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domingo, 3 de dezembro de 2017

O Pantera cor de rosa

Quem não lembra de Roberto Nunes Morgado, um conhecido árbitro de futebol, nascido em São Paulo, capital, em 1946 e falecido em 26 de abril de 1989, aos 43 anos de idade? 

Ficou famoso por imitar o estilho espalhafatoso de Armando Marques, um dos melhores juízes do futebol brasileiro em todos os tempos. Morgado foi polêmico, adorava chamar a atenção durante os jogos que arbitrava.

Não era muito alto, media 1,71 metro e pesava somente 59 kg. Por isso ganhou o apelido de “Pantera cor de rosa”. A cada lance que apitava, costumava fazer indicações exageradas, levando as torcidas ao delírio.

Mas ninguém podia dizer que não era corajoso. Prova disso é que num jogo entre Vasco da Gama, do Rio de Janeiro e Ferroviário, do Ceará, pelo Campeonato Brasileiro de 1983, expulsou a Polícia Militar de campo, mostrando cartão vermelho e tudo.

Em razão disso a Comissão Brasileira de Arbitragem exigiu que fosse feito um exame de sanidade mental nele. Mas Morgado não mostrou nenhuma preocupação com isso. Ao contrário, levou na brincadeira e disse que se tornara o único juiz da praça que tinha atestado de sanidade mental.

Há algum tempo atrás, Roberto Nunes Morgado tinha sido assaltado e ferido com certa gravidade. Necessitou ficar internado e sua maior preocupação era saber se poderia voltar a apitar.

Os médicos notaram que a recuperação dos ferimentos era rápida, mas a psicológica não corria tão bem. A arbitragem era o seu único caminho, e o medo de não poder mais vestir o uniforme negro, rezar muito nos vestiários e ser o todo poderoso das partidas, era intenso.

Os episódios anteriores a internação foram muitos e todos lhe provocaram reações de desespero. Problemas pessoais, sentimentais, profissionais. Era filho único de uma família humilde.

Roberto Nunes Morgado sempre foi escolhido para dirigir jogos importantes. Umbandista por convicção chegava sempre com uma hora e meia de antecedência aos estádios onde iria trabalhar, pois seu ritual demorava quase uma hora, com reza aos seus orixás.

Mas ele começou a mudar depois de ter sido ferido. Tornou-se mais introvertido, com sintomas de displicência, deixou o emprego que tinha de relações públicas na “Churrascaria Boi na Brasa”, alegando que precisava dormir cedo e não queria andar a noite pelas ruas de São Paulo.

Passou a viver somente das arbitragens e com pouca atividade, o que lhe ocasionou um grande tempo ocioso, que serviu para refletir, raciocinar. Percebeu a sua importância para os pais – dependentes dele – e verificou um futuro incerto, repleto de altos e baixos.

A sua queda psicológica foi flagrante. Insistia em recusar a ajuda de alguns amigos e suas arbitragens começaram a provocar dúvidas e contestações, algo raro na sua carreira.

As pessoas criticavam seus trejeitos, atitudes arrogantes, lembrando Armando Marques, mas não atacavam suas boas condições técnicas e físicas. Entretanto, abatido, a preparação física foi esquecida e os reflexos diminuíram.

Em 26 de junho de 1981 a Federação Paulista de Futebol resolveu interna-lo em uma clínica importante, conhecida, famosa. Local de recuperação física e mental, ideal para repouso, desintoxicação e sonoterapia.

O tratamento era caro. Somente pessoas abastadas ou uma entidade assumindo as despesas, poderiam usufruir das comodidades do local.

Lágrimas escorriam dos olhos de Roberto Nunes Morgado, mas ele admitia não ter outra solução. Estava apavorado, vivendo uma enorme crise emocional, um verdadeiro drama.

Os episódios anteriores a internação foram muitos e todos provocaram reações de desespero no árbitro de futebol. Problemas pessoais, sentimentais, profissionais.

Apesar de tudo isso, os médicos garantiam que ele poderia voltar a apitar normalmente. Ficaria totalmente recuperado, afirmavam os especialistas e viveria tranqüilo.

Os problemas sentimentais ajudaram muito a chegada do desespero e Morgado chegou a confessar que “queria morrer, desacreditava em Deus e seria melhor para todos, ele desaparecer…”.

O médico Osmar de Oliveira, outro amigo de Morgado, o atendeu dezenas de vezes nas mais variadas horas do dia e da noite. Preocupado com a sua saúde, Morgado queria vitaminas, análise cardíaca, pulsação.

Queria o amigo médico para certas confissões e desabafos. Tinha medo de perder a condição de aspirante do quadro da FIFA e ao mesmo tempo não conseguia reagir ao abatimento que o envolvia.

Foi aconselhado a procurar um psicólogo. Depois de algumas consultas começou a mostrar sintomas de recuperação. Aquele medo, aquela “mania” de doença, aqueles traços de insegurança pareciam estar desaparecendo.

Mas o rompimento amoroso, a dependência da arbitragem, a família precisando dele, provocaram uma crise emocional fortíssima. Às cinco horas da madrugada de um domingo em que jogariam Ponte Preta e São Paulo, em Campinas, o médico Osmar de Oliveira foi acordado.

Morgado precisava dele. Estava afobado, nervoso, não conseguia dormir e iria apitar naquela tarde um verdadeiro clássico em Campinas. Estava desesperado e não conseguia controlar-se.

O médico o encaminhou para o Hospital Bandeirante e recebeu o tratamento necessário acrescido de um calmante. Em vista deste fato, Osmar de Oliveira proibiu que ele trabalhasse no jogo Ponte Preta e São Paulo.

O diretor do departamento de árbitros não foi localizado e o secretário-geral da Federação Paulista de Futebol assumiu o problema e substituiu Morgado por Almir Laguna.

Seu último jogo como profissional do apito foi a segunda semifinal do Campeonato Paulista de 1987, entre São Paulo e Palmeiras. Sua atuação ficou marcada pelo fato de ter expulsado quatro jogadores do alviverde, tendo sido bastante criticado por isso.

Depois do jogo o árbitro foi vetado para o restante do Campeonato Brasileiro daquele ano. Não conseguiu atingir a nota mínima em uma prova por escrito da Comissão Brasileira de Arbitragem de Futebol.

Homossexual assumido ficou famoso por frequentar seguidamente a boca do lixo paulistana ao lado de um grupo de amigos. Em fevereiro de 1988 foi internado no Hospital Emílio Ribas, em São Paulo, com Aids. Abandonado pelos amigos e pela esposa morreu um ano depois.

Esse paulista chegou rápido ao quadro de aspirantes da FIFA. Com ele, trouxe um currículo carregado de controvérsias. Por duas vezes foi internado na Clínica Maia, uma casa de tratamento para problemas psicológicos, em São Paulo.

Entre os amigos, porém, Morgado gozava de outra fama. Nos quarteirões formados pelas ruas Rego Freitas e Marques de Itu, em plena Boca do Lixo, no centro de São Paulo, ele era uma espécie de rei.

Seus súditos, um grupo entre cinco ou 10 pessoas, boa parte homossexuais como ele. Na hora das farras, Morgado era quem pagava a conta. O pessoal explorava o Morgado.

Depois do diagnóstico de Aids, todos se afastaram dele. Nenhum dos antigos amigos doou 1 real sequer quando foi passada uma lista de contribuição. Nenhum deles o visitou no hospital.

Antes de falecer, internado na Clinica Bezerra de Menezes, em São Bernardo do Campo, Nunes Morgado pediu um novo exame de Aids. A entrega dos resultados acabou se transformando no pior momento de sua vida.

Ele recebeu trêmulo o envelope lacrado com o resultado do exame. Ao ler o que todos já sabiam, começou a chorar e a gritar: “Eu não tenho Aids coisa nenhuma! É meningite! É só um problema de pulmão! Quero um terceiro exame. Este aqui é fajuta”, acusou entre lágrimas.

Nunes Morgado chegou a voltar para casa, ficar junto com a família. Uma semana depois, mesmo com proibição médica, ele tomou uma garrafa de pinga. Quando voltou para seu apartamento na Praia Grande, bateu na mulher e chutou o filho.

Morgado estava completamente embriagado. Foi obrigado a se internar novamente na Clínica Bezerra de Menezes. Desde então seu estado de saúde foi piorando. Com o tempo ele ficava cada vez mais fraco. Sua morte foi inevitável, no dia 26 de abril de 1989, com apenas 43 anos de idade. (Pesquisa: Nilo Dias)