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quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Um futebolista palestino preso em Israel

Não é fácil morar na Palestina. O espaço geográfico que, até 1948, pertencia completamente à ela, está hoje repartido em três regiões. Uma corresponde a Israel e as outras, a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, são habitadas em grande parte por árabes de origem palestina, e compreendem o almejado Estado da Palestina. Mas continua ocupado por israelenses, na ausência de um tratado de paz definitivo.

O povo palestino se encontra atualmente disseminado em países árabes ou em territórios reservados aos refugiados. É difícil para todos, inclusive para quem se atreve a jogar futebol por lá.

A história de Mahmoud Sarsak é um exemplo das perseguições que esse povo sobre por parte dos israelitas. Sarsak foi preso em 22 de julho de 2009 no “Erez Crossing” (um cruzamento de fronteira na barreira de Israel-Gaza), quando viajava entre sua casa em Gaza e a Cisjordânia para se unir ao seu novo clube, o Balata Youth, uma equipe de futebol palestina fundada em 1954 e com sede no campo de refugiados de Balata, em Nablus.

Ele foi detido sob a suspeita de ser um combatente ilegal ligado ao Movimento da Jihad Islâmica, um grupo militante palestino, considerado terrorista pelos governos dos Estados Unidos, União Europeia, Japão, Austrália e Israel.

O mais estranho em tudo isso é que a Lei do Combatente Ilegal é uma lei israelense que só se aplica a não palestinos. Por exemplo, libaneses pegos dentro de Israel ou na fronteira podem ser chamados disso.

O serviço de segurança geral “Shin Bet”, uma das três principais organizações da comunidade de inteligência israelense, ao lado de Aman (inteligência militar) e do Mossad (serviço de inteligência estrangeiro) alegou que Sarsak havia plantado uma bomba que feriu um soldado israelense.

A agência disse que não tinha provas suficientes para um julgamento, mas mesmo assim ele foi mantido preso por três anos sem acusações formais. Em 2013 Sarsak disse que foi submetido a tortura física e mental durante o período em que esteve preso.

Os palestinos suspeitavam que Sarsak foi preso porque os israelenses tinham medo que ele - o jogador mais jovem a fazer parte da Liga Palestina, com apenas 14 anos - em breve estaria fazendo gols para algum time grande do mundo e tirando a camisa na comemoração para mostrar mensagens pró-Palestina, em vez de piadas medíocres e mensagens dos patrocinadores.

Além de Sarsak havia outros palestinos presos, até muitos doutores com PhD e jogadores profissionais de futebol. O lugar estava cheio de palestinos talentosos, o que reforçou a ideia de que se tratava de uma política de Israel para evitar que esses palestinos brilhassem e mostrassem seu lado civilizado para o mundo.

Os primeiros 45 dias preso foram os mais difíceis, já que foi torturado física, mental e verbalmente. Eles o transferiram para uma cela com outros prisioneiros por oito meses. Depois disso, foi chamado de volta por outros 12 dias e torturado e interrogado. Isso aconteceu três ou quatro vezes durante o período em que esteve recluso.

Sarsak começou uma greve de fome em 19 de março de 2012, depois que sua detenção administrativa foi renovada pela sexta vez.  Essa decisão foi uma resposta à morte de Zakaria Issa, um jogador de futebol internacional palestino que morreu pouco depois de ser libertado.

Zakariya Issa estava numa das celas e tinha câncer, mas eles nunca o ajudaram. Ele morreu naquela cela. Isso mexeu com Sarsak, que começou a pensar: “Preciso me ajudar porque ninguém mais vai”. Por exemplo, a FIFA não o estava ajudando naquela época.

Foi assim que decidiu pela greve de fome, que o fez perder metade de seu peso normal e ter os músculos prejudicados. Durante a greve de fome chegou perto da morte.

Ele insistiu em ser considerado como prisioneiro de guerra, porque foi detido sob a Lei de Combate de Ilícitos de Israel. E chegou a recusar uma proposta para sair do país exilado para a Noruega por três meses.  

O mundo passou a se interessar pelo caso. Em 5 de junho de 2012 foi organizado em Londres uma série de protestos visando chamar a atenção para a causa de Sarsak.

Em 8 de junho, a FIFPro (em português Federação Internacional dos Jogadores Profissionais de Futebol), que representa futebolistas profissionais de todo o mundo, pediu a sua libertação imediata.

Juntaram-se a esse pedido Eric Cantona, ex-jogador francês, Frédéric Kanouté, futebolista do ano na África, o então presidente da UEFA, Michel Platini e o então presidente da FIFA, Sepp Blatter.

Sarsak também recebeu apoio dos futebolistas Abou Diaby, francês de origem marfinense e Lilian Thuram, ex-atleta também francês. E fora do futebol, do diretor de cinema britânico Ken Loach e do professor norte-americano Noam Chomsky, também solicitaram sua liberação.

Em 14 de junho, a “Amnistia Internacional” pediu que Sarsak fosse admitido no hospital ou libertado, sob a alegação que lhe tinha sido negado o acesso adequado a um tratamento médico.

No dia 14 de junho de 2012, Sarsak retomou o consumo de leite depois de se encontrar com autoridades israelenses. Em 18 daquele mês, o advogado dele disse ter aceito um acordo para acabar com a greve de fome em troca da liberdade.

Em 10 de julho de 2012, Israel liberou Sarsak da prisão. À sua chegada a Gaza, foi saudada com uma cerimônia de boas-vindas, na qual dezenas de membros da Jihad Islâmica Palestina (PIJ), presentes na cerimônia, derrubaram rifles no ar. Nafez Azzam, um dos líderes do grupo, descreveu Sarsak como "um dos nossos membros nobres".

As mulheres também acenavam as bandeiras pretas da PIJ nas casas próximas. As ruas foram decoradas com enormes fotos de Sarsak, que depois de sair de seu carro foi carregado nos ombros e beijou e abraçou amigos e familiares.

Na ocasião afirmou: "Esta é uma vitória para os prisioneiros e agradeço a todos os órgãos palestinos, árabes e internacionais e pessoas que me defenderam".

Quando saiu, se sentiu como se tivesse nascido de novo. Ficou muito feliz em ter liberdade e ver a família outra vez. Ao mesmo tempo ficou triste por deixar seus irmãos sofrendo na prisão.

Três anos de sua vida foram tirados. Ficou na prisão dos 21 aos 24 anos — alguns dos melhores anos na vida de um jogador de futebol. Foi prejudicado em termos de saúde e psicologicamente. Depois que saiu, demorou oito meses para ser fisicamente capaz de tentar jogar bola novamente.

Contou que o lobby sionista sempre tenta retratar Israel como um país civilizado, que age de acordo com as leis de direitos humanos, que são amantes da paz e tudo mais.

Israel chegou a pedir a alguns países europeus para que não deixassem Sardak entrar, dizendo que se tratava de um “terrorista”. E que eles tentam desacreditar e silenciar qualquer palestino que surja na mídia ocidental.

Desde a sua libertação, Sarsak procurou aumentar a conscientização sobre a perseguição dos jogadores de futebol palestinos pelo governo israelense e se opôs à participação do seu país no Campeonato Sub-21, realizado em Israel.

Ele contou que os israelenses usavam técnicas de tortura diferentes para pessoas diferentes. Eles costumavam lhe interrogar por vários dias e não o deixavam dormir. Uma sessão chegou a durar 14 horas contínuas. 

Certa ocasião eles amarraram Sarsak numa cadeira por algumas horas com música alta para que não conseguisse dormir. E depois as perguntas recomeçavam. Eles queriam que o futebolista admitisse algo que não tinha feito, para justificar a coisa toda, nacional e internacionalmente.

Em outra oportunidade ele foi amarrado numa cadeira e o lugar transformado em geladeira. A sala ficou numa temperatura de -12º ou -15ºC por cerca de meia hora. Quando Sarsak já estava quase desmaiando, eles o levaram ao hospital para ser reanimado. E começava o interrogatório de novo.

Quando criança Sarsak tinha como seus ídolos no futebol Alessandro Del Piero, Frank Lampard e Zinedine Zidane. Depois de se tornar jogador, ele atuou regularmente pelo time de futebol olímpico palestino e duas vezes na seleção nacional principal, concorrendo contra a China e o Iraque.

Sarsak cresceu num campo de refugiados na Faixa de Gaza. Havia um clube de futebol lá, onde treinava frequentemente. E acabou entrando no time jovem nacional da Palestina, depois no time nacional palestino e no time olímpico. Jogava de centroavante ou ala direita.

Existem duas estruturas de ligas por lá, uma na Cisjordânia e outra na Faixa de Gaza por causa da separação geográfica. A da Cisjordânia é um pouco mais organizada e mais regular, já que há mais estabilidade por lá.

Em Gaza, se consegue fazer um campeonato a cada quatro anos, pois são sempre interrompidos por ataques, incursões, bombardeios e tudo mais.

Em 2009 e em 2012, Israel destruiu os estádios de futebol da Palestina. A suspeita é de que eles queriam impedir os palestinos de mostrar uma face mais positiva e de se integrar com a comunidade internacional.

Os recursos são escassos e, obviamente, se torna um tanto perigoso reunir uma grande multidão, principalmente em Gaza. Mas os palestinos são torcedores devotados, vão aos jogos não importando o que aconteça.

Em Gaza, há um clube grande em Rafah, no campo de refugiados de al-Shati, e outro em Shejaia. E os palestinos são loucos pela Liga Espanhola. Metade das pessoas torce pelo Barcelona e metade para o Real Madrid. (Pesquisa: Nilo Dias)