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segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Brasileiro foi trabalhar na Rússia e acabou preso

O volante brasileiro Fernando Lucas Martins, 27 anos, que jogava pelo Spartak, de Moscou e desde julho se transferiu para o Beijing Guoan, da China , está sendo acusado de abandonar na prisão e sem qualquer auxílio um funcionário que contratou para lhe prestar serviço ainda na Rússia.


Robson Nascimento de Oliveira, 46 anos, ex-fuzileiro naval foi detido por estar com comprimidos pedidos por Fernando, mas que são proibidos na Rússia.  Ele foi contratado por Fernando, para ser seu motorista.

Ele foi preso no dia 18 de março no aeroporto Domodedovo, em Moscou. O homem está preso há quatro meses no presídio de Kashira, cidade a 110km de Moscou e, segundo a família do motorista, não recebeu nenhuma ajuda de Fernando.

a uma vida bem humilde em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, quando recebeu o convite para trabalhar com o jogador. Estava desempregado. Sua esposa, Simone Damazio de Barros, com quem se uniu cinco anos atrás é cozinheira de mão cheia.

No fim do ano passado ela foi indicada por uma amiga para trabalhar na casa de Sibelle Rivoredo, sogra do jogador Fernando, que a contratou para um período de experiência na casa da família na Barra da Tijuca, no Rio.

E tinha a promessa de, depois, ir para a Rússia, trabalhar com Fernando e sua esposa, Raphaela, em um condomínio de luxo na “Rezidentsiya Rublovo”, casa 50-A, em Moscou, onde um imóvel de dois andares não sai por menos de R$ 3,4 milhões.  

Simone falou da proposta de ir trabalhar no exterior para o marido, que ficou reticente por conta da distância e do tempo que ficariam sem se ver.
Ela, então, pediu um emprego também para Robson, o que foi aceito por Sibelle, a sogra de Fernando. A história foi revelada em reportagem da “TV Globo” e do “GloboEsporte.com” levada ao ar neste domingo.

O personagem central dessa história, o volante Fernando, cria do Grêmio Porto Alegrense, foi convocado para todas as seleções de base e esteve no grupo da equipe principal que conquistou a Copa das Confederações de 2013 no Maracanã.

O jovem cuja carreira decolava foi logo seduzido pelos dólares do então emergente mercado ucraniano, que desembolsou R$ 36 milhões para levá-lo. Campeão pelo Shakhtar Donetsk, depois jogou na Sampdoria, da Itália, até ser vendido, em 2016, para o maior clube da Rússia, o Spartak Moscou.

Mesmo longe dos holofotes e, naturalmente, das listas da Seleção, o jogador angariou respeito na Rússia e virou ídolo da fanática torcida do Spartak. 
Fernando faz parte dessa lista de casos raros de meninos que desejam ganhar a vida jogando bola e conseguem chegar lá. E foi na esteira desse sucesso que outro personagem começou a sonhar.

O casal ganharia um total de R$ 14 mil - R$ 6 mil para ele ser motorista e ajudar em coisas da casa e outros R$ 8 mil para ela ser a cozinheira da família de Fernando. Em 9 de fevereiro deste ano, Robson e Simone embarcaram para a Rússia.

A proposta de largar tudo no Brasil e seguir para a Rússia era assustadora - cultura e hábitos totalmente diferentes, distância, língua estranha e um país de inverno rigoroso -, mas ao mesmo tempo tentadora, em razão da proposta salarial de R$ 14 mil - praticamente sem gastos, já que teriam teto e comida em Moscou.

O casal sabia que não seria fácil, mas valia o sacrifício. Trabalhando um ano ali, construiriam a casa deles. Nunca tinham viajado de avião na vida. Não tinham passaporte, nada. O estafe de Fernando, então, deu início ao processo para levá-los a Moscou. Fizeram os passaportes em Niterói, porque sairia mais rápido. Eles pagaram e marcaram tudo.

No dia 9 de fevereiro, Robson e Simone fizeram um registro fotográfico já dentro do avião, orgulhosos, rostos colados e sorrisos abertos. Era a decolagem em busca da melhoria de vida. Ou deveria ser.

Minutos antes do embarque, porém, o motorista da família de Fernando, identificado como Leandro, chegou ao “Aeroporto Tom Jobim” com três malas. Dentro delas havia encomendas da família do jogador. Cerca de 18 horas depois, ambos desembarcaram no país europeu.

Simone e Robson desconheciam que, em meio às encomendas, havia remédios tarja preta que, no Brasil, só podem ser adquiridos com receita médica. E eles atravessaram o portão de embarque no Rio de Janeiro sem as receitas prescritas na bolsa.

Dezoito horas mais tarde, o voo da Lufthansa de número LH-1446 pousou no Aeroporto Internacional de Domodedovo, conhecido como o mais rigoroso de Moscou. 

Eram 17h46 do dia 10 de fevereiro quando o casal pegou as malas na esteira. Ansiosos, estavam tomados pelo frio na barriga para encontrar o "funcionário" de Fernando que iria buscá-los: William Rodela. Não deu tempo.

Nove minutos depois, no hall de saída para o saguão do aeroporto, Robson e Simone escolheram o corredor verde, quando não se tem nada a declarar. 

Foram parados pelo funcionário A.L. Elisov, agente operacional do “Setor de Controle de Circulação de Drogas da Diretoria Linear do Ministério do Interior”, no “Aeroporto de Demodedovo”, além do major K.S. Losev e do tenente-coronel N.V. Antipov.

Não havia muito o que temer, imaginavam, além do constrangimento e da dificuldade de comunicação, já que as orientações de Sibele eram claras. Em outro áudio, inclusive, ela fala de um possível questionamento sobre um par de alianças do casal Fernando e Raphaela que Simone carregava na bolsa de mão:

"Se eles pararem, as alianças são sua e do Robson. Vocês são casados, se não vai entender o que eles estão falando. Você mostra o seu dedo que é de vocês", orientou.

O problema estava longe das alianças. Misturadas numa mala preta, em meio a comidas e roupas de criança, havia duas caixas do remédio “Mytedom – Cloridrato de Metadona – 10mg”, um potente comprimido para quem convive com dores, principalmente, mas também bastante utilizado no tratamento de recuperação de viciados em ópio e heroína.

Daí o problema principal. Na Rússia, a substância é considerada entorpecente. E a quantidade, 40 comprimidos, com a massa de 5,60g de opioide, encaixava-se na nomenclatura da lei que prevê um "volume grande" da droga, infringindo o artigo 229.1, parte 3, do Código Penal da Federação da Rússia.

Os dois avistaram William Sa Silva Sousa, o “Rodela”, estudante de Medicina em Moscou e espécie de “quebra-galho” da família de Fernando. Ele fora buscar Robson e Simone no aeroporto.

O funcionário autorizou que “Rodela” fosse até eles para ser uma espécie de tradutor. Simone, nervosa, mandou mensagens a Sibele, que de férias por Grécia e Itália com a família, respondeu a acalmando e explicando que tinha receita e que já a tinha enviado para “Rodela”.

A receita existe mesmo, foi feita e assinada pelo médico Marcelo Tayah e está com a data de 26 de fevereiro deste ano. Para quem era o remédio, tarja preta? Para William Pereira de Faria, pai de Raphaela e, consequentemente, sogro de Fernando.

Ele usa a medicação para as crônicas dores que sente na coluna. O médico disse à Globo: "O senhor William é meu paciente desde 2017 e faz uso deste medicamente... A senhora Sibele me ligou dizendo que precisava dessa declaração para resolver o problema de um rapaz na Rússia..."

Após 17 longas horas no aeroporto e de muita explicação, dada por “Rodela”, e desespero de Simone e Robson, o casal foi liberado, mas com o aviso de que a investigação sobre o motorista seguiria.

Lá o casal ficou exatos 35 dias apenas cuidando da casa vazia. Passado o susto inicial do aeroporto, era hora de curtir os momentos de folga para passear e conhecer os pontos turísticos da capital russa. Apesar do inverno rigoroso que fazia Robson tirar com a pá o acúmulo de neve da porta da casa, os dois estavam animados.

Em 17 de março, um domingo, Fernando e a família voltaram para Moscou, com os sogros Sibele e William juntos. Robson e “Rodela” foram buscar todos no aeroporto em dois carros.

No dia seguinte, 18 de março, uma segunda-feira, os integrantes da família tomaram café juntos à mesa. Robson ajudava a esposa a lavar louça, quando Raphaela o chamou: "Vamos para sua primeira missão."

Fernando, a esposa, Raphaela e o amigo “Rodela” entraram no carro, e Robson o dirigiu com destino ao aeroporto, aquele mesmo no qual chegara vindo do Brasil. Lá, foram direto para a delegacia de polícia.

Em casa, Simone perguntou a Sibele o porquê de William, o sogro, não ter ido junto e ter levado a receita médica. A sogra respondeu que a filha sabia o que estava fazendo. A receita médica, em território russo, não serve como uma defesa, isso não livra ninguém nesse caso.

É apenas uma receita que mostra que a pessoa necessita de tal remédio, mas ela não livra a pessoa de responder por uma acusação, explisou Gennady Esakóv, professor de Direito Penal Criminal russo.

Por volta de 15h daquele dia, Robson falou com a esposa por telefone e já previa o pior: "Simone, acho que tá dando ruim aqui. Eu vou ficar preso!" Ficou. De lá, saiu algemado algum tempo depois para a “Unidade Penal de Kashira”. Raphaela prometeu a Simone "que até quarta-feira isso será resolvido".

Não foi. Fernando trocou o Spartak Moscou pelo Beijing Gouan em julho e foi com a família para a China. Simone voltou para o Brasil. Robson segue preso, cerca de 20 quilos mais magro em relação a quando chegou a Moscou.

Na denúncia que o levaria aos tribunais, a Justiça russa descreveu: "Estando no território do Brasil (local e hora não determinados, mas o mais tardar em 10 de fevereiro de 2019) e tendo intenção criminosa de transporte ilícito de substâncias estupefacientes através da fronteira aduaneira da União Aduaneira da Comunidade Econômica Euroasiática, Robson do Nascimento Oliveira adquiriu de pessoa não identificada uma substância estupefaciente com objetivo de seu transporte em aeronave ao território da Federação da Rússia".

Ou seja: para o Ministério Público local, Robson teve a intenção de preparar a mala com remédios escondidos a fim de cometer o tráfico internacional da substância ilícita. Assim, infringiu também o artigo 30, parte 1, da lei, e o artigo 228.1, parte 4, parágrafo d (preparação do tráfico de substâncias estupefacientes em volume grande).

Sem visitas de ninguém em nenhum momento: Simone não pode, por não ser casada legalmente com ele. As acusações contra o ex-fuzileiro naval são: tráfico internacional de drogas e preparação para o tráfico.

Sibele ficou em Moscou por mais quase três meses, retornando ao Brasil em 14 de junho. Ela tampouco prestou depoimento no inquérito. Fernando e Raphaela, sim. Ele, em 6 de junho; ela, em 12 de julho.

Ambos negaram qualquer relação com Robson. Em discurso afinado, contaram à polícia que não conheciam Robson, que havia sido contratado por Sibele, mãe de Raphaela.

Em seu depoimento à polícia russa, Raphaela Rivoredo lembrou de um fato que considerou importante para o enredo da apreensão dos remédios na mala do motorista. 

Ela relatou que teve uma "conversa séria" com Robson no dia 17 de março, quando voltou de férias com Fernando e teve o primeiro contato com o motorista em Moscou.

"(...) Disseram que ele seria demitido caso continuasse a consumir drogas, porque eles tinham a criança menor e não queriam ter em casa uma pessoa drogada. Robson respondeu que isso nunca mais aconteceria. Por isso, ele e Simone continuaram a trabalhar em casa até o momento de detenção dele".

Na verdade, Robson só trabalhou até o dia seguinte à conversa, quando foi levado até a delegacia do aeroporto e preso.

Os exames feitos pela polícia russa no motorista na data de chegada a Moscou - 35 dias antes da volta da família de Fernando das férias - apontaram vestígios de cocaína. 

Advogado da família de Robson, Olímpio Soares reconhece que seu cliente usou a droga numa festa de despedida no Rio pouco antes da viagem, mas diz que ele não é viciado, o que é corroborado pelo exame de sangue feito pelas autoridades russas e a perícia psiquiátrica número 1158, realizada em 15 de abril de 2019:

"Não mostrou nenhum sinais clínicos (sic) da dependência de substâncias narcóticas, tóxicas e de álcool, por isso não precisa de tratamento médico de narcomania ou reabilitação médico-social".

A família de Robson pediu ajuda oficial à embaixada brasileira em Moscou para que fosse contratado um advogado, já que não tem recursos para pagar. O processo parou nas mãos da Defensoria Pública. A indicada foi Liudmila Dubrovina, que começou a ter embates técnicos na estratégia de defesa com o advogado do Brasil.

A mãe da esposa do jogador mandou esse remédio para o marido dela que estava na Rússia, mas provar isso ninguém consegue. Se Robson assumir a culpa, o juiz tem o direito de diminuir a pena dele, por exemplo, para cinco anos.

Mas, se ele não assumir a culpa, ele deve pegar 13 a 15 anos de prisão.
Simone, a mãe e o filho do motorista, à Globo, acusam Fernando e sua família de terem abandonado Robson. O advogado da família, Fernando Cassar, nega e garante que toda a ajuda possível foi oferecida.

Simone, que chorou em parte da entrevista, desabafou: "A proposta era para mim. E ele acabou indo junto comigo. E lá ficou. Como eu não queria ter conhecido essa família, meu Deus!"

A TV Globo ouviu especialistas que atuam na Rússia para entender se a quantidade de remédios havia sido determinante para o flagrante. A resposta é não. Qualquer opioide (como a Metadona) é proibido no país. (Pesquisa: Nilo Dias)


Fernando, ex-jogador do Grêmio, de Porto Alegre.


Jornal O Dia

Ex-jogador da Seleção admite que brasileiro preso na Rússia levava remédios para seu sogro

No entanto, em depoimento, o atleta contou uma versão diferente às autoridades
Por O Dia

Publicado em 08/09/2019

O volante Fernando, ex-Seleção e que atualmente está no Beijing Guoan-CHN, falou pela primeira vez sobre o caso do brasileiro Robson Oliveira, preso desde o dia 18 de março na Rússia acusado de tráfico por levar medicamentos a pedido de sua família para o país.

Em entrevista ao "Esporte Espetacular", o jogador admitiu que o remédio era para uso de seu sogro, William Faria.

"Eles foram parados no aeroporto e a gente imediatamente mandou o prontuário, receita, passaporte do meu sogro, tudo que fosse necessário para provar que o remédio era do meu sogro, porque realmente o remédio era do meu sogro. Em momento algum a gente escondeu qualquer coisa do tipo. Se não ficou claro, estou aqui abertamente falando: o remédio era para o meu sogro", disse o atleta.

No entanto, a declaração é diferente da que foi dada por Fernando em depoimento às autoridades russas, em que disse desconhecer o modo que os remédios foram recebidos no Brasil e que não mantém contato com o sogro.

O jogador ainda afirmou que tentou de todas as formas ajudar Robson a sair da cadeia.
"Desde o começo, a gente fez de tudo para que o Robson saísse de lá. Mas, infelizmente, só com as nossas forças isso não está sendo suficiente.

Eu venho aqui, através da minha imagem, pedir para que as autoridades da Rússia e do Brasil, principalmente, possam se sensibilizar com essa situação do Robson. Para que possam entrar em contato com o governo da Rússia e dessa forma possam pedir a deportação do Robson o mais rápido possível".

Robson Oliveira está preso por ter entrado na Rússia com comprimidos do remédio Mytedom, medicamento a base de metadona, usado para dores crônicas. No Brasil, a substância é legalizada. Porém, ilegal na Rússia.