, balançou as redes três vezes.

Às vésperas de completar 32 anos, o craque deixou  a cidade e a torcida que amava. Pedido direto do técnico Fabio Capello, a Roma pagou uma fortuna pelo artilheiro. Virou a terceira maior contratação da história naquele momento.

Cumpriu o seu trabalho, anotando os tentos necessários para a conquista do almejado Scudetto. Foram 20 gols em 28 partidas, artilheiro do time e quarto na lista geral do campeonato.

Batistuta esteve distante de causar o mesmo impacto nas temporadas seguintes pela Roma. Anotou apenas seis gols na Serie A 2001/02. Se não podia sair às ruas antes, pelo fanatismo dos romanistas pedindo autógrafos, agora evitava o público pelas cobranças pesadas.

E, pior, os seus tornozelos o martirizavam pelas dores constantes. Ficou apenas mais meio ano na capital. Às vésperas de completar 34 anos, chegou à Internazionale como uma aposta para preencher a lacuna deixada por Ronaldo, vendido ao Real Madrid meses antes.

Ao longo do empréstimo, anotou apenas dois gols pelo Campeonato Italiano e mal deixou lembranças.

Na campanha das Eliminatórias ao Mundial de 2002, o centroavante esteve em campo cinco vezes e fez cinco gols. Já no Japão, o velho artilheiro tomou a posição e garantiu a única vitória, com o gol de cabeça que consumou o triunfo por 1 X 0 sobre a Nigéria.

As limitações físicas levaram Batistuta a deixar o futebol italiano em 2003. Assumiu que suas condições não permitiam atuar em alto nível e, aos 34 anos, aceitou a proposta do Al-Arabi, interessado em absorver uma nova cultura.

Disputou apenas uma temporada completa no Campeonato Catariano. Faturou a artilharia da competição com 25 gols, sete a mais que o segundo maior goleador, e anotados em apenas 18 jogos. Praticamente um ponto final, considerando que somou apenas mais três jogos na temporada seguinte, antes de pendurar as chuteiras, vencido pelas lesões.

Ao longo de sua carreira, Batistuta se mostrou um artilheiro explosivo. Contudo, a personalidade séria se refletiu em sua trajetória longe do futebol.

Chegou a morar por dois anos na Austrália, antes de se refugiar novamente no interior da Argentina, perto dos campos onde cresceu, levando uma vida simples.

Trabalhou brevemente como dirigente no Colón e fez a formação para ser técnico, mas suas aparições ligadas ao futebol foram esporádicas.

A eliminação contra a Suécia em 2002 foi o último jogo de Batistuta pela seleção argentina. Anotou 54 gols em 77 partidas. Ainda em 1998, ultrapassou Maradona como maior artilheiro da seleção. Além disso, permanece como maior goleador do país em Copas do Mundo, com 10 tentos no total.

Perdeu seu trono apenas no número absoluto, com Lionel Messi demorando 111 partidas para igualar as suas 54 bolas nas redes em 2016. Diante do novo rei, “Batigol” afirmou: “Honestamente, não fiquei muito bravo. Mas o que ainda posso dizer é que estou em segundo lugar, atrás de um extraterrestre”.

Ao longo dos últimos anos, Batistuta retornou a Florença para receber diferentes homenagens. Em 2006, ele pegou as chaves da cidade. Já o maior tributo aconteceu dez anos depois, em 2016, quando foi condecorado como cidadão honorário. (Pesquisa: Nilo Dias)