Boa parte de um vasto material recolhido em muitos anos de pesquisas está disponível nesta página para todos os que se interessam em conhecer o futebol e outros esportes a fundo.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Juventus, o “Moleque Travesso”

O Clube Atlético Juventus, tradicional agremiação esportiva de São Paulo foi fundado em 20 de Abril de 1924 pelos funcionários do Cotonifício Rodolfo Crespi. Mas a sua história começou bem antes, por volta de 1893, quando chegou ao Brasil o imigrante italiano Rodolfo Crespi, que cinco anos depois instalou sua indústria de tecelagem em um grande prédio localizado no bairro paulistano da Mooca, entre as ruas dos Trilhos, Taquari, Visconde de Laguna e Jaguari.

O Cotonifício Rodolfo Crespi deu emprego a centenas de pessoas que trabalhavam em setores que iam desde a limpeza do algodão até a produção de tecidos e roupas. E foram esses operários que resolveram criar um time de futebol, para se divertirem nos momentos de lazer. Foi assim que no dia 20 de abril de 1924 nasceu o “Extra São Paulo”.

Em pouco tempo o time ganhou o respeito dos adversários, o que motivou o interesse dos integrantes da família Crespi, que aproveitaram para estreitar o relacionamento com os funcionários. Em 1 de maio de 1925, um ano depois de ser fundado o clube passou a chamar-se Cotonifício Rodolfo Crespi Futebol Clube, resultado de uma fusão com o Cavalheiro Crespi F.C., também formado por empregados da fábrica de tecidos.

Na histórica reunião realizada em uma pequena casa no bairro da Mooca, decidiu-se por manter as cores do Extra São Paulo, vermelho, preto e branco, como sendo as oficiais da nova agremiação, aproveitando deste clube a maioria dos jogadores que já gozavam de certo prestígio nos "campinhos do bairro". Em contrapartida, o Cavalheiro Crespi F.C. cedeu a sua sede social, localizada na Rua dos Trilhos, nº 42 (antigo), preservando como data simbólica de fundação do clube o dia 20 de abril de 1924.

Com a fusão foi possível ganhar o apoio da família italiana, que de imediato cedeu um terreno que era usado como cocheira de cavalos, para a construção de um campo de futebol. Esse apoio da família Crespi foi fundamental para que o clube, que ainda era amador, desse os primeiros passos rumo a profissionalização. Em 1929 o Cotonifício Rodolfo Crespi foi campeão paulista da Segunda Divisão, depois de uma campanha fantástica: 16 partidas, 13 vitórias, 2 empates e apenas uma derrota, com 46 gols marcados e 13 gols sofridos.

Com a inauguração do estádio, localizado na Rua Alameda Javry, nº 117, atual Javari, tudo ficou mais fácil. No dia 26 de janeiro de 1930, em seu estádio, o Cotonifício Rodolfo Crespi F.C. venceu a A.A. República por 1 x 0, gol marcado por Piccinin, conquistando o título de campeão da Liga Amadora de São Paulo, o que lhe deu o direito de disputar o campeonato principal da Associação Paulista de Esportes Atléticos (APEA). A entidade organizadora do campeonato fez uma exigência: que o clube trocasse de nome.

Rodolfo Crespi, como patrono do Cotonifício Rodolfo Crespi Futebol Clube foi consultado para sugerir qual nome o clube adotaria. Como era torcedor da Juventus de Turim, não deu outra: no dia 19 de fevereiro de 1930 nasceu o Clube Atlético Juventus. As cores preferenciais para o uniforme foram o preto e o branco, as mesmas da Juventus italiana.

Mas isso criou um impasse, já que muitos dos clubes filiados na divisão principal paulista, entre os quais Corinthians, Ipiranga e Santos já ostentavam essas cores. Sem muitas opções, e não querendo aderir às cores já existentes nas demais agremiações, muito menos as suas tradicionais, o preto, vermelho e branco, estas também adotadas pelo extinto São Paulo da Floresta e S.C. Internacional, procurou-se outra sem semelhantes em clubes daquela divisão.

Mais uma vez coube ao benfeitor do clube, o conde Rodolfo Crespi resolver o impasse: assim nasceu o uniforme grená e branco, cuja semelhança tratava-se justamente da outra equipe da mesma cidade de Turim, o Torino.

A estréia do C.A. Juventus na elite do futebol estadual aconteceu no dia 16 de março de 1930, quando enfrentou o Santos F.C., no estádio da Vila Belmiro. O resultado não foi nada animador, uma derrota por 6 x 1. O Juventus entrou em campo com a seguinte formação: José – Berti e Segalla – Romeu - Túllio (capitão) e Rafael – Raul e Balista – Moacyr – Bellacosa e Pedro (Piccinin). Técnico: Anniello Annunziato. O primeiro gol juventino na história do Paulistão foi marcado pelo avante Piccinin.

Com nova denominação e cor, o clube da Mooca não demorou para fazer bonito. Naquele ano de 1930 começaram as travessuras que deram fama ao time, quando derrotou o poderoso Corinthians por 2 X 1, em pleno Parque São Jorge, com gols marcados por Nico e Piola. Nasceu ali o carinhoso apelido de “Moleque Travesso”, batismo dado pelo saudoso jornalista Tomáz Mazzoni, que disse em sua crônica do jogo, que tratava-se de “travessura de um moleque que ousou vencer um gigante em seus próprios domínios”.

Em 1932 conquistou um heróico terceiro lugar, ficando apenas seis pontos atrás do Palestra Itália, que sagrou-se campeão. Foi a melhor campanha do Juventus em toda história do Campeonato Paulista da Divisão Principal. A equipe era formada por José - Segalla e Piola – Joãozinho – Brandão e Rafael – Vazio – Nico – Orlando – Moacyr e Hércules, dirigida pelo técnico Raphael Liguori. A imprensa da época batizou esse time como "Os Inesquecíveis” ou “Máquina Juventina".

Nesse mesmo ano foi deflagrada uma grande campanha para a profissionalização do futebol paulistano. Com a Revolução Constitucionalista de 1932, o Cotonifício Rodolfo Crespi passou por dificuldades financeiras, não tendo recursos para continuar bancando o time nas competições oficiais.

Isso originou uma nova troca de nome. Em 1933 passou a chamar-se Clube Atlético Fiorentino, usando camisetas grenás e uma flor de lis branca no peito como escudo e disputou o Campeonato Paulista Amador, promovido pela Federação Paulista de Futebol. Naquele ano houve uma cisão no futebol brasileiro e os clubes mais tradicionais aderiram ao profissionalismo e criaram a Federação Brasileira de Futebol (FBF), que não era reconhecida pela FIFA.

Em 1934 conquistou o campeonato da cidade de São Paulo de forma invicta. No dia 2 de setembro de 1934 bateu no jogo final a Ponte Preta de Campinas na Rua Javari por 5 x 3, gols marcados por Euvaldo, Euclydes, Raul, Bellacosa e Moacyr.

Esse resultado credenciou o C.A. Fiorentino, para a disputa da final do Campeonato Estadual promovido pela FPF numa melhor de três partidas diante da Ferroviária de Pindamonhangaba, campeão do interior, clube fundado por funcionários da extinta Estrada de Ferro Campos do Jordão e que enrolou a bandeira na década de 1960.

Com expressivas vitórias por 5 x 0 e 3 x 1, o C.A. Fiorentino sagrou-se campeão estadual amador de 1934. A finalíssima aconteceu no dia 28 de outubro de 1934 no Estádio da Rua Javari. Sabratti e Raul (2) marcaram para o Fiorentino. Guedes fez o único gol da equipe do interior paulista. Raul da Rocha Soares, que na vitória por 5 x 0 em Pindamonhangaba já havia marcado três gols, foi carregado em triunfo pelos torcedores.

Em 1935 o clube também optou pelo profissionalismo, já na Liga Bandeirante de Foot-Ball e voltou a adotar o nome de Clube Atlético Juventus. Cerca de 15 anos depois os Crespi deixaram de ter participação na equipe, o que gerou uma nova crise, e por isso cogitou-se até mesmo uma fusão com a A.A. Ponte Preta de Campinas, que foi recusada pelo Conselho Deliberativo grená.

O C.A. Juventus conseguiu vencer todas as dificuldades e se manter vivo e forte até hoje. Nesses quase 85 anos de existência, o clube fez história. No dia 1 de maio de 1940 foi organizado o Torneio Relâmpago de inauguração do Pacaembu, em comemoração ao novo estádio municipal. Eliminando o Hespanha, de Santos e o Santos, o C.A. Juventus credenciou-se para a grande final programada para 5 de maio de 1940 diante da Portuguesa de Desportos. O "Moleque Travesso" entrou disposto a mostrar o seu valor e goleou a Lusa por 3 x 0, gols marcados por Ferrari, Danilo e Neves, o que fez da equipe grená o primeiro campeão do Pacaembu.

Conquistou a Taça de Prata do campeonato Brasileiro de 1983, derrotando o CSA de Alagoas na partida final. Em 1986 venceu o Torneio Início do Campeonato Paulista. Foi um feito histórico, pois ganhou a competição sem marcar e nem sofrer gols. A equipe comandada pelo técnico Candinho empatou todas as quatro partidas que disputou por 0 x 0, avançando no torneio, ora nas disputas por escanteios, ora nas penalidades.

Na decisão diante do Santo André, no Estádio do Pacaembu no dia 16 de fevereiro de 1986, após empate em 0 x 0 no tempo normal, o goleiro Barbiroto decidiu o título a favor dos grenás ao defender dois pênaltis.

Em 1971, sagrou-se Campeã do torneio classificatório do campeonato paulista, o "Paulistinha", que reuniu as principais equipes do Estado de São Paulo, exceto Palmeiras, Corinthians, Portuguesa, São Paulo e Santos.

Em 1953 o Juventus realizou uma temporada internacional pela Europa, jogando em gramados da Itália, Espanha, Suécia, Alemanha, Suíça, Áustria e na antiga Iugoslávia. Para coroar o ano, o Juventus venceu o Torneio Interestadual Jânio Quadros, ao derrotar a Portuguesa Santista por 1 x 0. Em 1956 fez uma nova temporada internacional, desta feita pela Argentina, onde enfrentou as principais equipes daquele país entre as quais o Boca Juniors. Em 1977 o Juventus foi de novo ao velho continente, jogando contra times da Itália, Romênia, França e Bulgária.

Em 1974, o Juventus ganhou o Torneio Internacional do Japão disputado em Tóquio, ao vencer a Seleção Japonesa por 2 x 0. Em 1983, numa final disputada em melhor de três partidas diante do CSA de Alagoas, obteve a sua maior conquista, o título de Campeão Brasileiro da Série B. No último jogo vitória de 1 x 0, gol de Paulo Martins, no dia 4 de maio de 1983, no Estádio do Parque São Jorge.

Na história do clube da Rua Javari, ainda estão o vice-campeonato da série B em 1986 e da C em 1997. No dia 26 de junho de 2005, numa campanha memorável, o Juventus venceu o Noroeste de Bauru por 2 x 1 no Estádio da Rua Javari, gols marcados por Johnson e Luis Carlos sagrando-se campeão paulista da série A-2, o que garantiu o retorno do time da Mooca a divisão principal do futebol estadual.

Muitos jogadores de expressão no futebol vestiram a camisa do Juventus. Entre eles César Luiz Menotti, o treinador campeão Mundial pela Argentina em 1978, Félix, goleiro campeão mundial pelo Brasil em 1970 e até mesmo Deco, da Seleção Portuguesa que atuou no clube, nas categorias de base.

O atual estádio da rua Javari foi reinaugurado no dia 13 de julho de 1941 num festival esportivo. Na preliminar jogaram Nacional e Ypiranga. Na partida principal o Corinthians venceu o Juventus por 3 x 1. Ferrari de pênalti fez o primeiro gol juventino na nova casa.

No ano de 1960 o Juventus lançou um grande empreendimento, através da construção de um moderno espaço poliesportivo em um terreno adquirido da Companhia Imobiliária Parque da Mooca. Em 15 de abril de 1962 foi lançada a pedra fundamental do parque poliesportivo onde hoje está localizada a sede social do Clube Atlético Juventus numa área de aproximadamente 80 mil m², no Parque da Mooca.

No decorrer dos anos, o Clube se transformou num dos maiores da América Latina. Foram inaugurados ginásios de basquete, vôlei, futebol de salão, Karatê, judô, canchas de bocha e quadras de tênis. (Pesquisa: Nilo Dias)


Equipe e dirigentes do Cotonifício Rodolfo Crespi, na década de 1920 (Foto: Acervo do C.A. Juventus)

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Um grande estádio no interior gaúcho

É lamentável que a imprensa esportiva do centro do país só noticie regularmente o que acontece no eixo Rio-São Paulo. Fora disso é preciso que aconteça alguma coisa de muito bom ou de ruim nos outros Estados para que mereça alguma citação. Foi assim que o G.E. Brasil de Pelotas foi noticia recentemente. Isso devido à tragédia que matou dois de seus atletas e o preparador de goleiros. E nesta última semana se falou em Erechim, cidade do interior gaúcho, distante 370 quilômetros de Porto Alegre, só porque lá foi disputado o Gre-Nal de número 374, o maior clássico do futebol brasileiro e um dos maiores do mundo, segundo pesquisa da revista “Trivela”.

Graças ao Gre-Nal, que não tinha como ser deixado em segundo plano, o Brasil inteiro ficou sabendo que na cidade de Erechim existe um grande estádio, o “Colosso da Lagoa”, o terceiro maior do estado, com capacidade para 25 mil torcedores. O estádio pertence ao clube local, Ypiranga F.C. e foi inaugurado no dia 2 de setembro de 1970, no jogo em que Pelé marcou seu gol de número 1.040, na vitória por 2 X 0 do Santos sobre o Grêmio, feito que mereceu uma placa em bronze oferecida pela Rádio Tupi de São Paulo, com o prefixo 1040.

Na inauguração do “Colosso da Lagoa” foi realizado um festival de futebol. Além de Santos X Grêmio outros grandes espetáculos foram oferecidos ao público de Erechim. A segunda rodada de jogos foi realizada no dia 06 de Setembro de 1970. Na preliminar o Ypiranga derrotou o Esportivo de Bento Gonçalves, por 3 X 2. No jogo de fundo o Botafogo do Rio de Janeiro goleou o Internacional por 5 X 2, debaixo de forte chuva. Jairzinho marcou três vezes e Nilson Dias e Arlindo uma vez cada para o onze carioca. Sérgio Galocha e Valdomiro descontaram para os gaúchos.

O Botafogo formou com Ubirajara Motta (Cao) - Moreira (Edinho) – Moisés - Osmar e Waltencir - Nei Conceição (Zé Carlos II) e Arlindo (Pojito) – Zequinha - Ferretti (Nílson Dias) - Jairzinho e Careca. O técnico era Paraguaio. O Inter jogou com Gainete - Édson Madureira – Pontes - Valmir e Jorge Andrade - Paulo César Carpegiani (Carbone) - Tovar e Dorinho – Valdomiro – Sérgio Galocha e Claudiomiro. O técnico era Daltro Menezes.

Também jogaram no “Festival de Inauguração”, dia 8 de setembro, Cruzeiro de Piaza, Zé Carlos e Tostão, contra o Independiente da Argentina; o clássico da cidade ATLANGA, reunindo Atlântico X Ypiranga e por fim Ypiranga x Ta-Guá, de Getulio Vargas (RS).

Poucas pessoas sabem que o gramado do Colosso da Lagoa é o maior entre todos os estádios brasileiros, medindo 110m X 80m. O Maracanã tem 110m X 75m, o Beira Rio, 108m X 72m, o Olímpico, 105 m X 68m, a Ilha do Retiro, do Sport, 105m X 78 m, entre outros. O estádio tem capacidade para 25 mil torcedores, mas no jogo de ontem, por questão de segurança, recebeu 20 mil torcedores. O recorde de público no estádio foi de 25 mil expectadores, no jogo Ypiranga 0 X 2 Internacional, no dia 18 de agosto de 1974, válido pelo campeonato gaúcho.

O Ypiranga F.C. foi fundado em 18 de agosto de 1924, e viveu momentos importantes, que marcaram a história do futebol de Erechim. Nas primeiras décadas funcionou como clube social e, em 1950 foi Campeão Estadual de Amadores. Sagrou-se campeão municipal de Erechim 7 vezes: 1928, 1945, 1949, 1950, 1951, 1952 e 1953. Em 2006 foi campeão do Torneio Internacional de São Gabriel. Participou do Campeonato Gaúcho da 2ª Divisão em 1965, 1982, 1984, 1985, 1986, 1987, 1988, 1989, 2000, 2001, 2002, 2003, 2006, 2007 e 2008 e da Divisão Principal em 1968, 1971, 1972, 1973, 1974, 1975, 1976, 1977, 1990, 1991, 1992, 1993, 1994, 1995, 1996, 1997, 1998 e 1999.

A última vez que um clássico Gre-Nal foi disputado longe de Porto Alegre, e o primeiro de caráter oficial, ocorreu em 4 de abril de 2004, em Bento Gonçalves com vitória do Internacional por 2 X 1, gols de Edinho e Nilmar. Foi o Gre-Nal de número 359, pelo Campeonato Gaúcho e que foi incluído na festa de inauguração do estádio “Montanha dos Vinhedos” do Esportivo.

Grêmio e Internacional se defrontaram no interior do Estado outras quatro vezes: em 7 de setembro de 1962, num amistoso disputado no Estádio Doutor Waldemar Fetter (hoje Aldo Dapuzzo), em Rio Grande, com vitória do Grêmio por 2 X 1. Élton e Marino marcaram para o Grêmio e Flávio Minuano para o Inter.

Eu lembro bem desse clássico, de número 161, o primeiro em uma cidade interiorana, que foi comemorativo aos 25 anos de fundação da Refinaria de Petróleo Ypiranga. Naquela época eu trabalhava na Rádio Tupancy, de Pelotas e narrei o jogo em dupla com o meu parceiro Antônio Carlos Alves. O Gre-Nal terminou debaixo de forte chuva. Não havia cabines no estádio suficientes para todas as rádios e por isso tivemos que transmitir o jogo de dentro do campo. Molhados e com frio, precisamos segurar o microfone com uma blusa de lá, para nos defendermos de incômodos choques elétricos.

No dia 19 de abril de 1964, no Estádio dos Plátanos em Santa Cruz do Sul, aconteceu o Gre-Nal de número 169 (amistoso), que terminou com vitória colorada por 1 X 0, gol de Vanderlei. Em 21 de março de 1965, tivemos no Estádio Alfredo Jaconni, em Caxias do Sul, o Gre-Nal 176, dentro das comemorações da festa da Uva, que acabou empatado sem gols. E em 21 de junho de 1992, também em Erechim o Gre-Nal 314, que terminou empatado em 0 X 0. (Pesquisa: Nilo Dias)

Estádio Olímpico Colosso da Lagoa (Foto: Acervo do Ypiranga F.C.)

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

A aristocracia entra em campo

O primeiro goleiro a vestir a camisa titular da Seleção Brasileira de Futebol foi Marcos Carneiro de Mendonça, jogador do Fluminense Foot Ball Club. No dia 21 de julho de 1914, no campo da Rua Guanabara, 94, em plena era do amadorismo, pela primeira vez uma representação nacional foi formada e para enfrentar um adversário profissional, o poderoso Exceter City, da Inglaterra. O selecionado brasileiro, que contou apenas com jogadores do Rio de Janeiro e São Paulo formou naquele histórico jogo com Marcos – Pindaro e Nery – Lagreca – Rubens Sales e Rolando – Oswaldo Gomes – Abelardo – Friedenreich – Osman e Formiga. O time nacional venceu por 2 X 0, gols de Oswaldo Gomes e Osman.

Essa mesma seleção, no dia 27 de setembro daquele ano foi protagonista de outro feito histórico, quando derrotou pela primeira vez a então poderosa seleção da Argentina. Em jogo disputado em Buenos Aires, o Brasil venceu por 1 X 0, gol de Rubens Salles.

Marcos Carneiro de Mendonça não foi apenas o primeiro goleiro a jogar pela Seleção Brasileira, mas também o mais novo até hoje a envergar a camisa número 1 do nosso selecionado, aos 19 anos e 6 meses de vida. Ele nasceu em Cataguases (MG), no dia de 25 de dezembro de 1894. Sua carreira de futebolista começou quando tinha apenas 13 anos de idade e foi jogar no Haddock Lobo Football Club, antigo clube do bairro da Tijuca, na zona norte do Rio de Janeiro, fundado em 1908.

O Haddock Lobo chegou a disputar os campeonatos estaduais de 1909 e 1910. Suas cores eram o marrom e branco. O primeiro uniforme do clube consistia em camisas marrons com gravatas brancas, calções brancos e meias negras. Logo esse uniforme foi mudado para camisas listradas alvi-marrons, permanecendo os calções e meiões.
Em 1911, em meio à uma crise financeira, o clube fundiu-se ao América Football Club.

A proposta inicial era a formação de um novo clube chamado Haddock Lobo-América Football Club. Mas graças à habilidade dos dirigentes rubros as cores e o nome do América permaneceram na fusão que na prática, acabou sendo apenas uma aquisição dos terrenos do Haddock Lobo. O América herdou seu estádio, na rua Campos Sales, onde hoje funciona sua sede social e integração de seus atletas, entre eles Marcos Carneiro de Mendonça, já que a sua identidade permaneceu inalterada.

Há registros de um outro Haddock Lobo Football Club em meados da década de 10, talvez formado por ex-membros do então já extinto clube. Esse segundo Haddock Lobo não participou de nenhuma competição importante, e teve vida breve.

Foi na infância que Marcos escolheu a posição de goleiro, costumeiramente reservada aos menos hábeis com a bola nos pés, quando teve febre amarela, sarampo, forte infecção intestinal e problemas pulmonares. Como estava sempre cercado de cuidados, e impedido de fazer grades esforços, achou que no gol seria menos exigido e realizaria seu sonho de ser jogador de futebol.

Marcos defendeu as cores americanas até 1913, quando se sagrou campeão carioca. A conquista do título não foi suficiente para que continuasse no América. Assim como outras dezenas de sócios e atletas descontentes com a diretoria americana, em 1914 se transferiu para o Fluminense, clube de seu coração, onde jogou até o fim da carreira.

Naquela época romântica do futebol brasileiro, quando os atletas, na esmagadora maioria eram moços de cor branca e filhos das famílias mais abastadas e de sobrenomes tradicionais, era comum a presença feminina nos estádios, não só para apreciar os jogos, mas também para admirar o porte atlético e a elegância dos jogadores. E nesse quesito Marcos também se destacava. Dono de reflexos apurados, grande sentido de colocação, estilo clássico e refinado, com seus 1,94 metro de altura, chamava atenção pela maneira elegante como trajava o uniforme tricolor.

O seu sentido de colocação era tão preciso que sempre ao final dos jogos a camisa e calção se mantinham limpos, pois raras vezes precisava se jogar ao chão para fazer alguma defesa. Era grande pegador de pênaltis, estudava maneiras eficazes para suas defesas e saídas do gol, tinha sangue frio e reflexos apurados. Para Marcos, o futebol era uma ciência geométrica. Os jornais da época destacavam que ele era o alvo preferido dos corações das mocinhas que acompanhavam os jogos do tricolor carioca nas Laranjeiras. Costumava usar presa ao calção uma fita roxa dada por sua esposa, o que motivava constantes provocações dos adversários e suspiros das demais torcedoras.

Mas até os craques passam por aqueles dias em que nada dá certo e com nosso ídolo, não foi diferente. O jornalista Paulo Guilherme, em seu livro “Goleiros - heróis e anti-heróis da camisa 1”, editado pela Alameda, relata um “frangaço” tomado pelo aristocrático Marcos Carneiro de Mendonça, tão logo ele, que acreditava na teoria da cobertura dos ângulos, receita infalível para evitar gols, foi traído pela soberba em um jogo entre o Fluminense e o time do Vila Isabel, equipe fraquíssima. Em certa altura do jogo, o zagueiro Chico Netto atrasou uma bola para Marcos, que abaixou-se desatento para segurar a redonda e acabou por deixá-la passar por entre seus dedos, num lance absolutamente ridículo. Foi o gol que deu a vitória ao Vila Isabel e impediu o Fluminense de ganhar o título de 1918 de maneira invicta.

A poetisa Anna Amélia de Queiroz, que depois seria sua esposa (casaram em 1917), costumava dedicar a Marcos versos que o comparavam a um deus grego, por seu refinamento, graça e nobreza, como no poema “O salto”:

Ao ver-te hoje saltar para um torneio atlético,
Sereno, forte, audaz como um vulto da Ilíada
Todo meu ser vibrou num ímpeto frenético
Como diante de um grego, herói de uma Olimpíada.

Estremeci fitando esse teu porte estético
Como diante de Apolo estremecera a dríada.
Era um conjunto de arte esplendoroso e poético,
Enredo de inspiração para uma heliconíada.

No cenário sem par de um pálido crepúsculo
Tu te enlaçaste no ar, vibrando em cada músculo
Por entre aclamações da massa entusiástica,

Como um Deus a baixar do Olimpo, airoso, lépido
Tocaste o solo, enfim, glorioso, ardente intrépido,
Belo na perfeição da grega e antiga plástica.

Sua carreira acabou precocemente, quando tinha apenas 29 anos de idade e sofreu uma séria lesão. Em 1928, aos 34 anos, tentou voltar a jogar e ainda pelo Fluminense, quando houve um desentendimento do goleiro Batalha com a diretoria do Clube. O retorno aconteceu num jogo contra o Bangu, em 26 de agosto de 1928, com vitória do tricolor por 2 X 1.

Os jornais da época noticiaram com destaque a reestréia do jogador: "Marcos Carneiro de Mendonça, o grande arqueiro que reapareceu ontem, após um longo período de ausência, foi recebido na sua entrada em campo com uma estrondosa aclamação. O nome do grande player ouvia-se pronunciado em todos os cantos da praça de esportes. O valoroso footballer trajava como antigamente, camisa e calção de cor branca, ostentando na cintura aquela tradicional fita roxa dos seus áureos tempos.” Seu último jogo ocorreu em 03 de setembro daquele ano, contra o Sírio Libanês, quando o Fluminense perdeu por 3 X 1.

Defendeu o Fluminense em 127 jogos e sofreu 164 gols, o que tem explicação no fato de que os primeiros times da história do futebol buscavam sempre o ataque, abdicando de sistemas defensivos mais rígidos, como acontece hoje. O resultado era grande quantidade de gols. Na Seleção Brasileira, Marcos jogou 15 partidas (10 oficiais e 5 amistosos) entre 1914 e 1923. Marcos foi campeão carioca quatro vezes: 1913 (América), 1917, 1918 e 1919 (Fluminense), campeão do Torneio Início (1916), campeão da Taça Ioduran, um torneio equivalente ao Rio-São Paulo (1919) e campeão sul-americano (1919 e 1922) e da Copa Rocca (1919) pela Seleção Brasileira.

Mesmo fora dos gramados o ex-goleiro não abandonou o gosto pelo futebol, continuando a participar das atividades do Fluminense, chegando a ser presidente do clube entre maio de 1941 e agosto de 1943. Além disso, tornou-se historiador. Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil (IHGB) e criador do Centro de Estudos e Pesquisas Históricas (CEPH), Marcos dedicou parte de sua vida à pesquisa sobre o século XVIII no Brasil e especializou-se no período do Marquês de Pombal. Foi fundador da Comissão de Estudos e Pesquisas Históricas (CEPHAS) e também presidente da Sociedade Capistrano de Abreu e membro, dentre outros, do Conimbricensis Instituti, de Portugal, da Academia Portuguesa da História e da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro.

O casal Carneiro Mendonça era também grande incentivador da cultura. Ocasionalmente, promoviam palestras, seminários e exposições no célebre “Solar dos Abacaxis”, assim chamado por ter abacaxis de ferro enfeitando as sacadas. Foi por décadas a residência do casal Carneiro de Mendonça. O palacete foi construído em 1843, na rua Cosme Velho, 857, a poucos metros do Largo do Boticário, a mando do comendador Manuel Borges da Costa, bisavô de Anna Amélia. A propriedade é de tamanho monumental, são dez quartos, cinco salas, biblioteca, clarabóia, sótão, porão, jardim e uma grande área verde nos fundos.

O solar foi tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) em 12 de setembro de 1990. A Exposição de Arte Sacra, na década de 70, com obras das coleções da família e de amigos foi uma das últimas abertas ao público. A renda dos ingressos foi revertida para projetos sociais que apoiavam. Marcos reuniu uma majestosa biblioteca com 11 mil volumes, hoje de posse da Academia Brasileira de Letras. Ainda trabalhou no escritório da Usina Esperança, a primeira siderúrgica a funcionar regularmente no país, que pertencia à família de Anna Amelia. Além de fundar a Casa do Estudante, ela militou pelo voto feminino. O casal teve três filhos, Márcia, Juko e a critica teatral, Barbara Heliodora, de 85 anos (29-08-1923). Marcos morreu em 19 de outubro de 1988, aos 94 anos. (Pesquisa: Nilo Dias)

Anna Amélia e Marcos Carneiro de Mendonça. (Foto: Biblioteca Nacional)