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segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

O futebol cearense está de luto

O futebol cearense está de luto, com o falecimento hoje, na avançada idade de 105 anos, de Valdemar Caracas, um dos fundadores do Ferroviário Atlético Clube, tradicional agremiação esportiva de Fortaleza, que em 2013 completará 80 anos de história, e o mais velho fundador, ainda vivo, de um time de futebol no país.

Ele não resistiu a uma insuficiência renal, conseqüência da pneumonia que o levou a ser internado desde meados de dezembro, em um hospital particular de Fortaleza. No início de janeiro, Valdemar Caracas chegou a ser submetido a uma traqueostomia, procedimento cirúrgico que consiste em abrir um orifício na traquéia e inserir uma válvula para auxiliar na respiração do paciente.

Os que o conheceram afirmavam que se tratava de um homem que soube ser filho, pai, avô, bisavô, marido e desportista no melhor estilo. O vice-presidente do Ferroviário, Edmilson Junior lamentou a morte de Valdemar Caracas que, segundo ele, foi um dos maiores nomes da história do futebol cearense. "Era uma referência, um ícone”.

O dirigente afirmou ainda que o clube vai homenagear o seu fundador no velório, enterro e durante a partida desta quarta-feira contra o Tiradentes no estádio Presidente Vargas. Ele garantiu que Caracas não será esquecido pelo clube e pela torcida. O Ferroviário decretou luto oficial de 9 dias em sua homenagem.

O corpo de Valdemar será velado a partir das 17h desta segunda-feira (14) na Funerária Ethernus, na rua Padre Valdevino, 1688 - Aldeota, em Fortaleza. O sepultamento, que também será marcado por uma Missa, ocorrerá na manhã de terça-feira (15), a partir das 10h, no Cemitério Parque da Paz, no bairro Passaré.

Caracas não foi apenas um dos fundadores do Ferroviário e o primeiro cronista esportivo do Estado, era também fundador do Partido Socialista Brasileiro (PSB), no Estado, o mais antigo previdenciário do Ceará, tendo ainda sido sub-prefeito de Parangaba, na gestão do Prefeito Manoel Cordeiro Neto.

Valdemar Cabral Caracas nasceu em Pacoti (CE), no dia 9 de novembro de 1907. A casa aonde veio ao mundo ainda pertence à mesma família. Está localizada na entrada da cidade, no sítio “Pau do Alho”, no primeiro quarteirão. Ali, ele foi batizado pelo monsenhor André Tabosa.

Em 1936, quando era vereador em Fortaleza, Valdemar Caracas enviou um projeto propondo o nome de Monsenhor Tabosa, à rua do cemitério. Sobre a sua primeira moradia, Caracas contou que o proprietário, de nome Silveira, foi atropelado na calçada por um jipe e morreu.

Ainda jovem se mudou com a família para Fortaleza para estudar em escola pública. O pai dele era empregado de um comércio em Fortaleza, que começava a fervilhar. Saiu de Pacoti, na região do Maciço de Baturité, com a família, e alugou uma casa de duas janelas no Centro de Fortaleza. A mãe, viúva, com seis filhos, casou-se de novo e teve mais sete filhos no segundo casamento, do qual Caracas é o primogênito.

Diplomado pela escola de comércio em Fortaleza, Caracas teve a história confundida com a de Fortaleza em vários âmbitos. Foi o primeiro cronista esportivo do Estado do Ceará, trabalhando na Ceará Rádio Clube, pioneira da radiodifusão cearense, além de ter sido correspondente do “Jornal do Brasil” e do “Jornal dos Sports”, do Rio de Janeiro. Foi funcionário público, dirigente esportivo, técnico de futebol e vereador.

Em 1922, Valdemar Caracas ainda não tinha completado 15 anos quando ingressou na Rede de Viação Cearense (RVC), onde chegou ao cargo de chefe do Escritório de Manutenção da empresa. Sua carreira na RVC foi concluída no cargo de secretário, o qual ocupou por três anos, até se aposentar.

Em 1926, se envolveu em um acontecimento insólito, ao fazer “uma paródia” de música com o seu chefe. A brincadeira lhe custou a transferência para Missão Velha, onde muitas vezes tinha de andar armado. Na época, o porte era livre.

A cidade seguidamente convivia com cangaceiros. Por lá aconteceu um episódio que Caracas nunca mais esqueceu, embora não tivesse chegado a ver, mas ouviu os tiros. O cangaceiro Isaías Arruda matou o segundo tenente Fernando Pinto e o sargento José Pereira Nascimento, fato que teve enorme repercussão na época.

Em maio de 1933, ficou sabendo que alguns de seus colegas da Rede de Viação Cearense haviam criado um time de futebol e realizavam jogos em um campo no subúrbio de Fortaleza, mas seguidamente se envolviam em confusões.

Disciplinador, Caracas resolveu dar uma organização mais eficiente ao time, começando assim a história do Ferroviário Atlético Clube e também a sua, dentro do tradicional clube cearense. Ele próprio contou detalhes da fundação do Ferroviário, em crônica escrita em maio de 1994:

“Vou falar sobre o Ferroviário, precisamente do Ferroviário Atlético Clube. Nascido em 1933, fruto da junção das equipes "Matapasto" e "Jurubeba", recebeu, na pia batismal, o nome de Ferroviário Footbal Clube, mas, na confirmação da crisma, fiz substituir o Football por Atlético.

Iniciava-se o ano de 1933, quando a direção da Rede de Viação Cearense (RVC) autorizou a execução de serviços extraordinários nas oficinas do Urubu, para a reparação de locomotivas, carros e vagões, durante um expediente noturno, que começava às 18 e terminava às 20 horas.

Como o expediente normal expirava às 16:25, os operários mais jovens que residiam longe dali (Barro Vermelho, Soure, Otávio Bonfim, Quilômetro 8, Parangaba, Mondubim) resolveram aproveitar a hora de folga para a prática de futebol; na preparação do campo, a relva retirada do espaço a ele destinado, era constituída de mata-pasta e jurubeba.

A verve operária, que era fértil, escolheu, então, estas plantas medicinais para denominação dos dois onzes, que se defrontavam todas as tardes, no campo improvisado. As traves das metas eram roliças, confeccionadas que foram com tubos inservíveis, retirados de caldeiras das "Marias-fumaça".

Com aquele "timezinho" cognominado apenas de Ferroviário, eles, os operários-atletas, ou melhor, “pebolistas”, foram aos subúrbios onde realizaram partidas amistosas, com real proveito para a harmonia do conjunto, tudo sem qualquer interferência da minha parte.

Foi, então, que deliberei fazer dele gente, como se diz na gíria. Reuni operários, meus companheiros, promovi sessão com livro para a lavratura de atas, fiz um retrospecto da agremiação que surgia, completei o nome desta e disse-lhes da importância daquela reunião, como fator auspicioso para projeção da classe ferroviária.

Era pretensão minha que tal ocorresse a 9 de novembro, quando eu completaria 26 anos, mas o entusiasmo exigiu a antecipação e não perdi tempo, marcando o dia para 9 de maio, exatamente 6 meses antes de 9 de novembro. Parti, então para a nova missão, aproveitando as horas disponíveis da minha atividade funcional.

Fui tudo no Ferroviário, menos presidente, porque nunca quis sê-lo. Fui pai, mãe, babá e, sobretudo, seu educador, disciplinando-o, pois a equipe suburbana era useira e vezeira em tomar o apito do árbitro, quando a decisão deste não lhe fosse agradável. Acabei com essa prática danosa ao seu comportamento, o time se fez clube, cresceu e está aí, vencendo os tropeços e dando alegrias a todos nós, seus torcedores”.

Além de fundador, Caracas chegou a se aventurar como jogador, mas não deu certo. Depois foi diretor e técnico do Ferroviário, tendo sido campeão cearense de 1945, no primeiro título estadual conquistado pelo “Ferrim”.

Valdemar também se envolveu com a política e, devido sua influência junto aos trabalhadores da RVC, foi eleito vereador de Fortaleza em 1936, pelo Partido Republicano Conservador (PRC).

No ano seguinte, ocorreu o golpe de Getúlio Vargas que instalou o “Estado Novo” e, no dia 10 de novembro de 1937 teve seu mandato cassado pela então recém-instaurada ditadura varguista. Era até hoje o único vereador vivo daquela legislatura. Posteriormente, em 1947, ajudou a fundar o Partido Socialista Brasileiro (PSB) no Estado do Ceará .

Valdemar Caracas não mais acompanhava os jogos do Ferroviário, como antes, mas nem por isso ficava alheio a complicada situação vivida pelo clube de seu coração nos últimos anos. Enquanto teve forças, participava de perto da vida do Ferroviário, sendo um de seus mais fervorosos torcedores. Depois que se afastou do futebol, recebeu inúmeras homenagens.

Quando completou 100 anos, foi homenageado com um busto de bronze no salão principal dos alojamentos da Vila Olímpica Elzir Cabral, mandado colocar pelo então presidente, Francisco Neto..

A última homenagem prestada publicamente à Caracas foi por ocasião da reabertura do Estádio Presidente Vargas, em setembro do ano passado. Por determinação da prefeita Luizianne Lins, a “Calçada da Fama” leva o nome de Valdemar Cabral Caracas. Na oportunidade foi entregue também, uma placa comemorativa da reabertura do novo estádio.

O Estádio de futebol de Bom Jardim, leva o nome de ”Valdemar Caracas”, graças a um projeto de Decreto Legislativo dos vereadores José do Carmo e Tin Gomes (PHS). Eles justificaram a homenagem pela história de vida de Valdemar Caracas, pelos seus valorosos préstimos à comunidade do município e Estado.

O PSB cearense, quando completou 60 anos, lhe ofereceu uma placa pelo pioneirismo de ter criado no Ceará “um partido de luta pelos ideais socialistas e pelos princípios de liberdade e justiça social”.

Valdemar Caracas sempre dizia que em meados do século passado, os craques faziam a diferença. Ao contrário do que pensa a maioria dos desportistas, ele não via Pelé como o maior jogador do mundo. “Não tenho qualquer dúvida em apontar o Leônidas da Silva como o melhor de todos os tempos. Ele era incomparável”.

Além de Valdemar Caracas, o Ferroviário perdeu na última sexta-feira, 11, em Brasília, o padre Haroldo Coelho, de 77 anos. Ilustre e querido torcedor do “Ferrim”, era presença constante em jogos e eventos relacionados ao clube ”coral”. Padre Haroldo fora à Brasília passar as festas de fim de ano com familiares e há 10 dias estava internado na UTI do Hospital Daher, no Lago Sul.

Nos últimos dois dias ele não vinha respondendo aos antibióticos e apresentava um quadro de infecção generalizada, até sofrer uma parada respiratória. No jogo do último sábado, contra o Icasa, em Juazeiro do Norte, foi respeitado um minuto de silencia em homenagem à ele. (Pesquisa: Nilo Dias)

Valdemar Caracas. (Foto: Jornal "O Povo")

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