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sexta-feira, 5 de abril de 2019

A origem indígena de "Garrincha"

Nascido em Pau Grande, no Rio de Janeiro, "Mané Garrincha" era filho de pai alagoano. Seu Amaro dos Santos era natural de Quebrângulo, interior do Estado, e foi criado na aldeia dos "Fulniôs", índios de origem pernambucana, mas que por conta de perseguições foram para Alagoas em 1860.

Somente aos 26 anos, em 1914, Amaro e a esposa foram para o Rio de Janeiro, terra onde o bicampeão mundial nasceu, 19 anos depois. Para o autor do livro "Garrincha,a flecha Fulnio", Mário Lima, que é torcedor fanático do Botafogo, escrever sobre "Garrincha", seu grande ídolo foi uma honra.

Manoel Francisco dos Santos, o "Garrincha", teve vários apelidos durante a vida de jogador. “Anjo das Pernas Tortas”, “Alegria do Povo” ou simplesmente “Mané”. “Flecha Fulniô” também se destaca, pois faz referência direta à origem indígena do craque, até hoje usada como justificativa quando se tenta descrever o seu espírito indomável.

As raízes indígenas de “Garrincha” explicam muitas coisas sobre sua vida. Todos sabem que o maior problema na vida dele foi o alcoolismo. Mas isso tem relação direta com a cultura. Quando pequeno, tomava uma bebida na mamadeira que trazia álcool.

As várias mulheres que teve, os filhos, tudo isso tem no íntimo dele, a raiz indígena. Dentro de campo, o espírito moleque, driblador, típico da capoeira. A alegria, a felicidade e a receptividade dos índios "Fulniô" são marcas registradas da tribo. 

A seca e o calor escaldante na localidade de Águas Belas, Agreste de Pernambuco, nunca foram empecilho para que a molecada vivesse um burburinho em torno de uma bola de futebol, nos dois campos lá existentes,  um de chão batido e outro de areia clara – que ficam dentro da área demarcada da aldeia.

Times formados por garotos treinam diariamente para os jogos que acontecem sempre nos fins de semana, em disputas acirradas por um lugar nos quatro times que representam a tribo – Guarany, Juventude, Palmeiras e Fulniô. 

Alguns dos jogadores têm pernas tortas e arqueadas, parecidas com as do seu parente mais famoso, o chamado “Flecha Fulniô”, Manoel dos Santos, o “Mané Garrincha”.

O curioso é que ninguém na tribo sabia da ancestralidade indígena de “Garrincha”. A revelação só aconteceu em 1995, com a publicação do livro “Estrela Solitária – um brasileiro chamado Garrincha”, do jornalista Ruy Castro, o maior biógrafo de Mané.

Em sua obra conta a importância dessa ancestralidade indígena de ”Garrincha” para interpretar tanto a exuberância e a simplicidade de seu futebol, quanto o comportamento avesso às normas sociais e à disciplina.

Um mapa de Alagoas – mostrando mais especificamente a cidade de Quebrângulo, para onde parte da tribo fugiu após uma diáspora. A família de “Garrincha” saiu de Águas Belas, Pernambuco, para Alagoas.

Foi em 1860 que aconteceu a diáspora dos “Fulniôs”. Com a ação dos brancos, que queimavam aldeias e usavam das armas mais violentas, e a conivência das autoridades, não restou outra alternativa aos membros da tribo a não ser fugir.

Vivendo em Águas Belas, Pernambuco, a poucos quilômetros da fronteira, Alagoas parecia o local ideal e os bisavós de “Garrincha”, foram os primeiros a deixar o lar em busca de uma forçada – nova vida.

Depois de passarem por Santana do Ipanema, eles logo alcançaram as proximidades de União dos Palmares, na “Serra da Barriga”, nomeando o lugar de “Laí-Eefà”, ou “quebro e engulo”.

O nome soa familiar aos alagoanos e foi exatamente por lá o início da parte "Caeté" da história do jogador. E, nessa história, um dos personagens mais importantes foi seu Amaro Francisco dos Santos, o pai de “Garrincha”.

Nascido em Quebrângulo em 1897, ele próprio acabou por fugir também mais tarde, mas, dessa vez, da pobreza. O destino escolhido foi o Rio de Janeiro, para onde partiu aos 26 anos com a mulher – uma negra pernambucana chamada Carolina –, e a primeira filha do casal, a alagoana Rosa. O convite veio por parte do irmão, então já fixado na capital carioca.

O irmão mais velho de seu Amaro, "Manoel Caieira", como era chamado, já tinha ido e se fixado por lá, era gerente de uma loja de fiação de um grupo inglês, e aí chamou a família para ir para o Rio, em “Pau Grande”, na serra fluminense, onde morava. Quando Amaro chegou lá já tinha Rosa e, alguns filhos depois é que veio o “Garrincha”.

Passaram-se os anos e hoje não existe no local uma única pessoa que tenha ouvido falar sobre isso. Sem concentrações de “Fulniôs” por lá , a única tribo de Alagoas está fixada em Porto Real do Colégio, nas ruas a população desconhece o fato. Nos cartórios também não há qualquer registro e nem as fotos mostradas aos mais velhos ajudaram a desvendar o mistério.

O cacique da aldeia em Águas Belas, João Francisco dos Santos, tinha uma explicação. “Não admira que não se tenha encontrado nenhum documento sobre os pais dele. Naquele tempo, índio não tirava identidade nem nada. Quem diabo gostaria de ser índio naquela época?”.

Lembrado ou não na localidade, para Mário Lima, autor do livro “Garrincha: A Flecha Fulniô”, o que importa mesmo é que foi de terras alagoanas que saiu um dos maiores craques já vistos nos campos de futebol. Todos sabem que “Garrincha” era do Rio de Janeiro, nasceu lá, mas sua origem era “Fulniô”.

Quando menino “Garrincha”  jogava pelo menos duas ou três peladas por dia e, aos 13 anos, já era o artilheiro nos times de “Pau Grande” e região. A fama da infância revelava o talento para a bola, mas foi apenas aos 20 anos, em 1953, que ele entrou para o primeiro time profissional da carreira: o Botafogo. A convocação para a “Seleção Canarinha” não tardou e chegou logo dois anos depois, em 1955.

Foi no “Mundial do Chile”, em 1962 que o craque se consagrou. Jogando pelo machucado “Pelé” e por todo o time, ele fez de tudo: cruzamentos perfeitos, gol de cabeça e, claro, driblou brilhantemente como sempre, sendo eleito o melhor jogador e ajudou o País a trazer o bicampeonato. E ganhou o posto de lenda eterna do futebol.

Mas não só por sua atuação com a camisa do Brasil o atleta ficou conhecido. Ídolo máximo do carioca Botafogo, por lá fez 240 gols, o que lhe garantiu a colocação de terceiro maior artilheiro do time, ficando atrás apenas de "Quarentinha" e Carvalho Leite. Foram 12 anos atuando pela equipe, também bicampeã em 1962. A última partida aconteceu em 1965 e, o último gol, contra o Flamengo.

Como a vida segue por linhas tortas, a queda já vinha sendo traçada lentamente desde 1963, quando o joelho direito passou a lhe render problemas. O joelho ficava muito machucado, mas ele jogava e não estava nem aí. 

E o Botafogo foi culpado por isso. Botava o “Mané” para jogar de qualquer jeito. Ele sofreu muita infiltração de "Cortisona" e também nunca quis operar, preferia as rezadeiras de ”Pau Grande”.

Apesar da aversão, acabou tendo indo parar na sala de cirurgia e, depois disso, nunca mais foi o mesmo. Em decadência, passou a jogador mambembe, ganhando os campos Brasil afora. 

Jogou em lugares que ninguém imagina. Em 10 anos, foram muitas às rápidas passagens em clubes de vários Estados, incluindo aí os alagoanos CSA e ASA. Fez, ainda, incontáveis jogos de exibição como artista saltimbanco.

Segundo se sabe, “Garrincha” passou por cerca de 60 cidades, do Espírito Santo a Alagoas, cruzando pelo interior de Minas, Bahia e Pernambuco. “Mané” viajou de avião, trem, carro e barco para jogar.

Em muitas cidades, o campo era de terra batida, sem grama, como seu antigo campinho de pelada em sua terra natal. “Garrincha” era recebido pelas autoridades locais com quantidades industriais de cachaça e carnes típicas.

Seu último jogo foi em Planaltina (DF), em evento organizado por Manoel Esperidião, o “Manoelzinho”, ex-presidente do Sobradinho Esporte Clube, que guarda até hoje a camisa e as chuteiras que o ex-craque usou na ocasião.

Em um país que se ufana da mistura de três raças, identificar os jogadores de origem branca ou negra é fácil. Mas rastrear as raízes indígenas de um atleta é um trabalho de detetive.

Muitos futebolistas foram batizados profissionalmente como "Índio", e 20 foram registrados com essa denominação pela CBF em 10 anos.

O Brasil tem 240 povos indígenas, com 180 línguas diferentes, somando quase 900 mil pessoas, sendo que a metade delas vive nas áreas amazônicas.

Mas há muitos nativos no semiárido nordestino. O cálculo é que vivam mais de 9.500 "Xucurus" nos 27,5 mil hectares da maior reserva do Nordeste, com 24 aldeias na "Serra do Ororubó". (Pesquisa: Nilo Dias)



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