Boa parte de um vasto material recolhido em muitos anos de pesquisas está disponível nesta página para todos os que se interessam em conhecer o futebol e outros esportes a fundo.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

O dia em que o futebol ajudou o PCB

O leitor já imaginou o que aconteceria se nos dias atuais fosse realizado um jogo de futebol entre dois grandes clubes do futebol brasileiro, em benefício da campanha eleitoral de um partido político? E ainda mais se fosse para ajudar o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Dificilmente poderia ser feito um jogo dessa magnitude. Com certeza a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e a Fedération Internationale de Football Association (FIFA) não permitiriam.

Pois, pasmem, isso já aconteceu e está contado em todos os detalhes no livro “Palmeiras x Corinthians 1945: o jogo vermelho”, de autoria do deputado federal Aldo Rebelo e lançado pela Editora UNESP. O livro tem 124 páginas e custa R$ 34.00.

Aldo Rebelo é político, jornalista e torcedor da S.E. Palmeiras. E foi em uma visita a sala de troféus do clube, no Estádio Parque Antártica, que teve sua atenção voltada para um troféu diferente dos demais: uma escultura em bronze, de 60 centímetros de altura, de uma mulher alada, projetada para frente, como se estivesse se preparando para alçar voo, presa sobre uma base de mármore branco com a inscrição “Homenagem do Movimento Unificador dos Trabalhadores”. Intrigado, ali mesmo, ele começou uma pesquisa sobre a origem do troféu.

E descobriu que ele foi ganho numa partida disputada no Estádio do Pacaembu contra o eterno rival, S.C.Corinthians Paulista, há exatos 65 anos. E o mais importante, o jogo foi realizado para arrecadar fundos para o MUT, uma entidade criada em 1940, que era o braço sindical do Partido Comunista Brasileiro (PCB).

Os dois clubes e a Federação Paulista, que tinha entre seus dirigentes Ulysses Guimarães, dispensaram qualquer quantia pela apresentação. Em 1945 os comunistas haviam acabado de deixar a ilegalidade. O gesto de desprendimento dos jogadores e dirigentes foi considerado bastante ousado na época.

Oficialmente a renda seria para o MUT, mas na realidade serviria para ajudar a financiar a campanha do PCB. Havia uma meta do partido de arrecadar 750 mil cruzeiros para financiar as eleições. Só o jogo arrecadou quase 115 mil cruzeiros.

O principal dirigente do MUT era João Amazonas, que torcia pelo Palmeiras e já era um dos principais dirigentes do PCB. Os dirigentes do MUT foram todos candidatos pelo PCB a deputado federal ou estadual. E graças ao dinheiro arrecadado, dois meses depois, Prestes foi eleito senador e o PCB fazia 14 deputados federais. Mas dois anos depois, em 1947, o partido foi posto na ilegalidade e todos eles foram cassados.

O ano de 1945 foi singular na história do Brasil e do mundo: marcou o fim da Segunda Guerra, do Estado Novo e o Partido Comunista vivia na legalidade pela primeira vez em sua história. O clima do pós-guerra tornou simpático o movimento comunista, pois seus Exércitos ajudaram a bater o Eixo.

O movimento comunista no país reunia simpatizantes entre intelectuais, operários, empresários e mesmo na Federação Paulista de Futebol. Havia produtos chamando atenção para o tema, como o "Sabão Russo" ou, em referência a Prestes, o perfume "Cavaleiro da Esperança".

“No Brasil, naquele clima de redemocratização, a opinião pública ficou comovida com o sofrimento de Luís Carlos Prestes quando sua mulher, Olga Benário foi entregue aos nazistas pelo Estado Novo e assassinada em campo de concentração”, argumenta Rebelo, que enfrentou dificuldades para encontrar quem se lembrasse da história e recuperou o episódio pela pesquisa de jornais e documentos.

O livro é uma contribuição histórica, não só para o futebol, mas para a política brasileira, pois mostra com riqueza de detalhes um fato pouco lembrado pela mídia. Rebelo conseguiu juntar uma grande quantidade de anexos, tais como súmulas, recortes de jornais do período e fotografias dos principais personagens que fizeram parte desse episódio – presidentes de clubes, políticos, jogadores e líderes sindicais.

O jornal do PCB tratou o jogo com muita deferência, quase editorialmente: uma discussão sobre o futebol e o movimento operário, que o futebol tinha origem operária, que era um esporte proletário. E, pouco antes, o próprio Pacaembu já tinha sido cedido para um comício de Luís Carlos Prestes, assim como o estádio do Vasco, no Rio. Esse vínculo entre os comunistas e o futebol, na época, já era bem visível.

Rebello não descobriu em sua pesquisa nem jogadores nem dirigentes filiados ao PCB. Mas havia simpatizantes. O principal jogador do Corinthians, o maior artilheiro da história do clube, Cláudio Cristovão Pinho, teve até falecer uma relação muito próxima dos comunistas.

A organização imprimiu um sabor sindical ao “Derby”, ao marcar uma partida preliminar entre os times do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Fiação e Tecelagem, comandado por um corinthiano X Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil, dirigido por um palmeirense, que nutriam forte rivalidade.

O jogo preliminar foi vencido por 3 x 2 pelo quadro do Fiação e Tecelagem, e o público prestara de pé a homenagem de um minuto de silêncio em memória do craque Hermman Friese.

E veio o jogo principal. Como um clássico envolvendo Palmeiras X Corinthians é sempre impregnado de emoções, o autor dedica capítulos inteiros para descrever como se deu a preparação técnica dos times para o antológico jogo, a cobertura pela imprensa e, por fim, um panorama do clássico, que teve vitória do Palmeiras por 3 X 1.

Era a primeira vez, desde o fim do Campeonato Paulista, que as equipes duelariam com titulares. O jogo marcou também a estreia de Osvaldo Brandão como técnico palmeirense, após encerrar a carreira de jogador devido a uma lesão.

O jogo foi desenvolvido em um clima tenso. Para se ter uma ideia, o jornal "Gazeta Esportiva", definiu na crônica do dia seguinte o primeiro tempo como "45 minutos de hostilidades".

Palmeiras: Clodô - Caieira e Junqueira - Zezé Procópio - Túlio e Waldemar Fiúme – Oswaldinho – Gonzalez - Lima IV - Lima e Canhotinho. Corinthians: Bino - Domingos e Rubens – Palmer - Hélio e Aleixo – Cláudio – Milani – Servílio - Eduardinho e Ruy. João Etzel, o árbitro.

O estádio lotado vibrava com a disputa do clássico e pelo ambiente de liberdade daquele ano de 1945, que levava ao Pacaembu torcedores, operários, jornalistas, sindicalistas e comunistas, quase em confraternização pela chegada da democracia e das esperanças por ela criadas.

Aos 16 minutos da partida, o atacante Oswaldinho foi duramente atingido pelo médio Rubens, substituto do veterano Begliomini, que procurava mostrar serviço entre os titulares. A partir deste momento o jogo ameaçava descambar para uma "tourada", conforme registrou no dia seguinte o jornal “O Estado de São Paulo”.

Aos 31 minutos, Servílio fez Corinthians 1 x 0 Palmeiras. A torcida palmeirense, aflita, acompanhava com expectativa o recomeço do jogo no segundo tempo. O time alviverde redobrava a pressão sobre o adversário. O goleiro Bino, chamado de "Gato Selvagem" era o termômetro da partida, realizando incríveis defesas.

Aos 27 minutos da segunda etapa, Waldemar Fiúme, o "Pai da Bola", com o estilo clássico de sempre, marcou o gol de empate. A torcida alviverde ainda comemorava o gol quando Lima fez 2 X 1 para o Palmeiras, aos 29 minutos. Um minuto depois o uruguaio Villadoniga, "El Architeto" fez 3 x 1, placar final. (Pesquisa: Nilo Dias)


O livro de Aldo Rebelo é uma contribuição histórica ao futebol e à politica do país.