Boa parte de um vasto material recolhido em muitos anos de pesquisas está disponível nesta página para todos os que se interessam em conhecer o futebol e outros esportes a fundo.

segunda-feira, 31 de março de 2008

O Pelé da crônica esportiva brasileira

A imprensa esportiva brasileira viveu ontem (30-03), uma tarde inesquecível para a história do futebol de nosso país. Antes do jogo Botafogo x Fluminense, pela Taça Rio, a Secretaria de Estado de Turismo, Esporte e Lazer, através da Superintendência de Desportos do Estado do Rio de Janeiro (Suderj), fez justiça a um dos expoentes da crônica esportiva, o jornalista, poeta e escritor Armando Nogueira, com um espaço, que leva o seu nome, localizado na Tribuna de Imprensa do estádio do Maracanã.

O jornalista que, para mim, é o “Pelé da crônica esportiva brasileira”, mesmo enfrentando problemas de saúde esteve no Maracanã e se emocionou bastante com a homenagem, especialmente no momento em que foi descerrada uma placa na entrada do Espaço que leva seu nome, onde está gravado o poema “Maracanã”, de sua autoria, cujos direitos autorais ele repassou para a Suderj.

Além da placa em acrílico, onde está gravada a poesia, o Espaço Armando Nogueira tem em suas paredes, uma galeria da fama com os chamados “Notáveis do Rádio”. Figuram neste corredor fotos de grandes nomes da crônica esportiva, como Antônio Cordeiro, Ari Barroso, Benjamin Wright, Carlos Marcondes, Celso Garcia, Clóvis Filho, Deni Menezes, Doalcei Camargo, Iata Anderson, João Saldanha, Jorge Curi, José Cabral, José Carlos Araújo, Kléber Leite, Luiz Fernando Vassalo, Luiz Mendes, Luiz Penido, Mário Vianna, Oduvaldo Cozzi, Orlando Baptista, Ronaldo Castro, Ruy Porto, Waldir Amaral e Washington Rodrigues. Além desses radialistas, outros 50, também votados, terão suas fotos expostas no local.

As homenagens para Armando Nogueira não ficaram somente na Tribuna de Imprensa, tiveram continuidade com a outorga da “Medalha do Mérito Pan Americano”, pela Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, em sessão solene realizada nas próprias dependências do Maracanã. A homenagem foi sugerida pelo vereador Luiz Antônio Guaraná.

Em 29 de janeiro deste ano, em breve e emocionante solenidade no Palácio das Laranjeiras, Armando Nogueira recebeu das mãos do ministro das Comunicações, Hélio Costa, acompanhado do governador Sérgio Cabral, a “Medalha da Ordem do Mérito das Comunicações”. No Grau de Grã Cruz, a mais alta condecoração concedida a personalidades que prestaram notáveis serviços ao setor.

Filho de cearenses que um dia emigraram para o Acre, fugindo da seca, Armando Nogueira nasceu em Xapuri, no dia 14 de janeiro de 1927. Em 1944, com apenas 17 anos foi para o Rio de Janeiro, onde cursou Direito e trabalhou como ensacador, embora já pensasse em se tornar jornalista. E sem imaginar que um dia formaria ao lado de Mário Filho e Nélson Rodrigues, a Santíssima Trindade da crônica esportiva brasileira.

Em 1950, conseguiu trabalho na seção de esportes do jornal “Diário Carioca” (extinto), que na época reunia os mais destacados jornalistas cariocas, como Prudente de Moraes Neto, Carlos Castello Branco, Otto Lara Resende, Rubem Braga, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Pompeu de Souza. O “Diário Carioca” é até hoje lembrado como uma verdadeira escola do jornalismo brasileiro.

Foi testemunha ocular do atentado contra o jornalista Carlos Lacerda, na Rua Toneleros, em Copacabana. Ao escrever sobre o episódio, fez história no jornalismo brasileiro: pela primeira vez numa reportagem um fato era narrado na primeira pessoa. Depois de permanecer por 13 anos no jornal, Armando Nogueira passou pelo “Diário da Noite”, revista “Manchete” (1957), “O Cruzeiro”, dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand e “Jornal do Brasil” (1959).

Armando foi um dos pioneiros da televisão brasileira, em 1959, quando trabalhou na primeira produtora independente do país, dirigida por Fernando Barbosa Lima. Ele escrevia textos para serem lidos pelos locutores Cid Moreira e Heron Domingues, na antiga TV-Rio. Em 1966, convidado por Walter Clark, foi para a Rede Globo onde implantou, com Alice Maria, o telejornalismo de qualidade da emissora, que passou a atrair o interesse dos profissionais e do público. Nos 25 anos em que esteve na emissora da família Marinho, introduziu o jornalismo em rede nacional e criou os noticiosos “Jornal Nacional” e “Globo Repórter”.

Em 1989, Armando Nogueira mostrou que além de grande jornalista também era um homem íntegro e que não pactuava com atos inescrupulosos. No segundo turno das eleições presidenciais daquele ano, a Rede Globo promoveu um debate entre os candidatos Fernando Collor de Melo e Luiz Inácio Lula da Silva. No compacto do evento, exibido no dia seguinte Jornal Nacional foi feita uma edição que favorecia Collor, apoiado direta ou indiretamente pelas empresas de Roberto Marinho.

Armando Nogueira, como diretor de jornalismo, não compactuou com aquilo e levou pessoalmente a Roberto Marinho a sua indignação. Por causa de seu comportamento ético e profissional, acabou sendo aposentado pelos donos da emissora, de onde se desligou em definitivo no ano seguinte.

O grande nome da imprensa brasileira e que merece o respeito de todos nós, mantém uma coluna diária que é reproduzida em mais de 60 jornais de todo o país, participa de um programa no canal por assinatura SporTV, de um programa de rádio e de um sítio na Internet. É o proprietário da Xapuri Produções, que faz vídeos institucionais para empresas, para as quais também profere palestras motivacionais.

No futebol, é torcedor apaixonado do Botafogo, desde 1944, quando chegou ao Rio de Janeiro e assistiu a um jogo entre Flamengo e Botafogo. Encantou-se por Heleno de Freitas. A grande paixão de Armando Nogueira foi sempre o esporte, particularmente o futebol. Cobriu 15 Copas do Mundo e 7 Olimpíadas e escreveu 10 livros, todos sobre esportes: “Drama e glória dos bicampeões (em parceria com Araújo Neto)”; “Na grande área”; “Bola na rede”; “O homem e a bola”; “Bola de cristal”; “O vôo das gazelas”; “A copa que ninguém viu e a que não queremos lembrar (em parceria com Jô Soares e Roberto Muylaert)”; “O canto dos meus amores”, “A chama que não se apaga” e “A ginga e o jogo”.

Com um estilo poético de escrever, Armando Nogueira imortalizou várias frases. Eis algumas delas: “Para Garrincha, a superfície de um lenço era um latifúndio”; "Ademir da Guia, tens o nome, o sobrenome e a bola do craque"; "Arthur Friedenreich jogava Futebol com o coração no peito do pé. Foi ele quem ensinou o caminho do gol à bola brasileira"; “É sempre melhor ser otimista do que ser pessimista. Até que tudo dê errado o otimista sofre menos"; "Se Pelé não tivesse nascido homem, teria nascido bola".
Caricatura de Armando Nogueira publicada na coluna de Sérgio Cabral, no jornal "Lance", edição de 20 de janeiro de 2008.

Anônimo disse...
Excelente cronista realmente, um pouco romântico demais, mas bem coerente nas suas colocações. Dono da frase mais bonita do centenário do meu Atlético Mineiro:
"Brasilia capital do Brasil. Atlético Mineiro capital de Minas Gerais"
31 de março de 2008 18:59

domingo, 30 de março de 2008

A bola quadrada e a taça cortada

É claro que uma "bola quadrada" não teria nenhuma utilidade. Mas nem por isso deixaram de inventar uma. Foi no Japão, onde existe a “Sociedade Internacional do Chindogu (ICS).” E que bicho é esse? Chindogu é o termo japonês usado para designar a arte da concepção de idéias inúteis, como deformar a utilidade de um objeto até transformá-lo em algo sem serventia. A “bola quadrada” que o professor Girafales prometeu ao Kiko, personagens da série televisiva “Chavez”, teve origem nas criações malucas do Chindogu.

O presidente da ICS, Dan Papi, explica que Chindogu vem de “dogu”, que quer dizer “ferramenta” e “chin”, que pode ser traduzido por “estranho”, embora, literalmente, signifique “pênis”. O termo foi inventado pelo comediante japonês Kenji Kawakami.

No futebol a “bola quadrada” serve para designar o passe mal feito: “a bola chegou quadrada nos pés de fulano”. E também o mau jogador: “Esse cara joga uma bola quadrada”. Mas qual a origem do termo? Os nossos queridos amigos portugueses sempre foram os nossos alvos preferidos de piadas, ao longo dos anos. Na Copa do Mundo de 1966, a Seleção do Brasil buscava o tri-campeonato em gramados ingleses. E nosso grupo tinha Portugal, Hungria e Bulgária.

Como a mania de superioridade sempre acompanhou o futebol brasileiro, dessa vez também não foi diferente. Mesmo com notícias dando conta de que Portugal armara um time poderoso, o melhor da sua história, com craques como Euzébio e Coluna, ninguém levou a sério. Tanto é verdade que um humorista de jornal carioca fez uma caricatura em que um negro português, provavelmente Eusébio, se preparava para chutar uma bola... quadrada!

Depois do nosso jogo com Portugal, em que perdemos por 3 X 1 e fomos eliminados da Copa, um jornalista lusitano, que acompanhou o desastre brasileiro, publicou uma crônica, famosa até hoje, com o título “A vingança da bola quadrada". E o termo popularizou.

Fiz toda essa explicação para poder contar um fato acontecido pouco tempo depois. O S.C. Corinthians não andava lá muito bem das pernas no campeonato paulista. Jogava um clássico, no Pacaembu, contra o eterno rival, o Palmeiras. Um pouco antes da “redonda” rolar, um gaiato torcedor palmeirense, não identificado jogou uma "bola quadrada" dentro do gramado.

Mas o episódio não foi levado a sério. Ao contrário, os torcedores corinthianos se divertiram muito, ainda mais que o time jogou bem e ganhou o jogo. A "bola quadrada" foi levada para a sala de troféus do clube, onde permanece visível até hoje, porém oculta na história do clube.

Já a história da taça cortada, é bem mais antiga. Aconteceu na década de 40, na cidade gaúcha de Rio Grande, terra do clube de futebol mais antigo do Brasil, o S.C. Rio Grande. E o episódio teve a participação do chamado “vovô”. Os três times da cidade, S.C. Rio Grande, F.B.C. Rio-Grandense e S.C. São Paulo, estavam de relações cortadas por problemas surgidos no campeonato da cidade, que era muito disputado e com uma rivalidade bastante acentuada.

Para promover a paz, foi realizado um torneio envolvendo os três clubes, com a denominação de “Taça Confraternização”. As equipes do S.C. Rio Grande e S.C. São Paulo foram finalistas. Depois de empatarem três partidas, uma prorrogação e baterem mais de 30 pênaltis sem que houvesse um vencedor, e com a chegada da noite (não havia refletores no estádio) e como nenhum dos dois times abria mão do troféu, alguém sugeriu uma solução salomônica: declarar as duas equipes campeãs. E assim foi feito: a taça foi dividida ao meio e cada um dos times recebeu a metade.

No tempo em que morei na cidade de Rio Grande, visitei as salas de troféus dos dois clubes. E lá estão, incrustadas em madeira e para quem quiser ver as duas metades da taça, que representam um invulgar episódio da história do futebol brasileiro, tão rica em situações folclóricas. (Texto e pesquisa: Nilo Dias)
A bola quadrada é guardada na galeria de troféus do clube. (Foto: Acervo do S.C. Corinthians Paulista)

Horácio disse...
Querido mestre Nilo Dias: Que bom te ver falando na nossa terra e "Mais Velho do Brasil". Que saudades das nossas jornadas esportivas, e das visitas às salas de troféus dos dois clubes, onde certamente, o mais hilário é a presença de uma taça cortada ao meio.
Horácio Gomes - Rio Grande-RS
31 de março de 2008 18:36

sábado, 29 de março de 2008

Uma tragédia sem fim

A derrota para o Uruguai na final da Copa do Mundo de 1950 em pleno Maracanã é considerada até hoje a maior tragédia do futebol brasileiro. Eu era um “guri”, com apenas 9 anos de idade, mas lembro bem daquela tarde fatídica de 16 de julho. Naquele tempo não existia televisão, futebol se ouvia pelo rádio. Desde manhã as pessoas se mostravam agitadas e se movimentavam ligeiro pelas ruas de Rosário do Sul, uma pequena cidade do interior gaúcho, onde morávamos. Meu pai era funcionário da antiga Companhia Swift.

O clima era de festa antecipada. Ninguém acreditava em derrota do Brasil, que tinha mesmo um “baita” esquadrão: Barbosa, Augusto e Juvenal – Bauer - Danilo Alvim e Bigode – Friaça – Zizinho - Ademir Menezes - Jair da Rosa Pinto e Chico. Esse foi o time da final. Chegou a hora do jogo, o rádio da marca “Zenith”, caixa de madeira, um verdadeiro monstro, cheio de válvulas e pesando uns 10 quilos era o centro das atenções de meus pais e de alguns vizinhos, reunidos na sala lá de casa.

A Rádio Nacional, do Rio de Janeiro era a mais ouvida. E na narração dupla de Jorge Cury e Antônio Cordeiro, vibramos muito com o gol de Friaça, aos 4 minutos do segundo tempo, para o Brasil. Depois veio o que todo o mundo sabe: a reação dos uruguaios e a virada para 2 X 1, com gols de Schiafino e Gighia. Era o fim do sonho brasileiro de ser campeão do mundo, pela primeira vez.

Terminou o jogo e para mim a vida continuou normal. Mas, milhares de pessoas, especialmente no Rio de Janeiro entenderam diferente. Foi uma grande revolta. O técnico Flávio Costa teve que se esconder. Os jogadores, também. E dois deles foram considerados os grandes culpados pela derrota: o goleiro Barbosa e o lateral Bigode. Ambos morreram, carregando nas costas uma culpa que não foi só deles.

Nossa equipe teve vários pecados. Ficou no esquecimento a derrota por 4 X 3, que os uruguaios já haviam nos imposto um mês antes (6-5), pela Copa Rio Branco, em pleno Estádio do Pacaembu, em São Paulo. Estavam na lembrança só as vitórias que vieram em seguida, sobre o mesmo Uruguai: 3 X 2 (14-5) e 1 X 0 (17-5), ambas em São Januário, no Rio de Janeiro, ainda pela Copa Rio Branco. E as goleadas na Copa: 4 X 0, no México (24-6), 7 X 1, na Suécia (9-7) e 6 X 1, na Espanha (13-7). Ninguém lembrou os avisos do empate de 2 X 2 com a Suíça (28-6), no Pacaembu e da goleada do Uruguai sobre a Bolívia, por 8X 0.

Da Seleção Brasileira de 1950, apenas o zagueiro JUVENAL Amarijo e o ponteiro-direito Albino FRIAÇA Cardoso, ainda estão vivos. Há pouco tempo a televisão mostrou Juvenal, que mora na cidade baiana de Camaçari e mal consegue andar por causa de uma artrose no joelho direito. Graças à reportagem do “Esporte Espetacular”, seu drama de doença e miséria foi minimizado. Dirigentes do G.E.Brasil de Pelotas, clube que Juvenal defendeu entre 1945 e 1946 ofereceram cirurgia e tratamento gratuitos ao seu ex-atleta, hoje com 84 anos. Na Bahia, alguns médicos se ofereceram para auxiliar o ex-zagueiro. Outro clubes onde jogou também ajudaram.

Já o ex-ponteiro direito Friaça, de 83 anos, vive uma velhice bem melhor, embora também tenha problemas de saúde. Há cerca de um ano sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Seus olhos quase não enxergam e a mão se ergue devagar. Quase sem lucidez, Friaça recorda muito pouco das histórias que costumava contar aos amigos na praça. Ele mora protegido pela família, na pequena cidade de Porciúncula (RJ), onde nasceu. Se não tem hoje o reconhecimento da CBF e do país, pelo menos lá na sua terra natal é uma celebridade: dá nome ao estádio e à maior loja de materiais de construção da cidade. Foi enredo de escola de samba e é personagem de “causos” de cada um dos cerca de 20 mil moradores do lugar.

Todos os outros “vilões” que jogaram a final de 1950 já morreram. São eles: ELY do Amparo (9-3-91); ADEMIR Marques de Menezes (11-5-1996); DANILO Alvim (16-5-1996); Francisco "CHICO" Aramburu (1-10-97); Moacyr Nascimento BARBOSA (7-4-2000); Thomaz "ZIZINHO" Soares da Silva (8-2-2002); João "BIGODE" Ferreira (31-7-2003); João AUGUSTO da Costa (1-2-2004); JAIR Rosa Pinto (28-7-2005); José Carlos BAUER (4-2-2007). O técnico Flávio Costa morreu em 1999, aos 93 anos de idade. (Texto e pesquisa: Nilo Dias).
A Seleção de 1950 era boa, mas foi incapaz de ganhar do Uruguai, na final (Foto: Acervo da CBF)

sexta-feira, 28 de março de 2008

Uma história mal contada

Nas festividades comemorativas aos 500 anos do Descobrimento do Brasil, a Editora Objetivo, do Rio de Janeiro, contratou o jornalista, escritor e tradutor gaúcho, Eduardo Bueno, conhecido como “Peninha”, para escrever uma coletânea denominada “Terra Brasilis”, voltada para leigos, sobre a História do Brasil. São três volumes: “A viagem do descobrimento – A verdadeira história da expedição de Cabral”, “Náufragos, traficantes e degredados – As primeiras expedições ao Brasil” e “Capitães do Brasil – a saga dos primeiros colonizadores”, publicados entre 1998 e 1999. A vendagem desses três livros alcançou mais de 500 mil exemplares até hoje.

Bueno escreveu ainda, mais dois títulos sobre a história do Brasil: “Brasil: Terra à Vista! A aventura ilustrada do Descobrimento” e “Brasil: uma História - a incrível saga de um país” O seu sucesso como escritor é inquestionável. Ele pretende aprofundar suas pesquisas e escrever outros livros sobre o “Período pré-Cabralino”, “Bandeiras” e “O Brasil Holandês”. Se o leitor tiver sorte poderá encontrar algum volume desgarrado, talvez num sebo.

Faço toda essa introdução para dizer que as coisas são mal contadas não somente na História do Brasil. Na história do futebol, também. E por isso merecem aprofundamento. Já escrevi sobre as dúvidas que são lançadas sobre o prioneirismo de Charles Miller, na introdução do futebol no nosso país e se Pelé realmente é o maior artilheiro de todos os tempos. E tantos outros questionamentos que os estudiosos do futebol sabem bem quais são.

Entendo que nesse mar de dúvidas nem a FIFA escapa quanto ao que seja verdadeiro. É o caso do primeiro jogo de futebol noturno realizado no Brasil. Quase toda a literatura sobre o assunto existente, aponta a Light and Power, uma empresa canadense que abastecia de energia elétrica a cidade de São Paulo nos anos 20, como a responsável pela realização do feito pioneiro através de sua equipe de futebol, a Sociedade Esportiva Linhas e Cabos (depois, Associação Atlética Light & Power, equipe amadora, extinta), presidida pelo funcionário Severino Gragnani, um imigrante italiano, originário de Massarosa (Lucca).

Depois que a empresa cedeu um terreno na Rua do Glicério para uso da equipe, Gragnani teve a idéia de fazer um jogo de futebol à noite, utilizando os faróis de 20 bondes sustentados por quatro torres de madeira. O jogo foi entre os times das Linhas e Cabos e da Associação Athlética República, um clube da Capital, em 23 de junho de 1923. Os visitantes venceram por 2 X 1.

Em 1954, logo após o falecimento de Gragnani, a FIFA reconheceu esse como o primeiro jogo de futebol disputado no mundo, com iluminação artificial. Na verdade, foi só o primeiro na capital paulista. A prefeitura de São Paulo, por sugestão do jornalista Basilio Babo Sposito, colocou um busto em bronze de Gragnani, na Praça Charles Miller, em 1963. Depois, o busto foi transferido para o interior do Estádio do Pacaembu, onde se encontra até hoje.

Nada contra a iniciativa do eletricista paulista. Mas o primeiro jogo noturno realizado no Brasil aconteceu bem antes. Foi no interior do Rio Grande do Sul, na cidade de Pelotas, já naquela época uma cidade rica e culturalmente evoluída, inclusive no futebol. Foi lá que a bola rolou a noite pela primeira vez, em 25 de dezembro de 1915, na inauguração dos refletores do estádio do Sport Club União (extinto), que ficava na esquina das ruas General Osório e 3 de maio.

A festa foi muito bonita, noticiaram os jornais, presidida pelo senhor Rodolfo Ibaños, que em nome da Comissão dos festejos, convidou o capitão Leopoldo Haertel, para acionar o sistema de iluminação. O orador da cerimônia foi o doutor Ildefonso Alves de Carvalho que enalteceu o pioneirismo do S.C. União. No jogo inaugural, o G.E. Brasil não foi nada gentil, venceu o dono da casa, o União e por goleada, 5 X 1. Nos segundos quatros, que fizeram a preliminar houve empate em 1 X 1.

O Festival da Iluminação, assim denominado pelos organizadores, continuou no dia seguinte (26), quando o União, se reabilitando da derrota para o Brasil, venceu o F.B.C. Rio-Grandense, de Rio Grande, por 6 X 1.

A necessidade de se apurar os fatos com clareza, fica evidente também por outra informação historicamente não verdadeira. De que o futebol só teve iluminação de verdade a partir de 31 de março de 1928, na inauguração dos refletores do estádio de São Januário. Foram realizados dois amistosos naquela noite: na preliminar, América 1 X 1 São Cristóvão, e no jogo de fundo Vasco da Gama 1 X 0 Wanders (Uruguai).

Existem outras versões que também indicam onde e quando foi realizado o primeiro jogo noturno no Brasil. Eis algumas: a página “História de Guaxupé”, na Internet informa que na passagem do ano de 1921, realizou-se em Guaxupé (MG) o primeiro jogo de futebol noturno do Brasil, no campo do antigo Seminário São Luíz Gonzaga, entre as equipes do XV de Novembro x Academia de Comércio (2 X 1).

Também a empresa “Coleman”, em sua página na Internet cita a realização de um jogo noturno em 1909, iluminado por ela. Porém, não informa quem jogou, onde e nem a data completa.

Contudo, existem registros de outros jogos noturnos realizados bem antes do de São Paulo. Os jornais “Gazeta de Notícias” e “O Imparcial” noticiaram que “Pela primeira vez no Brasil e cremos que na América do Sul, o público carioca vai ter a satisfação de assistir ao seu sport predilecto, praticado à noite, às 21 horas”. Em 5 de setembro de 1914, o Villa Isabel F.C. derrotou a Seleção da Liga Campista, por 4 X 0, em jogo amistoso disputado no campo do Jardim Zoológico, em Villa Isabel, Rio de Janeiro.

No dia 12 de Outubro de 1914 os jornais voltaram a noticiar mais um jogo amistoso noturno no campo do Jardim Zoológico, quando o Villa Isabel, perdeu de 6 X 1 para o América. (Texto e pesquisa: Nilo Dias)
Os faróis de 20 bondes iguais a este, iluminaram o campo do primeiro jogo noturno, em São Paulo (Foto: Acervo da Light and Power)

quinta-feira, 27 de março de 2008

Nascido para vencer

A imprensa do mundo inteiro não está poupando elogios ao jovem atacante Alexandre Pato, que ontem fez sua estréia na Seleção Brasileira. O gol de rara beleza que marcou garantiu a vitória contra a Suécia, no “jogo da saudade”, comemorativo a conquista do primeiro mundial, pelo Brasil, em 1958, na Suécia. Um jornal inglês chegou a comparar Pato, com o legendário Pelé. Na Itália, seu prestígio já supera o de Kaká, eleito o melhor jogador do mundo ano passado.

A carreira de Pato vem sendo marcada por atuações espetaculares em jogos de estréia. Preparado para ingressar na equipe principal do Inter 2006, sua estréia foi cercada de expectativas, treinos secretos e declarações entusiasmadas de dirigentes, que viam nele a promessa de um craque diferenciado. Os treinos eram secretos para não despertar o interesse de outros clubes, principalmente os europeus antes que o contrato fosse renovado. O salário passou de R$ 3 mil para R$ 15 mil e a multa rescisória estipulada em R$ 27 milhões de reais para clubes brasileiros e US$ 20 milhões para clubes estrangeiros.

Quando fez o primeiro jogo na equipe titular do Internacional, em 26 de Novembro de 2006, contra o Palmeiras, no Parque Antártica, pelo Campeonato Brasileiro, teve atuação de gala, confirmando tudo o que dele se esperava. Com apenas 1 minuto de jogo marcou o primeiro gol como profissional. E ainda deu assistência para outros dois gols, cabeceou uma bola na trave, deu dribles desconcertantes nos adversários e entortou o jogador Marcinho Guerreiro, que deu-lhe um pontapé, sendo expulso de campo.

Na estréia oficial pelo Milan da Itália, em 13 de janeiro deste ano, não foi diferente. Conquistou a torcida milanesa com uma atuação de luxo na goleada de 5 X 2 sobre o Nápoli, quando marcou um gol e participou das jogadas de outros dois. Na comemoração do seu gol, Pato foi muito festejado pelos companheiros e, com lágrimas nos olhos, beijou o escudo do Milan. Teve ainda seu nome ovacionado pela torcida, que gritou: "Olê, olê, Pato, Pato!!".

Ontem, a mais nova sensação do futebol brasileiro colocou a camisa verde e amarela da seleção principal pela primeira vez. E a exemplo das estréias anteriores, “só não fez chover”. Entrou em campo aos 14 minutos do segundo tempo, substituindo o avante Luiz Fabiano. Deu um passe certeiro para Diego, que sofreu pênalti não marcado e aos 26 minutos, com determinação e não desistindo da jogada, aproveitou o erro do goleiro Izacsson, que chutou a bola sobre o seu corpo e por cobertura marcou um gol de extraordinária beleza.

Pato, ao final do jogo manteve a serenidade e humildade de sempre. Agradeceu ao técnico Dunga, por tê-lo colocado em campo e ofereceu o gol a sua namorada desde o ano passado, a atriz global de televisão, Stephany Brito, ao formar um coração com as mãos. Os dois já planejam casamento, mas ainda não marcaram data.

Alexandre “Pato” Rodrigues da Silva nasceu no dia 2 de Setembro de 1989 em Pato Branco, no interior do Paraná. O apelido Pato foi dado pelos ex-companheiros de Internacional, uma referência a sua cidade natal. A carreira do craque começou quando tinha apenas 7 anos e jogou futebol de salão até os 9, pelo Grêmio Industrial Patobranquense, que tem as mesmas cores do Grêmio, eterno rival do Internacional. Aos 11 foi para o Internacional, onde jogou cinco anos nas categorias de base e apenas vinte e seis partidas como profissional.

No dia 28 de agosto de 2007, um mês antes de completar dezoito anos, foi contratado pelo Milan da Itália, por US$ 20 milhões, numa das maiores transações já realizadas no futebol brasileiro. Sem ter completado 18 anos e por isso impedido de ser inscrito, treinou seis meses antes de jogar oficialmente pelo clube italiano. Os valores da venda de Pato só foram superados pela ida de Denílson para o Real Betis em 1998, por US$ 40,5 milhões e de Robinho para o Real Madrid em 2005, por US$ 30 milhões. A venda do Pato foi a mais alta realizada pelo Internacional até hoje, superando a transferência de Fábio Rochemback ao Barcelona em 2001, por US$ 12 milhões.

Um breve resumo da carreira de Alexandre Pato. Em junho de 2006, com apenas 16 anos de idade, participou do Campeonato Brasileiro sub-20, enfrentando adversários até quatro anos mais velhos. Foi campeão, com goleada sobre o Grêmio na final, por 4 X 0 e artilheiro do torneio. Foi Campeão Sul-Americano Sub-20, em 2007, melhor jogador do campeonato e artilheiro do time, fazendo gols em todos os jogos em que atuou. No Mundial de Clubes, no Japão, Alexandre Pato quebrou um recorde que pertenceu a Pelé, por quase 50 anos. Foi no dia 13 de dezembro de 2006, na semifinal contra o Al-Ahly, do Egito, ao fazer o primeiro gol do Internacional na vitória de 2 X 1.

Naquele dia, Pato tornou-se o mais jovem jogador a marcar gols numa competição oficial, e sem restrições de idade da FIFA em todos os tempos. O jogador estava com 17 anos e 102 dias. O recorde anterior era de Pelé, que no dia 19 de junho de 1958, ao anotar o gol de Brasil 1 X 0 País de Gales, tinha 17 anos e 239 dias. O jogo final, dia 17 de dezembro, vitória de 1 a 0 sobre o Barcelona, foi o primeiro em que Pato não fez gol, mas ganhou o maior título da sua ainda curta carreira: Campeão Mundial de Clubes FIFA pelo Internacional.

Pelo Internacional, em 2007, Pato participou de quatro competições, sagrando-se Campeão da Recopa Sul-Americana e marcando gols em todos os seus jogos de estréia em cada certame. No dia 24 de fevereiro, pelo Campeonato Gaúcho fez um dos gols na vitória de 2 X 1 contra o Veranópolis. Em seu primeiro jogo no Beira Rio, dia 28 de fevereiro, contra o Emelec, do Equador, pela Copa Libertadores da América fez um gol na goleada de 3 a 0.

No Campeonato Brasileiro, na estréia em 13 de maio, contra o Botafogo (RJ), fez um dos gols na derrota por 3 a 2. No dia 31 de Maio, jogo no México, contra o Pachuca, fez o gol colorado na derrota por 2 X 1. Finalmente, no dia 7 de junho de 2007, no jogo de volta da Recopa, num Beira-Rio tomado por mais de 50 mil torcedores, Pato teve uma atuação de luxo, marcou um gol e comandou a goleada de 4 a 0 do Internacional sobre o campeão do México, da Copa Sul-Americana e da Concacaf.

Em 22 de janeiro deste ano foi convocado pela primeira vez para a Seleção Brasileira principal, para um jogo amistoso frente à Seleção da Irlanda. Mas deu azar. No dia 3 de fevereiro, no jogo contra a Fiorentina entrou no segundo tempo e marcou o gol da vitória, aos 31 minutos. Aos 43, torceu o tornozelo, saiu chorando de campo e foi cortado da seleção.

Ao chegar no Milan, a camisa destinada a Pato foi a número 7, antes usada pelo ídolo do time, Andry Shevchenko. Impedido de jogar no time titular, porque não tinha 18 anos e as leis do futebol não permitem, Pato fez seu primeiro jogo em 6 de setembro de 2007, um amistoso contra o Dínamo de Kiev, quando marcou o primeiro gol de sua equipe, no empate em 2 a 2. Sua segunda aparição na equipe de Milão, foi no empate sem gols, contra o Athletic Bilbao, sendo substituído no intervalo.

Jovem e com menos de dois anos como jogador profissional Pato já marcou 21 gols, contando o de ontem. Foram 12, pelo Internacional, 8 pelo Milan e 1 pela Seleção Brasileira. Não foram computados os jogos pelas equipes de base. E conquistou os seguintes títulos: Campeão Brasileiro Sub-20 em 2006 pelo Internacional; Mundial de Clubes da FIFA em 2006 pelo Internacional; Recopa Sul-Americana em 2007 pelo Internacional e Campeão Sul-Americano de Futebol Sub-20 em 2007 pela Seleção Brasileira. (Texto e pesquisa: Nilo Dias)
Alexandre Pato, do Internacional para o mundo (Foto: Site do S.C. Internacional)

quarta-feira, 26 de março de 2008

Organização, a fórmula do sucesso

Sorte? Milagre? Fenômeno? Que outros adjetivos podem ser adicionados à lista que busca explicar a extraordinária campanha do Guaratinguetá Futebol Limitada, no Campeonato Paulista deste ano? A explicação do sucesso e da liderança inconteste na competição chama-se organização.

O clube surpresa do “Paulistão” é bem novo, não completou nem 10 anos. Foi fundado em 1º de outubro de 1998, com o nome de Guaratinguetá Esporte Clube e as cores da cidade, vermelho, azul e branco. Seus fundadores foram empresários locais ligados ao futebol, entre eles o atual presidente honorário, Mario Augusto Rodrigues Nunes, o Marinho e João Carlos Fonseca de Paula Santos, o Cacalo, que foi o primeiro presidente do clube.

A cidade se ressentia da falta de um time de futebol profissional, desde o fechamento da Associação Esportiva Guaratinguetá, clube que deu muitas alegrias a cidade. Era um clube de futebol bastante antigo. Fundado em 1915, foi extinto em 1998, quando disputava a Série B1-B, inviabilizado por dívidas de grande vulto. Participou da elite do futebol Paulista de 1961 a 1964, tendo como maiores proezas as vitórias pelo mesmo placar, 3 X 0, frente o Santos de Pelé e o Corinthians.

O principal título do “Lobo do Vale”, assim era chamado pelos torcedores, foi o Campeonato da Segunda Divisão Paulista, em 1960. Os grandes rivais do alvi-rubro foram Taubaté, São José, Aparecida e União Cruzeirense.

Com a extinção da Associação e o surgimento do Guaratinguetá, o futebol da cidade conheceu mágica e meteórica transformação. Os seus idealizadores pensaram alto. Depois de disputar dois campeonatos amadores na cidade (1998 e 1999), foi feita uma parceria com a C.S.R. Futebol e Marketing, grupo do empresário Carlos “Carlito” Arini, e dos jogadores César Sampaio e Rivaldo, tornando o “Garça”, assim chamado pelos torcedores, uma equipe profissional de futebol.

A parceria deu o respaldo financeiro, técnico e administrativo que precisava para se consolidar como um clube de maior projeção. Graças a isso, filiou-se a Federação Paulista de Futebol, no dia 26 de novembro de 1999. E em 2000, o time já disputou a Série B2 do Campeonato Paulista, fazendo bonito e chegando em terceiro lugar. Em 2001, repetiu a campanha e subiu para a Série B1.

Em 2002, com o término do contrato com a C.S.R. Futebol e Markentig (foi para o Figueirense), os empresários Odário Mardegan Durães e Elmiro Aparecido de Faria, passaram a injetar recursos no clube. Mais uma boa campanha e um lugar na Série A3, depois de vencer o Rio Claro Esporte Clube, na partida final.

Mas foi a partir de 2004, com a chegada do empresário Sony Alberto Douer, que uma nova e vitoriosa filosofia de trabalho foi implantada. De cara, o time subiu para a série A-2 do Campeonato Paulista. Em fins de 2005, os empresários Sony Alberto Douer e Carlos “Carlito” Arini (atual presidente), criaram a Sony Sports, que passou a gerenciar o clube, com apoio de outros empresários da cidade, Clementino Bolan Filho e Gustavo Gazzolla. A equipe não estava bem em campo, mas de fôlego renovado o rebaixamento não se consolidou.

A visão empresarial dos parceiros possibilitou a transformação do nome Guaratinguetá Esporte Clube, para Guaratinguetá Futebol Limitada. A adoção de um sistema administrativo aos moldes europeus, com presença forte da iniciativa privada, fez a grande diferença na gestão, agilizando decisões e o planejamento de metas.

O resultado não poderia ser outro: saneado e reestruturado, o clube-empresa, sob o comando técnico de Wilson Taddei, subiu para a Série A, a cobiçada elite do campeonato estadual mais disputado do país. A cidade de Guaratinguetá, terra do primeiro santo brasileiro, Frei Galvão e de um Presidente da República, Rodrigues Alves, depois de 45 anos voltou a principal vitrine do futebol paulista.

A partir daí tudo ficou mais fácil. A cidade toda empolgada e o prefeito Antonio Gilberto Filippo Fernandes Junior, também, formaram uma “corrente pra frente”. O Estádio Professor Dario Rodrigues Leite (inaugurado em 7 de setembro de 1965), também chamado de “Ninho da Garça”, passou por amplas reformas financiadas pela Prefeitura, tornando-se um dos melhores do interior do Estado. Com a capacidade ampliada para 16 mil espectadores, está apto a receber grandes jogos do futebol brasileiro.

Por ter uma história curta, o Guaratinguetá não tem muitos ídolos, mas já foi a casa de três grandes jogadores do futebol brasileiro: o volante Marcinho Guerreiro (Santos F.C.), o goleiro Edson Bastos (Coritiba) e o lateral-esquerdo Triguinho (Botafogo-RJ). É só o começo. (Texto e pesquisa: Nilo Dias)
Guaratinguetá Futebol Limitada, exemplo de organização (Foto: Acervo do clube)

terça-feira, 25 de março de 2008

Um “galo” centenário

O futebol brasileiro está em festa. Hoje, o Clube Atlético Mineiro, o “Galo Carijó” comemora 100 anos. E amanhã, 21h45min, no Mineirão, faz um jogo festivo contra o Penãrol de Montevidéu. O clube foi fundado em 25 de março de 1908 por um grupo de 22 estudantes “peladeiros”, que matavam aulas para chutarem uma bola de meia no Parque Municipal, em Belo Horizonte. Foi em meio a uma dessas “peladas” que surgiu a idéia de fundar um clube organizado. Assim nasceu o Atlético Mineiro Futebol Clube, primeiro nome do “Galo”. A mudança para Clube Atlético Mineiro aconteceu quatro anos depois.

Em 21 de março de 1909 aconteceu o primeiro jogo e a primeira vitória, 3 X 0 sobre o Sport Club Futebol, no gramado deste. Aníbal Machado, que mais tarde se consagraria como escritor, marcou o primeiro gol da história do Atlético. Dias depois, novo triunfo sobre o mesmo adversário, por 2 X 0 e um terceiro, por 4 X 0. Com a humilhação o Sport fechou e aderiu ao novo clube. A primeira derrota não tardou, uma goleada de 5 X 1 ante o Grambery, de Juiz de Fora. Na revanche, novo revés, 3 X 1. A vingança veio dias depois, um massacre por 7 X 0. Os torcedores, que já eram muitos, passaram a chamar o time de “Vingador”, o que explica a citação no hino oficial. O hino do Atlético foi escrito em 1969 por Vicente Mota.

O primeiro campo se localizava na Rua Guajajaras, entre São Paulo e Curitiba. Na primeira noite, as traves foram roubadas e Margival Mendes Leal, o primeiro presidente, tratou de procurar outro lugar para o campo. Conseguiu um bem central, na Avenida Paraopeba (hoje Augusto de Lima), mas este também foi logo requisitado pelo Governo para a construção da Secretaria da Saúde. Então o "Galo" passou a ocupar as velhas instalações do extinto Sport, junto à Praça da Estação até 1921, quando o Governo doou ao Atlético um quarteirão inteiro na Avenida Olegário Maciel para compensar o que havia tomado. Ali seria construído o estádio Antônio Carlos.

Em 1914, a Liga Mineira de Esportes promoveu um torneio, que é considerado o primeiro campeonato estadual. O campeão foi o Clube Atlético Mineiro, que ganhou o “Troféu Bueno Brandão”, o primeiro de sua história. No ano seguinte a competição se repetiu e foi considerada oficial e o Atlético repetiu a conquista. Depois, veio um longo jejum. O América colecionou títulos, 10 seguidos. Somente em 1926, o Atlético voltou a ser campeão, repartindo o título com o Cruzeiro. Repetiu o feito em 1927. E com gostinho especial: uma goleada de 9 X 2, sobre o Cruzeiro, ainda Palestra.

Em 1927 0 “Galo” precisava vencer o Vila Nova, em Nova Lima, para ser campeão. Um empate dava o título ao Palestra. Um jogo histórico. No primeiro tempo o Vila vencia por 4 X 1 e Mário de Castro era alvo de gozações. Parecia tudo perdido. Veio o segundo tempo, e com ele a impressionante reação: em 15 minutos Mário de Castro fez quatro gols, calando a torcida. No final, uma vitória heróica de 5 X 4 e a taça como prêmio.

Ninguém mais segurava o “Galo”, que clamava por um estádio próprio. Em 1928, por iniciativa do presidente Leandro Castilho de Moura, o sonho começou a virar realidade. Em 30 de maio de 1929 foi inaugurado o Estádio Presidente Antônio Carlos, para 5.000 pessoas. Ganhou o apelido de “Gigante", por estar dentro de uma cidade com pouco mais de 40 mil habitantes.

Foi uma tarde memorável. O próprio homenageado, Antônio Carlos, estava lá. O jogo inaugural teve o Sport Clube Corinthians, campeão paulista, como convidado. O Atlético Mineiro venceu por 4 X 2. Valeriano, jogador do Corinthians fez o primeiro gol no estádio. E Mário de Castro o destaque do time, o primeiro do Atlético. Ele marcou 195 gols com a camisa atleticana e foi convocado em 1929 para Seleção Brasileira. Por muito tempo o "Alçapão" foi conservado apenas em respeito à tradição, mas no início dos anos 70 ele foi destruído. Hoje no local está construído o Diamond Mall, shopping center mais luxuoso de Minas Gerais.

Nesse mesmo ano o Atlético fez o primeiro jogo internacional de um clube mineiro, derrotando por 3 X 1 o então campeão português, Victória, de Setúbal, no recém inaugurado Estádio Antônio Carlos. Em 1930, Jules Rimet, fundador e presidente da FIFA visitou o velho Estádio, também chamado de Lourdes e viu pela primeira vez um jogo de futebol à noite. De casa nova, o clube não teve dificuldade para chegar ao bicampeonato mineiro, em 1931 e 1932.

No início dos anos 30, o cartunista Mangabeira batizou cada time mineiro com um bicho. Para o Atlético coube o "Galo Carijó", preto e branco, um galo de briga forte e vingador. Foi sem dúvida o bicho de maior sucesso entre todos, adotado pela torcida como símbolo da paixão alvinegra.

Já consolidado como um grande clube, o Atlético Mineiro partiu para pulos mais altos. Em 1937, a Federação Brasileira de Futebol (FBF), depois CBD e CBF, organizou o torneio dos campeões estaduais, com a Portuguesa de Desportos (SP), Fluminense (RJ), Rio Branco (ES) e Atlético (MG). Em campanha impecável o clube mineiro sagrou-se o primeiro “Campeão dos Campeões do Brasil”. Repetiu o feito em 1958.

Em 1938, com Guará, um dos maiores jogadores a vestir a camisa preta e branca, Zezé Procópio e Alfredo Bernadinho, vindos do Vila Nova, o “Galo” passeou no campeonato mineiro, papando o título invicto. Ganhou de novo em 1941 e 1942 (11 jogos e 11 vitórias). Encerrou a década de 40, ainda com os títulos de 1946, 1947, 1949 e 1950.

Antigos torcedores consideram o time da segunda metade da década de 40 como o melhor de todos os tempos. A linha de frente tinha Lucas Miranda, Carlyle, Nívio e Lêro, e fez 250 gols. O time contava ainda com a firmeza de Kafunga, o jogador que mais vestiu a camisa atleticana (por 19 anos) e idolatrado como o melhor goleiro do clube em todos os tempos.

Os "Campeões do Gelo"

Em 1950 o Atlético ganhou o título de “Campeão do Gelo”, imortalizado no hino oficial, durante uma excursão a Europa, entre 2 de novembro a 7 de dezembro. Até o Campeonato Mineiro parou para a viagem acontecer. E nos gramados gelados da Alemanha a equipe conquistou o Torneio de Inverno, superando adversários da França, Bélgica, Alemanha e Áustria.

Se dentro de campo o time não tomou conhecimento da frieza do gelo, fora levou um calote do jornalista Eld Kalteneker, empresário que acertou a excursão de 8 jogos, quatro vitórias, 2 empates e duas derrotas. Ele passou a mão no dinheiro do torneio e de outras quatro partidas, e desapareceu. Sem dinheiro e adversários, e mais de um mês longe de casa, o chefe da delegação, Domingos D' Ângelo, teve de pedir auxílio ao clube no Brasil, para a viagem de volta. O presidente José Cabral fez das “tripas, coração”, para arranjar o dinheiro. As passagens foram compradas por etapas e os jogadores voltaram em pequenos grupos.

Nos anos 50, diziam que um jogador do Galo tinha parte com o diabo. Ubaldo Miranda era um ídolo humilde. Raçudo, boa gente, risonho, o crioulo era um assombro. Não havia bola perdida, o sujeito era danado para chutar uma bola em cima da linha de fundo e fazê-la chegar à rede. A torcida acreditava serem gols espíritas. Foram 140 gols em 7 anos. Ubaldo também foi o único jogador na história do Atlético a ser carregado, de calção e chuteira, do Estádio Independência até a Praça 7, no centro da cidade. Foram 5 km e meio percorridos nos ombros da massa !

Passado o susto ada excursão, o Atlético continuou o caminho de vitórias, conquistando o primeiro pentacampeonato (de 1952 a 1956) e sendo campeão em 1958. A década de 60 não foi boa, marcando a evolução do E.C. Cruzeiro, de Tostão e outras feras. Como consolo o bicampeonato mineiro, em 1962 e 1963, e uma histórica vitória de 2 X 1, em 3 de setembro de 1969, contra a Seleção Brasileira, de João Saldanha, que depois conquistaria o tricampeonato mundial no México. Até hoje o Atlético é o único clube de futebol a derrotar o scratch “canarinho”.

A vinda de Telê Santana, que treinou o time por seis anos (1970 a 1976), mudou tudo. Foi uma fase esplêndida, colecionando títulos. A equipe de 1970 tinha craques como Dario, Lôla, Vantuir e Grapete, e quebrou uma hegemonia de cinco anos do Cruzeiro. Ganhou a taça Belo Horizonte e sagrou-se o primeiro Campeão Brasileiro, o título mais importante da história do clube, superando São Paulo e Botafogo num triangular final.

Com Telê no comando foi bicampeão mineiro e tricampeão da Taça Belo Horizonte, bicampeão da Taça Minas Gerais (1975 e 1976) e campeão mineiro de 1976, quando surgiu Reinaldo, o mais importante jogador da vida do clube. Com ele, o Atlético, conquistou o inédito hexa-campeonato mineiro (de 1978 a 1983), e foi finalista do Campeonato Brasileiro por duas vezes. Em 1977 contra o São Paulo, e em 1980 contra o Flamengo, perdendo ambas. Nessa fase de ouro, além de Reinaldo, brilharam Cerezo, Éder, Luizinho, Paulo Isidoro, João Leite, Nelinho e Palhinha. Na década de 80 ganhou sete dos 10 títulos disputados no Estado.

Mas o grande time estava acabando. Reinaldo, contundido, encerrou a carreira aos 27 anos. Toninho Cerezo foi para a equipe do Roma. Éder Aleixo, para a Internacional de Limeira e Nelinho, pendurou as chuteiras. Com uma equipe renovada o Atlético conquistou os torneios de Amsterdã, na Holanda, e de Cadiz, na Espanha.

Em 1982, a revista Placar pediu que trinta torcedores, jogadores, cartolas e jornalistas escolhessem o Atlético Mineiro de todos os tempos. O time escolhido foi este: Kafunga, Mexicano, Murilo, Luizinho, Zé do Monte e Haroldo ; Lucas, Carlyle, Reinaldo, Toninho Cerezo e Éder Aleixo.

O Atlético teve dois escudos em sua história. O primeiro, utilizado nas primeiras décadas do clube, era oval e tinha as inicias CAM (Clube Atlético Mineiro). A partir da década de 30, o distintivo sofreu alterações até chegar ao formato atual. A estrela amarela, em cima do símbolo, representa o título do 1º Campeonato Brasileiro, conquistado pelo "Galo" em 1971.

Nos anos 90, apenas três títulos mineiros, 1991, 1995 e 1999. Fora de Minas, a Copa Conmebol (1992 e 1997), a Copa Millenium, em Miami, e a Copa dos Três Continentes, no Vietnã. Em 1999 chegou de novo a uma final do Campeonato Brasileiro, depois de 19 anos, perdendo para o Corinthians. Em 2000, como vice-campeão brasileiro jogou a Copa Libertadores e foi eliminado pelo mesmo Corinthians.

O Atlético foi absoluto no século 20, em Minas Gerais. Mas o novo milênio começou mal. Grito de campeão, só em 2007, com a conquista estadual. O pior foi no cenário nacional, a queda inédita para a Série B do Campeonato Brasileiro, uma desgraça anunciada. Em 2004, escapou na última rodada, com uma vitória sobre o São Caetano, no Mineirão, por 3 x 0. Em 2005, não teve jeito.

Foi só um ano no “inferno”. Com a força da torcida o “Galo” foi campeão da Série B, com a maior média de público no ano, entre todos os times do Brasil, voltando à elite do futebol brasileiro. No retorno, em 2007, garantiu uma vaga na Copa Sul-Americana de 2008. (Texto e pesquisa: Nilo Dias)
Chegada a Belo Horizonte dos "Campeões do Gelo", em dezembro de 1950 (Foto: www.netgalo.com.br)

segunda-feira, 24 de março de 2008

Árbitro, profissão perigo

Quem procura, acha. O velho ditado serve como uma luva para quem se atreve a ser árbitro de futebol. Hoje, até que a profissão rende um bom dinheiro, mas só em grandes centros e ainda assim em jogos importantes. Em algumas cidades do interior é diferente, principalmente em jogos envolvendo equipes amadoras, onde o contato com o público é direto. O dinheiro é pouco e a incomodação é muita. Neste artigo conto alguns fatos reais que os árbitros já enfrentaram nessa perigosa profissão.

Começo com uma historia do radialista catarinense João Küerten. Comentarista de um jogo entre Hercílio Luz e Tubarão, seu time do coração, não se conteve quando o árbitro marcou um pênalti que achou inexistente. Saiu da pista de onde transmitia, entrou em campo e foi até a marca do pênalti e deu um tiro na bola, não permitindo a cobrança.

Não são poucos os casos de agressões aos árbitros, seja por jogadores, seja por torcedores. No ano passado o árbitro Alexandre Barreto, foi agredido pelo jogador Rogerinho, do São Luiz de Ijuí, em jogo contra o Brasil de Pelotas, no Estádio Bento Freitas. O jogador não se conformou com a validação do segundo gol do Brasil. Ao ser expulso derrubou Barreto com um soco no rosto. Ainda tentou continuar com a agressão, mas foi contido pelos próprios colegas.

Em junho de 2003, no povoado Capitan Juan Antonio, em Artigas, no Uruguai, o juiz de um jogo entre duas equipes amadoras matou com uma facada um torcedor que tentou agredi-lo. O incidente aconteceu quando o árbitro mostrou cartão amarelo a dois jogadores que brigavam a socos. O campo foi invadido por torcedores e um deles, 26 anos e com antecedentes criminais, agrediu o árbitro que reagiu, sacando uma faca e matando o agressor com um golpe no peito, sendo preso em seguida.

O ex-árbitro de futebol, Estemir Vilhena da Silva, no livro “Memórias de um ex-arbítro de futebol”, conta que num jogo entre Rio-Grandense X Rio Grande, na cidade gaúcha de Rio Grande, passou por momentos difíceis. Torcedores do Rio Grande queriam “matá-lo”, porque expulsara o jogador Alfeu, aquele mesmo do Internacional (RS). Ao fim do jogo, na saída do vestiário para a rua, tinham de passar por um corredor formado por brigadianos. Era quase suicídio. Tudo se resolveu quando o auxiliar Orlando Simões, sargento do Exército engatilhou seu revólver e gritou para os torcedores: “O primeiro que tentar nos agredir vai morrer”.

Esta eu presenciei. Em 1982, na Praia do Cassino, em Rio Grande jogavam duas equipes amadoras pelo “Culturão”, competição promovida por uma emissora da cidade. O jogo estava quase no fim quando torcedores invadiram o campo para agredir o juiz. Este, prontamente sacou de uma navalha e se defendeu valentemente durante longos 20 minutos, até que a Brigada Militar chegou. “Paulinho Navalha”,como era conhecido, saiu ileso.

O ex-árbitro goiano Urias Crescente Alves Júnior, conta que num jogo entre Goiânia e Botafoguinho, em 1952, expulsou quatro jogadores. O jogo era irradiado e acompanhado em casa por sua mãe, uma italiana legítima. Durante a narração, o locutor disse que o juiz fora jurado de morte por alguns jogadores. Ao final do jogo, Urias viu sua mãe no estádio, com um revólver 38 cano longo debaixo do avental, aos gritos: “Quem vai bater no meu filho?”. Assustado, ele a levou para o vestiário. O episódio está descrito numa crônica do ex-presidente da Federação Goiana, Valdir Castro Quinta, publicada na “Folha de Goiás”, com o título: “A mãe vem em socorro do filho”.

Num jogo entre o Ceará e um time de Pernambuco, a torcida alvinegra, cansada de ver os árbitros errarem contra seu time, levou uma enorme faixa para o estádio, onde se lia: "Se roubar morre". Era uma brincadeira, mas foi levada a sério, tanto que a arbitragem foi correta. E, por via das dúvidas, o Ceará ganhou.

O normal é o jogador ser expulso de campo. Mas já aconteceu do juiz ser expulso. Foi no Estádio El Campín, na Colômbia, num jogo em que o Santos vencia o Millionarios, de Bogotá por 2 a 1. Depois de uma confusão o árbitro expulsou Pelé, que estava no meio apenas para apartar. Revoltada, a torcida ameaçou invadir o gramado e bater no juiz. Precavida, a polícia colombiana sugeriu uma alteração: “sai o juiz e entra um bandeirinha”. Isso foi feito. Pelé voltou, e agradeceu fazendo mais três gols.

E às vezes acontecem situações inexplicáveis. Em 2002 um jogador da Liga Amadora de Futebol da Holanda foi suspenso por beijar um árbitro na boca. A Associação de Futebol puniu o jogador com oito jogos de suspensão por comportamento impróprio.

Mas nem tudo são espinhos na profissão. Tem as rosas, também. É o lado folclórico da arbitragem. Caso do representante comercial e árbitro Clésio Moreira, o “Margarida” catarinense, que proporciona verdadeiros shows nos jogos que apita, para delírio dos torcedores. Ele se inspirou no polêmico “Margarida”, o árbitro carioca Jorge Emiliano (falecido), que dava o que falar, dentro e fora dos campos.

Clésio usa uniforme e chuteiras cor-de-rosa. No decorrer do jogo utiliza vários trejeitos, dois deles já famosos: o “passo da gazela” e a forma de mostrar cartões: faz uma ginga de corpo, joga as costas para trás e com força arranca o cartão do bolso e o levanta quase no rosto do jogador. Por causa de seu jeito “diferente” de apitar, foi afastado da Federação Catarinense. Mas continua dando shows particulares em jogos amistosos.

E os árbitros que se preparem. Vem “bomba” por aí. E não será no eixo Rio-São Paulo, mas no Rio Grande do Sul. Um grupo de torcedores do Grêmio está organizando uma facção denominada "Torcida 88", uma forma de dissimular a saudação nazista "Heil Hitler".

Num recente final de semana em Criciúma (SC), bandidos e vândalos disfarçados de torcedores jogaram bombas de fabricação caseira dentro do estádio. Uma delas atingiu um torcedor de 62 anos, deficiente físico, que teve uma das mãos dilacerada.

Mas a Justiça já começou a punir os agressores. Ano passado o árbitro Juscelito Antônio Viccari, agredido durante uma partida de futebol no Rio Grande do Sul ganhou duas indenizações pagas pela prefeitura de Ciríaco: R$ 716 por danos materiais e R$ 4 mil por danos morais.

Três jogadores de futebol amador, de Iporã do Oeste (SC) foram condenados a pagar R$ 10,5 mil de indenização por danos morais e R$ 120,00 por danos materiais ao árbitro Valdir Rohr. Ele foi agredido durante um jogo comemorativo ao Dia do Trabalho, em 1999, quando levou socos e pontapé, que ocasionaram um ferimento aberto na região mandibular direita, ranhuras no ombro direito com edema e traumatismo na coluna dorsal lombar.

O diretor de futebol Paulo Lasmar e o técnico Carlos Alberto Silva, do
América de Minas Gerais, também foram condenados a pagar R$ 15 mil de indenização por danos morais ao árbitro Cléver Assunção Gonçalves e a seu auxiliar Márcio Eustáquio Souza Santiago. Os juízes de futebol se sentiram ofendidos por declarações do cartola e do técnico após uma partida do Campeonato Mineiro de futebol, em 2004. (Texto e pesquisa: Nilo Dias)
Clésio Moreira, o"Margarida" de Santa Catarina (Foto: site de Clésio Moreira)

Horácio disse...
Oi Nilo tudo bem? Aqui em Rio Grande, na Ilha da Torotama, que fica cerca de uma hora e meia distante da cidade,num clássico Novo Avante e Fiateci, o árbitro marcou um pênalti contra o Fiateci e a torcida invadiu o campo.
O Onedir Lilja, presidente do Novo Avante colocou o árbitro no seu caminhão e rumou para a cidade. No meio do caminho, o susto: "Tens que voltar Onedir. Esqueci o meu guri na beira do campo". Diz o Onedir que deixou o homem no meio do caminho e voltou para buscar a criança.Horácio Gomes
25 de março de 2008 17:41

domingo, 23 de março de 2008

O surgimento do árbitro de futebol

Só o juiz de futebol consegue ter duas mães: uma que fica em casa e aquela que o acompanha aos campos de futebol para ser xingada pela torcida. Brincadeiras a parte, juiz de futebol é uma das profissões mais difíceis do mundo. Ninguém entende o que leva alguém a querer apitar um esporte, onde a paixão muitas vezes fica acima da razão.

Eu tive uma única experiência como juiz num jogo de futebol. Faz muitos anos, foi em Capão do Leão, na época distrito de Pelotas (RS). Como trabalhava em rádio e jornal me colocaram a apito na boca e não tive como dizer não. Não agüentei mais que o primeiro tempo. Os dois times reclamavam de tudo. Saí do jogo com a sensação de ter desagradado os dois lados.

A história da arbitragem é no mínimo curiosa. Nos primeiros tempos, na Inglaterra eram os próprios jogadores que apontavam as faltas. Acreditavam no cavalheirismo de quem jogava. É claro que sempre havia quem destoasse. Já pensaram se isso fosse adotado hoje, no Brasil? Já houve um exemplo de dignidade num jogo entre as seleções do Brasil e Argentina, em Buenos Aires. É claro que o gesto de cavalheirismo não foi obra de nenhum brasileiro. O jogo estava 1 X 1 e os argentinos passaram a frente. Surpresa geral: mesmo com o gol confirmado pelo juiz, o jogador argentino pediu que fosse anulado, confessando que havia feito falta antes.

A meu ver a figura do “bandeirinha” surgiu antes do juiz, em 1874. Cada time escolhia entre os torcedores uma pessoa para ajudar a controlar o jogo. Os capitães das duas equipes os consultavam no caso de eventuais dúvidas. Eram chamados de “umpires” (fiscais, em inglês).

Em 1878 a Liga Inglesa criou a figura do "referee", que tinha poderes de apontar as faltas. O aceno de um lenço vermelho servia para chamar a atenção dos capitães. O apito só surgiu em 1881. Os primeiros foram fabricados pelo marceneiro inglês Joseph Hudson, que também atendia o Serviço de Polícia Metropolitana da Inglaterra. Mas foi somente a partir de 1894, que as decisões do "referee" passaram a ser irrecorríveis.

A primeira partida “apitada” que se tem notícia, foi entre as equipes inglesas do Nottingham Forest e do Sheffield Norfolk, em 1881. Mas não existem registros oficiais sobre a realização desse jogo. Parece estranho, mas é verdade, o apito não está previsto nas regras do futebol. Os árbitros o usam para indicar o início do jogo, paralisá-lo devido a uma infração, indicar o término do primeiro e do segundo tempo e para comunicação verbal com os jogadores.

Na Inglaterra, até 1902 os juízes usavam elegantes ternos, com colarinho e gravata, sapatos lustrados e chapéu de coco, que deram lugar a uma camisa de mangas compridas e short até o joelho. Depois foi a era do calção e camisa preta. Agora, temos a moda das camisas e calções de outras cores.

No futebol brasileiro o árbitro chegou bem mais tarde que na Europa. Era escolhido pelos clubes e depois indicava os bandeirinhas, quase sempre um associado de cada time. Nos primórdios do futebol brasileiro, até o final dos anos 30, eles vestiam calça comprida, camisas de malhas de lã, tipo suéter com mangas compridas e tênis branco. Outras vezes até paletó, gravata borboleta e chapéu de palhinha.

Os juízes não recebiam dinheiro para apitar. A paixão pelos clubes praticamente não existia, por isso a confiança era total nos escolhidos. Coisa comum e que não causava nenhum tipo de desconfiança, era os árbitros posarem nas fotografias junto das equipes. Se alguém fizesse isso hoje, certamente seria banido dos campos de futebol.

Durante longo tempo, o "referee" era chamado de juiz no Brasil. A partir de 1964, quando ocorreu a revolução que implantou o regime militar, as autoridades recomendaram à imprensa que, para diferenciar o juiz de futebol do magistrado, se usasse outra designação surgindo, assim, a de Árbitro. A figura do árbitro está prevista na regra 5 das leis do jogo. É um principal e dois assistentes. Hoje, também existe um quarto árbitro (ou árbitro reserva). Os árbitros assistentes (bandeirinhas) estão previstos na regra 6.

A grande revolução na arbitragem mundial foi a permissão para mulheres apitarem futebol jogado entre homens. Antes, elas só podiam atuar no futebol feminino. As “árbitras” brasileiras de mais sucesso são Sílvia Regina de Oliveira, Aline Lambert e Ana Paula de Oliveira. Elas foram as primeiras a dirigirem um jogo do Campeonato Brasileiro. Foi em 30 de junho de 2003, na vitória do São Paulo sobre o Guarani (Campinas) por 1 a 0. De lá para cá as árbitras triplicaram e se espalharam por todo o país. Ana Paula de Oliveira é a mais famosa de todas, tanto pelos erros cometidos num jogo do Botafogo (RJ), pela Copa do Brasil, quanto por ter posado nua para a revista “Playboy”.

As fotos na revista custaram à Ana Paula de Oliveira um afastamento de sete meses dos campos de futebol. A FPF alegou que a punição foi porque não passou nos testes físicos. Ela voltou num jogo em São José dos Campos (SP) e foi a estrela do espetáculo. Os torcedores levaram câmeras fotográficas e posaram ao lado dela. Ganhou o apoio unânime da torcida e teve uma atuação impecável. Na Série A1 do “Paulistão”, ela volta a trabalhar hoje, 23/03/2008, no jogo Rio Preto X Portuguesa de Desportos, no Estádio Anísio Hadaad, em São José do Rio Preto.

Acho que a grande maioria dos árbitros de futebol é honesta. Erram muito, é verdade. Porém errar é humano e não é fácil acertar sempre. As decisões são tomadas em frações de segundos. Mas os desonestos existem. A versão brasileira mais recente foi Edílson Pereira de Carvalho, que em 2005 foi figura central de um escândalo que protagonizou a anulação de vários jogos do Campeonato Brasileiro.

Mas não afetou a arbitragem nacional, nivelada as melhores do planeta. Duas finais de Copa do Mundo tiveram apitos brasileiros: em 1982, na Espanha, Itália X Alemanha, com Arnaldo César Coelho. E em 1986, no México, Romualdo Arppi Filho, no jogo Argentina e Alemanha.

No próximo artigo vou contar histórias envolvendo árbitros de futebol. Algumas folclóricas, outras nem tanto e que até sugerem o título: “Árbitro, profissão perigo”. (Texto e pesquisa: Nilo Dias)

Silvia Regina de Oliveira, foi uma das três melhores árbitras do país (Foto: Jornal do Rádio)

sábado, 22 de março de 2008

Futebol tipo exportação e as Ilhas Faroe

Estou curioso em saber quantos jogadores brasileiros foram para o exterior o ano passado. Acho que o Banco Central ainda não divulgou esses números. Pelo menos não li e nem ouvi nada a respeito. Por enquanto o que se sabe é ainda parcial: no primeiro semestre de 2007 quase 600 jogadores brasileiros foram para fora do país, mas os valores que deram entrada aqui, não chegaram a US$ 50 milhões. Em 2006, 343 atletas (95% de futebol) saíram do país, rendendo US$ 131 milhões. E em 2005, o montante foi US$ 159,2 milhões.

Duas coisas chamam a atenção: primeira, os números do Banco Central, não batem com os da CBF. Por exemplo, em 2006, a entidade registrou 851 transferências, contra 343 do Banco. E em 2005, haviam sido 804. Segunda, o futebol “made in Brazil” tem rendido mais dólares ao país, que algumas exportações tradicionais, como banana, melão, mamão, uva e instrumentos e aparelhos médicos.

O Banco Central começou a contabilizar os valores das transferências de atletas em 1993. Desde então, a exportação de jogadores já rendeu ao país mais de US$ 1 bilhão.

Os jogadores saem de todos os lugares do Brasil e se espalham pelo mundo inteiro. O ano passado, de acordo com o Banco Central, o Brasil exportou atletas para clubes de 86 países, entre eles alguns de pouca ou nenhuma tradição no futebol: Líbia, Uzbequistão, Ilhas Faroe, Chipre, Vietnã, Tailândia. E times como Siroki Brijeg, na Bósnia-Herzegóvina, ou Wofoo Tai Po, de Hong Kong, região chinesa que contratou 15 jogadores tupiniquins.

Mas nem todos os que vão para o exterior conseguem sucesso, e voltam ao país. Em 2006, 311 jogadores fizeram a viagem de volta. Em 2005 foram 491. A lista dos “retornáveis” do ano passado ainda não foi divulgada oficialmente.

Mesmo com tantos negócios, raros foram os clubes brasileiros que ganharam um bom dinheiro nessas exportações. Talvez as exceções tenham sido o São Paulo e o Internacional (RS). Mesmo assim, em 2003, o Milan (Itália) contratou do São Paulo o meia atacante Kaká, por US$ 8,25 milhões, valor considerado baixo pelos próprios dirigentes italianos. Tanto é verdade que o presidente do Milan e ex-primeiro-ministro da Itália, Sílvio Berlusconi, disse: “Foi a maior contratação da história do Milan. E a preço de banana”.

A curiosidade fez com que procurasse me informar sobre os “clientes” do futebol brasileiro. E me chamou a atenção as tais Ilhas Faroe (ou Føroyar, como é chamado no idioma local, o faroense). É um lugar que foi habitado pelos históricos vikings. Agora sei que é um território pertencente à Dinamarca, mas que goza de autonomia. Sua população é de apenas 50 mil habitantes. Mas, ainda assim tem filiação na FIFA desde 2 de julho de 1988 e na UEFA desde 18 de abril de 1990. E disputa as eliminatórias da Copa do Mundo e da Copa da Europa. Anterior a 1930 já existia uma equipe nacional, porém não reconhecida.

Ouvi falar desse lugar, quando a imprensa noticiou que o governo local proibiu a exibição do filme “Código da Vinci”, por considerá-lo blasfemo. Talvez porque a maioria da população pertence à Igreja Luterana.

O futebol é jogado nas Ilhas desde o século XIX. A primeira liga nacional no arquipélago foi disputada em 1942. De 1942 a 1978 todo o futebol era gerido pela Associação Esportiva das Ilhas Faroe (ISF), que em 13 de janeiro de 1979 deu lugar a atual Associação de Futebol das Ilhas Faroe.

As 18 ilhas que formam o território estão localizadas no Norte da Europa, na chamada região escandinava, ocupando uma área de 1.499 Km2. Todas as ilhas são habitadas, exceto Lítla Dímun. É vizinha da Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega, Suécia e dos territórios de Svalbard, administrado pela Noruega, Åland, administrado pela Finlândia e Groenlândia administrado pela Dinamarca.

Os times de futebol de lá tem nomes esquisitos para a nossa cultura: B68, B71, B36. A capital é Torshavn (nome em honra ao deus viking Thor), uma simpática cidade com casas coloridas, mas sem muitas opções de lazer. O futebol é um dos passatempos preferidos. A Seleção Nacional não é nenhuma preciosidade, mas vem evoluindo. Na primeira participação em eliminatórias, para a Copa do Mundo de 1994 lembrou o tradicional e folclórico time pernambucano do Ibis: jogou 10 partidas, perdeu todas e teve um saldo negativo de 37 gols.

Em 1998, uma pequena reação: duas vitórias sobre Malta. Em 2002, dois triunfos sobre Luxemburgo e um empate contra a Eslovênia. Nas eliminatórias para 2006, não manteve a ascensão, conseguindo apenas um empate com Chipre. Na atual eliminatória para a Copa de 2010, os faroenses estão no Grupo 7, com França, Romênia, Sérvia, Lituânia e Áustria.

O maior feito do time foi uma vitória surpreendente de 1 X 0 sobre a Seleção da Áustria, em 1992. O jogo valia pelas eliminatórias da Copa da UEFA e foi o primeiro confronto internacional da história das ilhas. A Seleção disputa seus jogos no pequeno Estádio Svangaskard, com capacidade para 8.020 torcedores, inaugurado em 1980.

O campeonato nacional, que começou a ser disputado em 1942, tem, atualmente, duas divisões e 20 equipes, 10 em cada série. Os jogadores são estudantes e profissionais com atividades paralelas, já que os salários pagos pelos clubes são baixos. O maior artilheiro da história dos faroenses foi Todi Jonsson. O Johannensen foi o que mais jogou pela seleção nacional.

No livro “Futebol: o Brasil em campo”, o jornalista inglês Alex Bellos contou a história de um jogador brasileiro em Faroe, Marcelo Marcolino, que jogou no Tofta Itróttarfelagh (B68), equipe da não menos pequena cidade de Toftir, de apenas 1.000 habitantes, 10 vezes menos que na capital, Torshavn.

Como toda Faroe, o lugar é uma verdadeira geladeira. No verão a temperatura não passa de 10 graus e no inverno dispara abaixo de zero. É neve para tudo que é lado. A temperatura média anual é de 6,7ºC. O lugar é castigado pelo vento gelado e não existem bares, cinemas ou restaurantes. Possui um mercado de pesca, uma fábrica de pescado, uma igreja e um clube de futebol, que já teve três brasileiros em seu elenco, um deles Alexandro Castilho Cárdena, vindo do 7 de Setembro, de Dourados (MS). Como 90 % da população vive da pesca, e o time treina apenas 2 horas por dia, Marcolino trabalhou descarregando bacalhau e arenque no mercado de pesca, dirigido pelo presidente do clube.

Para agüentar um lugar como aquele, Marcelo Marcolino, carioca acostumado com o calor do Rio de Janeiro, praia, cerveja e belas mulheres, sofreu bastante. Seu desejo era ser jogador de futebol e no Flamengo. Mas não conseguiu. Por isso aceitou o desafio de jogar num lugar tão distante. Contou que uma vez seu time viajou num barco de pesca, navegando sobre enormes cubos de gelo. Experiência para não esquecer nunca mais.

Quando tirou o passaporte no consulado dinamarquês no Rio de janeiro, alguém o aconselhou: “Leve roupa grossa”. Levou apenas um casaco. Não imaginava o que viria pela frente. Em Copenhagen quase congelou e pensou: "Meu Deus, quero voltar para casa." Dirigentes do B68 foram esperá-lo no aeroporto da Ilha Vágar, ao oeste do arquipélago. De lá seguiram para a minúscula Toftir. Uma verdadeira aventura: travessia de balsa e mais uma hora de carro ao longo de contornos acidentados. E pela primeira vez na vida viu neve.

Uma coisa que descobri e não sei por que foi acontecer: O Clube Atlético Mineiro disputou uma partida contra a Seleção das ilhas Faroe. Foi em 29 de julho de 1986, um amistoso na Dinamarca, com vitória de 4 X 1. Deve ter sido o primeiro e único clube brasileiro a realizar tal proeza. (Texto e pesquisa: Nilo Dias)
Um jogo do B68, na gelada Ilhas Faroe, tendo ao fundo a pequena cidade de Tofti. (Foto: site do Tofta Itróttarfelagh)

joão disse...
Nilo, muito bom estes dados do "retorno" dos jogadores brasileiros, vou utiliza-los citando com prazer a fonte, nos meus comentários na Guaiba.Te saúdo pela iniciativa, porque este bringuedinho saudável de blog para velhos jornalistas, é ótimo.Segue em frente que sempre alguém vai utilizar-se das tuas pesquisas.Segura a angústia, porque a gente quer falar de tudo o que sabe e pesquisa.Se quiseres, tens o meu blog genérico www.bloguedogarcia.blogspot.com
Um abraço e feliz pelo reencontro.
João Garcia -Porto Alegre
23 de março de 2008 23:13

quinta-feira, 20 de março de 2008

Pioneirismo de Charles Miller mais uma vez posto em dúvida

Não param de ser levantadas hipóteses que contrariam o pioneirismo de Charles Miller, na implantação do futebol no Brasil. Já tivemos o Colégio São Luiz, de Itu, o Votorantim Athletic Club, da cidade mineira de Votorantim e com certeza existem muitas outras versões. A última que me chegou às mãos foi publicada recentemente no caderno de esportes do jornal “O Liberal” (20-01-2008), de Belém do Pará. Segundo a reportagem o futebol teria chegado ao Pará, cinco anos antes do histórico jogo de 1895, na Várzea do Carmo, em São Paulo.

O jornal baseou a matéria em pesquisas realizadas pelo jornalista paraense Loris Baena, que escreveu o livro “A verdadeira história do futebol brasileiro”, onde conta que no final do século XIX existia uma linha regular de navios entre Belém e Liverpool, na Inglaterra, com algumas vantagens em relação as similares de Rio de janeiro e São Paulo, como preço menor e mais rapidez. O que explica a forte presença de ingleses na Belém do fim do século XIX.

E lá não era diferente de outras cidades brasileiras, onde dominava o capital europeu. Proliferavam empresas como as inglesas “Parah Gaz Company” e “Western Telegraph”. E os britânicos, “pais” do futebol teriam promovido, no distante ano de 1890, os primeiros bate-bolas no Brasil, onde hoje se localiza a Praça Batista Campos e no Largo de São Brás, atual Praça Floriano Peixoto e nos terrenos baldios, que existiam para todos os lados. Não havia ainda a especulação imobiliária que acabou com os campinhos de futebol, até mesmo nas periferias das pequenas cidades.

Na própria reportagem, “O Imparcial” destaca a falta de provas reais - existem apenas indícios -, que sacramentem as afirmativas de Loris Baena, calcadas em pesquisas de um outro jornalista, Julio Linch, já falecido. O jornal reconhece que por enquanto o provável é que tudo tenha origem na paixão que o povo do Pará tem pelo futebol. Baena discorda, mas ameniza: “se não foi aqui que se jogou futebol pela primeira vez no Brasil, deve ter sido, no máximo, o segundo ou terceiro lugar”.

Na entrevista dada ao “O Imparcial”, Loris Baena admite que sem provas consistentes, a teoria enfraquece muito. Mas não abre mão de afirmar que o futebol chegou ao mesmo tempo no Pará e Rio de Janeiro. “Por questão de meses, um praticou antes do outro. Mas pode-se dizer que os dois começaram no mesmo momento”, garante. Pelo menos isso. Antes de aprofundar pesquisas que apontem para bem antes, o jornalista prefere manter a cautela. Mas promete que vai vasculhar o passado em busca de documentos que apontem Belém, como a cidade onde começou o futebol em nosso país. Vamos aguardar.

Por enquanto o jornalista conseguiu apenas uma edição do jornal “Folha do Norte”, de Belém, datada de 24 de dezembro de 1903, que estava em poder de Júlio Linch, neto de um antigo funcionário da “Amazon Steam Navigation” e descendente de ingleses. O achado pode favorecer a teoria. Um leitor identificado apenas pelas iniciais M. F. contestou em carta, a coluna 'Notas Sportivas', que dizia ser o futebol uma novidade no Pará. Segundo M.F., “em 1896 já se disputava com freqüência, partidas de futebol na Praça Batista Campos, entre os sócios da Associação Dramática Recreativa Beneficente”.

Familiares de Lynch contam que antes dele falecer, procurava encontrar um homem que morava em Belém, que teria em seu poder fotos e documentos das primeiras partidas de futebol realizadas no Pará. Porém, ninguém da família tem conhecimento do nome desse importante personagem. E Lynch, em seu espólio não deixou nenhuma referência.

Por causa dessa descoberta, outros pesquisadores paraenses juntam-se a Baena e reforçam a tese de que a prática regular do futebol em 1896, entre paraenses, só teria sido possível depois de um aprendizado, provavelmente em anos anteriores, através de funcionários das empresas inglesas em Belém. Argumento respeitável, defendido por Júlio Lynch em um de seus últimos artigos, publicado em jornal de Belém.

Além de Júlio Lynch e Loris Baena, também o pesquisador paraense F.F. Alves da Cunha defende o pioneirismo do Estado na introdução do futebol no Brasil. No livro “A Enciclopédia do futebol paraense”, o jornalista Ferreira da Costa, uma autoridade em termos de história do futebol no Pará, cita os relatos de F. F. Alves da Cunha, que apontam um jogo realizado em 1892, por associados do Clube de Esgryma no largo de Nazaré, em frente à sede da associação, onde, posteriormente foi instalado o teatro Chalet e, depois, o cinema Moderno.

Mas o que se sabe de real, é que o primeiro jogo oficial acontecido no Pará, foi em 1906, válido pelo primeiro campeonato do Estado, e que não terminou. O escore era de 7 X 0 para o Parah Foot-Ball Club, frente o Belém Club (time dos ingleses), quando houve um desentendimento geral dentro de campo, que não permitiu a continuidade do “match”. O campeonato foi organizado pela Parah Foot-Ball Association, ancestral da Federação Paraense de Futebol.

Eu não sei se isso seria possível. Mas com tantas controvérsias e fatos, que não podem simplesmente ser tratados como “inconseqüentes”, a própria Confederação Brasileira de Futebol (CBF), patroa do futebol no nosso país, deveria ser a primeira a aprofundar tais questões. Nada contra Charles Miller, inegavelmente um nome que não pode ser esquecido em circunstância alguma. Ele foi o introdutor do futebol jogado de maneira organizada. O que não quer dizer que antes dele, ninguém pudesse ter dado alguns chutes, em divertidas brincadeiras. (Texto e pesquisa: Nilo Dias)
Loris Baena, ao lado do locutor esportivo e conselheiro da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), José Rezende (Foto: ABI)

quarta-feira, 19 de março de 2008

Campeonato paraense começou antes do mineiro e gaúcho

Os campeonatos estaduais mais antigos do Brasil são os de São Paulo (1902), Bahia (1905) e Rio de Janeiro (1906), pela ordem. Depois vem o do Pará, que é disputado desde 1908. Os de Minas Gerais e Rio Grande do Sul, duas das maiores forças do futebol brasileiro, vieram bem depois: o Mineiro em 1915 e o Gaúcho em 1919.

Uma curiosidade que é única do campeonato paraense, que está completando 100 anos: em 94 edições (1910, 1911, 1912, 1935 e 1946, não foi disputado), apenas quatro clubes foram campeões: o Payssandu, 42 vezes; Clube do Remo, 41; Tuna Luzo Brasileira, 10 e o extinto União Esportivo, duas vezes. Foi o primeiro campeão do Pará, em 1908.

Em julho a Federação paraense de Futebol (FPF) vai promover a “Copa dos Campeões do Centenário”, com os quatro campeões estaduais. O União Esportivo, já extinto, vai ressurgir, bancado pela FPF, apenas para a competição. Outra proposta interessante da FPF é a criação do Museu do Futebol Paraense, prevista para a segunda metade do ano, que vai resgatar parte da história secular do futebol do Pará.

A FPF precisava mesmo fazer alguma coisa, já que o futebol paraense vive momento muito ruim, sem nenhum representante nas Séries A e B, do Campeonato Brasileiro. O tradicional Paysandú está fora até da Série C, que tem o Clube do Remo, rebaixado da Série B de 2007, como único representante do Pará em uma competição nacional este ano.

O Paysandú é hoje o retrato vivo da decadência do futebol paraense. O clube, que foi o primeiro do Norte do país a disputar uma Libertadores da América, agora está longe dos holofotes, vivendo uma crise técnica sem precedentes e que parece não ter fim.

O Paysandu foi fundado em 2 de fevereiro de 1914, como resultado de um desentendimento entre o extinto Nort Club e a Liga Paraense de Foot-Ball. A briga aconteceu pela não anulação do jogo Nort Club 1 x 1 Guarany, realizado em 15 de novembro de 1913. O resultado deu o título ao Grupo do Remo (atual Clube do remo). O nome foi inspirado no episódio histórico "A Tomada de Paysandu", no Uruguai.

Primeiro, foi Paysandú Foot-Ball, e 17 dias depois mudou para Paysandú S.C. Hoje, além da denominação oficial é também conhecido como “Papão da Curuzu”, junção do seu mascote (bicho-papão) com o (Curuzu).O primeiro presidente foi Deodoro de Mendonça. O primeiro jogo contra o Clube do Remo, foi realizado em 10 de junho de 1914, válido pelo campeonato paraense e com vitória remista por 1 X 0.

Nessa trajetória de 94 anos, o Paysandú conquistou expressivos títulos: campeão paraense por 42 vezes; campeão brasileiro da Segunda Divisão em 2001; campeão da Copa dos Campeões em 2002, que deu o direito de disputar a Libertadores de 2003. O time ganhou projeção ao derrotar o Cerro Porteño do Paraguay, por 6 X 2 em Assunção e ao Boca Juniors, por 1 X 0, gol de Iarley, em plena La Bombonera”.

Em 2005 começou o inferno. Foi rebaixado para a Série B do Campeonato Brasileiro. Em 2006, rebaixado à Série C. Em 2007, eliminado na primeira fase da competição. E este ano de 2008, o pior: está fora até da Série C.

A exemplo de outros clubes do futebol brasileiro, o Clube do Remo foi fundado em 28 de setembro de 1906, para a prática do remo, o esporte mais popular no Pará, ao início do século XX. Surgiu de uma cisão no Sport Club do Pará, com o nome de Grupo do Remo, passando a se chamar Clube do Remo só em 1911. Aderiu ao futebol em 1913. O primeiro jogo foi em 21 de abril do mesmo ano na praça Floriano Peixoto, contra o Guarani F.C., mas não há registro de quem venceu. O primeiro jogo oficial foi em 14 de julho, ainda em 1913, quando ganhou de 4 X 1 do União Esportiva.

O Clube do Remo é o único time paraense que jogou na Europa. Em maio de 1994 disputou um torneio internacional na França, com a seleção de Bucareste (Romênia) e o clube francês do Toulon empatou os dois jogos que fez. Com os romenos, 1 X 1 no tempo normal e vitória de 5 X 4 nos pênaltis. Frente os franceses, também 1 X 1 nos 90 minutos e derrota de 6 X 5 nos pênaltis.

Pelé, o maior jogador de todos os tempos, vestiu a camisa do Clube do Remo. Foi em 29 de abril de 1965, num amistoso entre Remo e Santos, no estádio Evandro Almeida, o “Baenão”. Pelé entrou em campo com o uniforme do Remo, em retribuição a um buquê de rosas que recebeu do clube paraense.

Ainda em 1965 o Clube do Remo jogou um jogo amistoso com o Benfica de Portugal, com Euzébio e tudo, na época um dos times mais fortes do mundo, e base da Seleção Portuguesa, terceiro lugar na Copa da Inglaterra, em 1966. O jogo foi no “Baenão”, lotado e terminou empatado em 1 X 1, com gols de Torres para o Benfica e Amoroso para o Remo.

Outros clubes do futebol paraense: Tuna Luso Brasileira (01-01-1903); Castanhal E.C. (07-09-1924); Pedreira E.C. (07-09-1925); Abaeté F.C. (05-08-1933); São Raimundo E.C. (09-01-1944); Vênus Atlético Clube (20-051949); S.C. Belém (01-12-1965); A.A. Tiradentes ( 21-04-1973); Bragantino Clube do Pará (06-03-1975); Clube Municipal Ananindeua (03-01-1978); Águia de Marabá F.C. (22-01-1982) e Clube Atlético Vila Rica (27-06-1987), todos integrantes da 1ª Divisão deste ano.

Independente Atlético Clube (28-11-1972); A.C. Izabelense (26-04-1924); Pinheirense Esporte Clube (08-12-19230; Redenção E.C.; Santa Rosa E.C. (06-10-1925);.Sport Belém (01-12-1965); C.A. Vila Rica (27-06-1987); São Francisco F.C. (20-10-1929, todos da 2ª Divisão de 2008.

E ainda Júlio César (extinto); Sport Club (extinto); Transviário (extinto); Sport Club do Pará (05-02-1905, extinto); Nort Club (extinto); União Sportiva (extinto); Time Negra Carajás Clube, ex-Carajás E.C. (27-06-1997, em atividade); Combatentes; E.C. Internacional (10-03-1956, em atividade); Aningal (em atividade); Elo Marítimo Recreativo Clube, E.C. Comercial e Marituba.

Se o futebol paraense vai mal na técnica, aparece bem no folclore. Nos anos 50, jogou no Paysandu um atacante com o sugestivo apelido de “Pau Preto”, goleador nato. Foi personagem de um episódio sui-generis, causado pela desatenção de um famoso locutor ao descrever um lance: “Partiu da intermediária, driblou meio time adversário, também o goleiro, chutou e é gooooooool de “Pau Preto”, que entrou com bola e tudo”.

Na década de 70 jogava no Clube do Remo um centroavante alto, forte e rápido chamado Alcino e apelidado de “Negão Motora”. Contam que num clássico frente o Paysandú sentou sobre a bola e fez um gol de bunda. A torcida do Paysandú passou a odiá-lo. E como represália, a cada gol feito no clássico “Negão Motora” baixava o calção e mostrava as partes baixas para desespero da galera adversária.

Mais recente foi Edil, que introduziu as comemorações irreverentes de gols, criando vários personagens. Em 1992, jogando no Paysandu, era o "Carrasco", levando sempre um capuz preso ao calção. Na hora do gol cobria o rosto e, com a ajuda de um companheiro, simulava a degola de um condenado com uma machadada imaginária.

Em 1996, quando jogou no Remo, criou o "Braddock", inspirado na série de filmes de Chuck Norris. A cada gol, dois ou três jogadores se alinhavam num paredão invisível e eram "metralhados" por Edil. Quando jogou no Castanhal, em 2000 inventou "Highlander, o goleador imortal". Ele deixava uma espada de plástico no banco de reservas, que depois de cada gol servia para hilariantes performances no gramado. (Texto e pesquisa: Nilo Dias)
Não faz muito tempo que a torcida do Payssandú, lotava os estádios (Foto: Torcida Organizada Nação Bicolor)

terça-feira, 18 de março de 2008

Friedenreich, o artilheiro que encantou o mundo

A "The Encyclopedia of World Soccer", editada nos Estados Unidos por Richard Henshaw, que teve o aval da FIFA e da antiga Confederação Brasileira de Desportos (CBD), assegura que o maior artilheiro do futebol em todos os tempos foi Arthur Friedenreich. Ainda que não haja documentação oficial, a respeitada publicação credita a “El Tigre”, a marcação de 1.329 gols, em 1.239 jogos.

Esses números foram publicados até no “Guiness Boock”, o livro dos recordes. Mas existe quem discorde, caso do historiador Alexandre da Costa, que escreveu o livro “O tigre do futebol”, com pequenas histórias sobre a vida do jogador. Não sendo um livro de pesquisas, o autor se limitou a um levantamento nos jornais “Correio Paulistano” e “O Estado de São Paulo”, encontrando 554 gols marcados por Friedenreich, em 561 partidas.

Esse levantamento é colocado em dúvida, pois os jornais da época pouco se importavam com o futebol, não divulgando todos os jogos realizados. O próprio autor confessa que não se aprofundou na busca, esquecendo outros jornais, revistas e almanaques. E admite não ter publicado os dados de cerca de 30 jogos.

O jornalista Severino Filho, co-autor do livro “Fried versus Pelé”, credita 558 gols para o craque do passado, em 26 anos de carreira, média de 21 gols por ano. Sendo verdadeiro, significa quase 1 gol por jogo, média superior a de Pelé, que foi de 0,93 gol por partida. Também esses números não são confiáveis.

Já Pelé, tem seus 1.284 gols em 1.375 jogos, todos devidamente registrados, com datas e adversários. Não há como contestar. Ainda assim, essa terrível dúvida, que desafia pesquisadores de todo o planeta, vai continuar. Quem se habilita a garantir ou duvidar que foi Friedenreich, e não Pelé, o maior artilheiro do futebol mundial em todos os tempos?

O que se sabe de concreto é que o pai de Friedenreich anotava em um caderno todos os gols do filho. A partir de 1918, Fried passou a tarefa para o amigo e colega de time (Paulistano), o centro-avante Mário de Andrade (nada a ver com o escritor), que registrou todos os gols do artilheiro, até o final de sua carreira, em 1935.

O jornalista Adriano Neiva da Motta, o De Vaney (falecido), ficou sabendo, em 1962, da existência dessas anotações. As fichas em poder de Mário poderiam provar que Friedenreich fez mais gols que Pelé. Mas o destino não permitiu que isso acontecesse. Andrade faleceu em 1962, antes de entregar as fichas a De Vaney. Uma semana depois de sua morte, a viúva, achando que aquela papelada não tinha valor, jogou no lixo da cidade de Santos, todo o registro dos até hoje incontáveis gols de “El Tigre”. Perdia-se ali, valiosa parte da memória futebolística do país.

Baseado nas pesquisas de De Vaney, o jornalista carioca João Máximo, escreveu no livro “Gigantes do Futebol Brasileiro”, publicado no Rio de Janeiro, em 1965, que Friedenreich teria marcado os 1.329 gols, devidamente registrados na ex-CBD e reconhecidos pela FIFA. Mesmo sem poder provar, De Vaney havia tornado público os números. E há quem garanta que cometeu um erro, trocando a soma de gols, pela de jogos, o que não passa de especulação. A verdade é que a partir desse episódio livros, revistas, jornais, a FIFA, CBD e o “Guinnes Bock” entenderam a revelação como verdadeira.

Friedenreich, o primeiro grande craque do futebol brasileiro, nasceu em São Paulo, no dia 18 de julho de 1892. Era filho do comerciante alemão Oscar Friedenreich, que havia se mudado de Blumenau (SC) para São Paulo, e de Matilde, uma negra de rara beleza que nascera escrava. Estudou no Colégio Mackenzie, mas seu interesse maior era outro. Por isso, bem cedo trocou as salas de aulas pelos campos de futebol.

Naqueles tempos o racismo imperava nos clubes de futebol. Friedenreich teve de se valer da origem alemã para poder ingressar no elitizado mundo do futebol. Não foi difícil, porque tinha olhos verdes, a pele não era escura e o cabelo, com ajuda de brilhantina, ficava liso. Depois, no Germânia, seu primeiro clube, a impressionante habilidade com a bola se encarregou do resto.

Pena que Friedenreich não tenha jogado em nossos tempos de tevê e marketing. O que se sabe dele é o que foi publicado nos jornais da época. Jogou pelo Germânia, Mackenzie, onde foi pela primeira vez artilheiro do campeonato paulista, em 1912, Ypiranga, Paulistano e São Paulo da Floresta, todos de São Paulo, além do Flamengo, do Rio de Janeiro. Por nove vezes foi artilheiro do Campeonato Paulista. E colecionou os títulos de campeão paulista em 1918, 1919, 1921, 1926, 1927 e 1931, a maioria defendendo o Paulistano.

Pela Seleção Brasileira foi bi-campeão do Sul-Americano, em 1919 e 1920, jogou 22 partidas e fez 10 gols. No certame continental de 1919, no Rio de Janeiro, fez o gol da vitória de 1 a 0, na partida final contra o Uruguai, que teve três prorrogações. Esse foi o primeiro título internacional do Brasil. Ao término do jogo os uruguaios deram a Friedenreich um pergaminho lhe conferindo o título de “El Tigre”, por ter sido o melhor jogador do campeonato. Os argentinos também o chamavam de “El namorado de la América”.

Logo depois do jogo, em edição extra, o jornal “A Noite”, do Rio de Janeiro, que antes nunca publicara uma foto em sua capa, mostrava o pé esquerdo de Friedenreich, em tamanho natural, acompanhado da manchete: “Eis o pé da vitória”.

Friedenreich era relativamente magro, pesando 52 kg, mas alto, medindo 1,75 m. Depois de consagrado nos gramados sul-americanos, conquistou a Europa. O Paulistano, em 1925, foi protagonista da primeira excursão de um time de futebol brasileiro ao Velho Continente. Foram 10 jogos em gramados franceses, suíços e portugueses e uma só derrota. Na estréia massacrou a Seleção Francesa por 7 X 2, o que valeu manchete no “Le Journal”, que denominou os brasileiros como “os reis do futebol”.

A grande amargura de Friedenreich foi não ter jogado nenhuma Copa do Mundo. Poderia ter ido em 1930 e 1938, mas as confusões e brigas entre os “cartolas” do futebol brasileiro, não deixaram. Um fato ocorrido fora do futebol, também marcou intensamente a vida do homem Friedenreich. No ano de 1932, após alistar-se nas forças constitucionalistas paulistas, para lutar contra a ditadura de Getúlio Vargas, doou todos os seus valiosos troféus e medalhas de ouro. No campo de batalha comandou um batalhão de 800 jovens. Ao término do confronto, Fried voltou como tenente e condecorado por heroísmo.

Antes de encerrar a carreira, ainda fez um gol histórico: no dia 12 de março de 1933, na Vila Belmiro, ele marcou o primeiro gol da era profissional, pelo São Paulo F.C., na goleada de 5 X 1 sobre o Santos F.C. Encerrou a carreira em 1935, aos 43 anos, quando fazia jogos de exibição pelo Flamengo.

Friedenreich, que foi pai de apenas um filho, Oscar, com a esposa Joana, morava no bairro de Pinheiros, em São Paulo, onde morreu no dia 6 de setembro de 1969, incapaz de esclarecer o mistério dos seus gols. Sofria de uma doença degenerativa e não dizia mais do que algumas palavras vagas. Não lembrava nem o próprio nome. Seu final foi triste e melancólico, lembrando outro grande craque do nosso futebol, Heleno de Freitas, que morreu louco num sanatório de Barbacena (MG). Texto e pesquisa: Nilo Dias)
Ypiranga de São Paulo, nos tempos de Friedenreich. (Foto: Arquivo pessoal da família Friedenreich)

Maryeelle disse...
olá amigo/parabéns pelo blog, afinal, futebol, é paixão nacional do Oiapoc ao Chuí!
beijo
Cida Torneros (RJ)
19 de março de 2008 08:42

segunda-feira, 17 de março de 2008

Íbis, o pior time do mundo (Parte III - Final)

O folclore também acompanha a vida do Ibis. Em 20 de julho de 1980 ele derrotou o Ferroviário, num jogo nos Aflitos, gol do atacante Almeida. Ansioso, Almeida esperou os jornais do dia seguinte para ler o comentário do jogo, pois sonhava em se transferir para uma grande equipe. E foi surpreendido com a informação errada, que atribuía o gol a um certo Valdir, que sequer jogou. Havia sim, Valdísio, parecido fisicamente com o desiludido Almeida.

Depois de uma vitória sobre o Náutico, os dirigentes e jogadores do Íbis foram comemorar num restaurante no bairro de Santo Amaro, tudo patrocinado por Leça, um vendedor de maçãs que ajudava o clube. O Sport, interessado no resultado deu Cr$ 5 mil para cada jogador ibiano. E até Amaro Silva, um dos fundadores, foi acordado em sua casa e levado para participar da festa. Mas como alegria de pobre dura pouco, o Íbis acabou perdendo os pontos no TJD, por ter escalado de maneira irregular o misto de jogador e marinheiro, Altino.

Uma goleada de 11 X 0, sofrida ante o Sport, foi creditada ao fato do jogo ter sido retardado por mais de uma hora, pela descoberta de uma casa de marimbondos, numa das traves do campo, exatamente onde estava o goleiro do Íbis. O árbitro teve que pedir socorro ao Corpo de bombeiros para poder recomeçar o jogo.

Mas o goleiro do Íbis passou o jogo todo ameaçado por dois ou três marimbondos que escaparam da blitz e retornaram a procura da casa. E outra coisa não fez, do que se esquivar dos ferrões. Ocupado em fugir dos marimbondos, deixou a goleira livre para alegria dos atacantes adversários.

Um dos episódios mais hilariantes envolvendo o Íbis aconteceu no início dos anos 70. O então chamado ”rubro-negro de Santo Amaro”, foi ao Estádio do Arruda para enfrentar o Sport. O treinador Batista levou um susto ao ver que não havia chuteiras suficientes para todo o time. A solução foi pedir ao adversário, seis pares de chuteiras emprestados.

Como o Sport levava o Íbis de barbada, pois na rodada anterior havia levado 6 X 0 do Náutico, cedeu o material, sem imaginar que estava botando asa para formiga voar. O Íbis venceu por 1 x 0, gol de Antônio Carlos, hoje advogado. Debaixo de vaias, o então técnico do Sport, que também dirigiu a seleção Brasileira, Zezé Moreira, jogou um caixão sobre os revoltados torcedores.

Numa das vitórias do Íbis sobre o Náutico, aconteceu um caso inusitado. Estava tudo pronto para o início do jogo, quando o juiz chamou a atenção para a falta de goleiro no time rubro-negro. Imediatamente foi chamado o reserva Banana, que há muito tempo não jogava e nem treinava. Entrou em campo só para completar os 11, pois era para perder mesmo e não faria diferença quem estivesse jogando.

Mas não foi isso que ocorreu em campo. O íbis segurou o ataque do Náutico de maneira quase heróica, com Banana operando verdadeiros milagres e os zagueiros dando chutões para todos os lados. Aos 43 minutos do segundo tempo, o improvável aconteceu: no único chute que deu, o Íbis fez 1 X 0 e o jogo acabou assim. Foi uma festa sem tamanho para a torcida ibiana: “Chico do Táxi”, o presidente do clube e três familiares.

Em outra ocasião jogavam Santa Cruz e Íbis, no Arruda. Os torcedores “corais” ocupavam todos os espaços. No meio deles “Chico do Táxi”, o torcedor número um do Íbis. Num contra ataque o rubro-negro fez gol e ele comemorou, chamando a atenção dos adversários. Só não foi linchado porque um torcedor mais ajuizado o salvou: “Se a gente matar esse cara, mata a torcida inteira do Ibis”.

Há coisas difíceis de explicar, como a decisão do jornaleiro Carlos Andrade, que era torcedor do Sport, e depois de assistir uma partida entre os dois rubro-negros, em 1988, trocou de time, mesmo com a goleada de 10 X 1 sofrida pelo Ibis. Ele garante que foi amor a primeira vista. É capaz de deixar sua casa, no distante bairro de Águas Compridas, para ver o Íbis jogar pela Segundona. Assim o fez, num feriado: foi a Paulista, em pleno domingo de Páscoa. Se diz fã do Íbis na vitória ou na derrota. E como se isso fosse pouco, tem um time de botão chamado Íbis, e guarda com carinho a revista “Placar” na qual o time aparece na capa, com o rótulo de "pior do mundo".

Como organização, o Íbis é o exemplo do que não deve ser um time de futebol. Em 1950, em jogo de campeonato, o próprio presidente do clube teve de entrar em campo para completar o número mínimo de sete jogadores.

A última eleição do Íbis, ano passado, era para ser realizada na sede de um clube carnavalesco no centro da cidade. Quase na hora da votação, à frente do prédio estavam a urna, os candidatos e os conselheiros votantes, menos o porteiro, que não apareceu. A eleição acabou sendo feita num bar ao lado e a comemoração começou logo em seguida, inclusive com a participação do candidato derrotado.

O Ibis foi ameaçado de desfiliação pela CBF em 2001, por haver desafiado a Seleção Brasileira. Já em 2002 convidou o S.C. Corinthians Paulista, que havia perdido 10 jogos seguidos, para uma partida amistosa que definiria qual o pior time do mundo. O clube paulista não aceitou. O ano passado o dirigente Felipe Gomes anunciou a disposição do clube em ajudar Romário a fazer o milésimo gol. Que escolhesse uma das duas opções: um amistoso com o Vasco ou jogar a segundona pernambucana pelo Íbis. Não houve resposta. (Texto e pesquisa: Nilo Dias)